Escola pública de música: crise e improviso

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A Escola de Música de Brasília, reconhecida fora do país e que já formou artistas, está em crise financeira e vivencia improvisos, de acordo com professores e o próprio diretor da instituição. Segundo funcionários, os problemas se acumularam ao longo de cinco anos de má gestão, e falta de articulação de professores, servidores e alunos, para exigir melhorias e pensar em formas de funcionamento da instituição, contudo, as dificuldades se agravaram na última gestão. Atualmente, a escola conta com cerca de 80 cursos, 50 instrumentos, 240 professores e cerca de 2.200 alunos, mas já existem desistências do curso por se sentirem desmotivados.

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O maestro Ayrton Pisco, diretor da escola desde janeiro de 2014, afirma que a instituição, em seus 41 anos de existência, nunca teve um profissional que pudesse fazer a manutenção dos instrumentos, por falta de capital e investimento por parte do governo, que muitas vezes não acha necessário este tipo de demanda. Na escola existe uma sala denominada “instrumentoteca”, onde os materiais são guardados, dentre eles 62 violinos estão com as cordas estragadas, os pianos sem som estão guardados e empoeirados há algum tempo e os violoncelos estão sem corda.

“A programação começa de uma política de Estado e termina se você terá todos os aspectos necessários para fazer aquilo acontecer. Como foi solicitado por parte da Escola, entre muitas outras coisas, e não há respostas, o negócio funciona de qualquer jeito, no final das contas fica tudo no improviso”, relatou Pisco.

“Entrei aqui em Janeiro de 1980 para lecionar, desde então dou aula de Violino e Regência de Orquestra. Vou fazer 36 anos de escola e a minha trajetória é de muito amor e dedicação total por essa escola e á música, que é a paixão da minha vida”
“Entrei aqui em Janeiro de 1980 para lecionar, desde então dou aula de Violino e Regência de Orquestra. Vou fazer 36 anos de escola e a minha trajetória é de muito amor e dedicação total por essa escola e á música, que é a paixão da minha vida”

 

Problemática

A lista de problemas é extensa, como relata a maestrina e professora da instituição há 16 anos, Rosilda Cristina Carvalho, as reclamações vindas dos professores são as mesmas. O princípio dos problemas foi quando a escola passou a ser administrada pela Coordenação Regional de Ensino – CRE, que coordena as escolas de ensino regular da rede pública, e com isso ela vem querendo encaixar o Centro de Educação Profissional – EMB no modelo de escola de ensino regular. “Esta é uma escola específica para o ensino de música, musicalização infantil, juvenil e adulta, e para formação de profissionais da música”, afirmou a professora.

A área total do terreno da Escola de Música é de 41.176 m², sendo que apenas 7.186 m² são ocupados pela escola, o que resulta numa taxa de ocupação baixa, apenas 17,46% do lote, menos da metade da taxa de 40% permitida legalmente pela Norma de Gabarito de Brasília – NGB do local. Sem nenhuma restauração há mais de 40 anos, a infraestrutura da instituição implora por socorro. Infiltração no teto, pisos arrancados, falta de isolamento acústico, instrumentos sucateados, prédio sem estrutura, entre outros problemas. De acordo com Pisco, o motivo pelo qual a Escola está em crise, é a falta de dinheiro.

Em 2013, a Escola recebeu uma iniciativa de reforma, um projeto independente do arquiteto e sócio na empresa Coda, Pedro Grilo, que foi encaminhado ao GDF para que avaliasse o trabalho. De nada adiantou, o projeto está até hoje sem encaminhamento.Projeto

De acordo com o Sindicato dos Professores e Orientadores de Brasília, a comunidade da Escola de Música estaria insatisfeita com as decisões e equívocos pedagógicos e administrativos da direção, por causa disso ela tem feito muitas denúncias aos meios de comunicação. Entre as denúncias feitas, estaria o pedido de exoneração de cargo do então diretor Ayrton Pisco. “Eu ficarei muito orgulhoso se o governador tiver a coragem de me exonerar por eu estar fazendo a coisa certa, levarei essa honra para sempre. Contarei para meus filhos e netos pelo resto da vida”, declarou o maestro.

 

Contestação

 

Em contrapartida às declarações e atitudes tomadas pelo diretor, alunos e professores declaram sua insatisfação e desmotivação em aprender e ensinar. Uma de suas reclamações mais recorrentes seria o fato da nova direção da Escola ter decidido que os professores deveriam dar aulas em grupo. “O diretor, por sua própria decisão, criou um novo sistema de modulação sem consultar professores e coordenadores. Esta modulação, que implicaria a formação de diversas turmas coletivas, chamadas por ele de ‘enturmação’, não atenderia ao ensino musical de forma pedagógica e implicaria a devolução de um enorme número de professores para a Coordenação Regional”, relatou a maestrina Rosilda.

 

Ainda de acordo com a professora, as aulas de musicalização infantil, de teoria musical, coral, orquestra e prática de conjunto, assim como algumas aulas de instrumentos, como violão e guitarra, podem e já são dadas em grupo. “As aulas dos demais instrumentos e de canto precisam ser individuais, mesmo que comecem em grupo, pois o professor precisa observar, de forma individual, aspectos específicos de desenvolvimento técnico instrumental ou vocal do aluno”, disse.

 

O integrante do Grêmio Estudantil e aluno da Escola de Música, Yuri Lourenço, vai ao estabelecimento três vezes por semana e afirma ter aula de prática em conjunto, com pessoas de outros instrumentos. “A estrutura física da escola deixa a desejar. Móveis quebrados e entulho se acumulam nas adjacências dos blocos. O mato alto também reflete o sucateamento geral da Escola. Apesar do terreno ser grande, faltam salas. Estas estão mal cuidadas. Portas quebradas e goteiras são comuns. A falta de salas se dá também por falhas de gestão”, afirmou o aluno.

 

O diretor apoia e incentiva as aulas em grupo, para ele o método é uma realidade e é um sucesso em outros países, como a Venezuela. “Eu sou violinista, e como professor eu devo multiplicar os meus conhecimentos, quanto mais eu multiplicar o que sei, melhor. O âmago da revolta é porque isso tem um forte componente emocional tanto para os alunos quanto para professores”, afirmou.

 

Para Yuri, o diretor não cumpre com suas palavras. “Temos um diretor que não representa os anseios da comunidade escolar. Não cumpriu e não age para cumprir suas promessas de campanha. Fortemente centralizador e autoritário, toma decisões polêmicas e com fortes repercussões pedagógicas, administrativas e financeiras, sem diálogo com a comunidade escolar, em desrespeito aos princípios estabelecidos pela Lei Distrital nº 4.751/2012 (Lei da Gestão Democrática)”, ressaltou.

Outro lado

A Assessoria da Secretaria de Estado da Educação divulgou uma nota proibindo que professores, diretores e funcionários públicos deem entrevistas para a imprensa sem a autorização expressa da Assessoria de Comunicação do Órgão. A ordem, que foi publicada no dia 23 de abril, também proíbe o acesso de jornalistas sem autorização prévia. Segundo a circular, é vedado repassar à imprensa informações, áudios, imagens da Escola, documentos de alunos etc. A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Estado de Educação no dia 22 de abril e os mesmos afirmaram que o diretor Ayrton Pisco seria o representante do Governo para falar sobre o assunto. Mesmo após nota publicada pela SEE a equipe de reportagem teve acesso ás dependências da Escola.

Por Jade Goulart

 

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