Escolha de peças de roupas também representa ato político, avaliam especialistas

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Quando se trata de mulheres em posição de liderança, o visual se transforma em ferramenta de construção de identidade, autoridade e discurso. Em um cenário ainda marcado por desigualdade de gênero, a forma como uma personalidade mulher no meio político se apresenta pode reforçar ou desafiar padrões estabelecidos. A escolha de uma peça, portanto, se transforma em um ato político. 

O estilo de mulheres no meio ultrapassa a estética e se conecta com projetos, valores e posicionamentos ideológicos. Especialistas em moda e ciência política explicam de que forma o estilo pessoal se entrelaça ao discurso institucional e à performance do poder.

No meio político, a roupa feminina é uma forma de posicionamento dentro de espaços predominantemente masculinos. A cor é amplamente usada em campanhas políticas, revelando como a identidade visual pode comunicar posicionamentos.  A escolha de uma cor viva — amarelo, rosa ou laranja —não fala só sobre usar aquilo que a favorece.

“O plenário da Câmara é um mar de azul marinho. O que acontece com quem usa uma cor viva? Você enxerga essa mulher com mais facilidade.”, afirma Deniza Gurgel, consultora de imagem na área política. 

A senadora Damares Alves, por exemplo, durante todo o mês de maio, usou laranja, em referência ao significado de combate ao abuso e exploração sexual infantil, seja em blazer, camisa ou acessório. Não foi uma mudança de partido. Foi um posicionamento de pauta.

Foto: arquivo pessoal

Em um ambiente rodeado por funções legislativas e agendas de deputados, Janaína Scartazzini enxerga no trabalho na Câmara Legislativa uma forma de mostrar como o marketing explica a construção da imagem da mulher política como uma marca. “Tudo comunica, principalmente quando a pessoa está em destaque”, afirma

A especialista em marketing participou de uma campanha política feminina em que a cor escolhida foi o roxo, o que determinou a marca pessoal da candidata. Para muitos, poderia ser apenas a cor preferida da parlamentar, mas é mais do que uma escolha ousada para atrair o público. O roxo carrega um contexto histórico ligado ao movimento sufragista e à luta pelo direito ao voto das mulheres. Como escreve Thais Farage, no livro Mulher, Roupa, Trabalho: “Nada do que vestimos é aleatório, neutro ou puramente pragmático.”

Ternos masculino e feminino

O terno, por si só, é sinônimo de autoridade e respeito. O vestido, através de uma ótica conservadora, é sinônimo de delicadeza e feminilidade. O primeiro, porém, sempre foi masculino. Com avanços ideológicos, as mulheres buscam este traje quando querem transmitir poder. Se esse é o uniforme simbólico da autoridade masculina, qual seria o equivalente feminino? Deniza, consultora de imagem, não hesita: “A alfaiataria virou a armadura da mulher na política. Mas mesmo ela carrega as marcas de uma história feita para os homens.”

Só há 28 anos, o uso de calças por mulheres foi permitido no Senado. Apesar dos avanços, as regras de vestimenta em espaços oficiais ainda são um obstáculo na luta por espaço na política. 

O scarpin, que hoje parece representar elegância e feminilidade, foi criado originalmente para a guerra — para que cavaleiros travassem os pés na cela. Só depois, com a corte francesa, virou símbolo de status e poder. A maior parte dos elementos que hoje conferem autoridade às mulheres foram herdados da estética masculina. “E a mulher teve que moldar seu corpo a isso — ombreiras, terninhos, linhas retas — para serem levadas a sério”, diz Deniza.

Mas o vestido não há de ser destacado e nem minimizado. Linhas retas, cortes triangulares, vestidos mais estruturados — tudo isso transmite poder. Já as curvas e os tecidos fluidos evocam delicadeza e, às vezes, até fragilidade.

Representatividade política

A roupa feminina deixa de ser apenas um detalhe e se torna em uma linguagem poderosa: comunica pertencimento, denuncia desigualdades e abre caminhos para uma representação mais diversa e autêntica nos espaços de decisão.

O uso de elementos culturais por deputadas indígenas, como Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, carrega forte carga simbólica.

“A Célia e a Sônia já usam peças de roupa mais orgânicas, mais fluidas, mais vestido longo, mais estampa, acessórios maiores. Elas vêm para chocar mesmo, para quebrar paradigmas e mostrar: ‘A cultura indígena, cabe dentro desses lugares’”, explica Deniza.

Foto: arquivo pessoal

A deputada Erika Hilton representa outro tipo de presença: moderna e fashionista. “Ela gosta que falem dela. A Erika gosta desse buzz e ela tem também a questão de se posicionar enquanto mulher. Temos que lembrar que ela é uma mulher trans.” 

Em um cenário político marcado por discursos de representatividade e inclusão, a moda também entra em pauta como um reflexo e, ao mesmo tempo, uma ferramenta de transformação social. A assessora legislativa da deputada federal Ivoneide Caetano (PT), Vivian Alves Chagas, de 46 anos, diz que vestuário de figuras públicas levanta debates que vão além. 

“Qual é o viés social da moda na política? Por onde essa roupa passou? Quem foram os trabalhadores por trás dessa peça? Como a moda pode ser inclusiva?” Questionamentos como esses revelam que pensar moda na política não deve se restringir a um determinado padrão ou público, mas, sim, considerar toda a cadeia envolvida, do símbolo ao processo”.

Comunicação

A forma de se vestir também passa a ser um objeto de ação — algo que pode reafirmar ou subverter expectativas sociais. A moda, como espelho do tempo, carrega uma carga simbólica que é inevitavelmente política, e nas figuras públicas femininas, esse simbolismo ganha ainda mais força ao se entrelaçar com os desafios de representatividade.

“Podemos ver como cada estilo comunica ideias, principalmente quando ele foge do esperado. Quando uma mulher escolhe usar uma roupa mais sóbria, ou ao contrário, decide ousar em um ambiente político, isso já passa uma mensagem. A roupa não é neutra, ela fala por si, e isso é ainda mais evidente quando a gente olha para figuras públicas”, relata Vivian.

Estereótipos

O psicólogo Júlio Alves, de 40 anos, trouxe uma perspectiva: diferente dos homens, que costumam usar sempre o mesmo tipo de roupa, as mulheres têm mais liberdade, o que pode ser uma vantagem. A escolha do que vestir pode causar impacto, não só no público, mas também no próprio humor e nas ideias que elas querem passar.

A roupa certa transmite uma mensagem. Ao mesmo tempo, essa liberdade pode virar motivo de crítica. É comum os adversários se aproveitarem disso para diminuir a figura da mulher, e a mídia ajuda a espalhar essa visão. “Como estratégia política, se eu quero atacar um homem, eu costumo ir na eficiência ou na virilidade dele. Mas quando é uma mulher, atacar a competência pode não ter tanto efeito. Então, a tendência é criticar a aparência, incluindo a vestimenta”, disse o psicólogo.

A roupa de uma mulher política impacta o público de formas diferentes, dependendo do olhar de cada indivíduo, mas esse olhar não deveria defini-la. “É muito injusta a forma como enxergam homens e mulheres na política a partir das roupas que usam. Isso dificulta ainda mais a entrada das mulheres nesses espaços de poder”, afirma Janaína. “O ambiente político e a roupa das mulheres parlamentares ainda são alvo de pressão estética e machismo”, completa. 

Por Esther Santos, Geovanna Costa, Giovanna Gimenez, Giulia Moura e Nathaly Ferreira

Supervisão de Isa Stacciarini

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