Especial: história do Cine Drive In tem roteiro de drama, suspense e amor

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Já pensou se sua vida fosse um filme? O que seria passado na telona? A resposta para a proprietária do Cine Drive-In, Marta Fagundes, é fácil. Seria uma história com enredo de muito amor e dedicação ao cinema.

Foto: Agência Brasília

Nem se a vida de Marta fosse roteirizada ela seria tão interessante como é. Assim como no filme italiano Cinema Paradiso (1988), de Giuseppe Tornatore, a história da família de Marta e do Cine Drive-In de Brasília é uma declaração de amor ao cinema. O comprometimento da proprietária com seu público é digno de reconhecimento. “Meu desespero é não conseguir exibir a sessão uma vez que você se compromete com o público”, declara.

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Marta viveu suspenses particulares também quando o roteiro de sua vida teve problemas de continuidade. “Quando a sessão começa, é um alívio estar cumprindo com aquilo que você se comprometeu”.

Quando os carros vão embora, e a luz se apaga, é tempo de já pensar no dia seguinte. “É uma sensação de dever cumprido”. Esta é uma história de mais de quase cinco décadas e de família.

1º ato do Cine Drive-in

Esta é uma história que já atravessa três gerações. O Cine Drive-in nasceu no ano de 1973. Marta Fagundes tinha 15 anos quando ela e o pai, Jair, passaram a administrar o Cine Drive-in. Era um roteiro que só estava começando a ser escrito. … Há outras pessoas envolvidas na trajetória. Uma delas, segundo Marta, é o filho do general João Batista de Oliveira Figueiredo, Renato, o responsável pela construção do cinema a céu aberto da capital.

“Quando meu pai veio transferido do Rio Grande do Sul para Brasília como militar, o general perguntou se alguém poderia ajudar o filho a administrar o Cine Drive-in. Daí ele se ofereceu para ajudar”.

Joana, mãe de Marta, fazia supletivo à noite. O marido dava carona a Joana e depois retornava ao cinema para trabalhar. Nos fins de semana, ele e a filha se encarregavam do espaço e, aos poucos, o cine Drive-in adquiria um novo cenário: o público conhecia cada vez mais a nova telona a céu aberto.

Neste período, Marta foi para o Rio Grande do Sul prestar vestibular. “Quando eu passei, meu pai, por ser militar, facilitou minha transferência para a faculdade. Então, voltei a Brasília para cursar nutrição na UnB (Universidade de Brasília)”.

A filha de Marta, Bruna Zeuner, emociona-se com a trajetória da família. “Eu praticamente nasci e cresci dentro do cinema e houve uma época em que passamos por uma fase muito difícil… de chegar a ter um carro por noite, de oferecermos um ingresso de cortesia para que o cliente pudesse voltar outro dia. Bruna foi para a Austrália estudar e trabalhar. Mas ouviu o chamado da mãe para que voltasse e ajudasse na administração do cinema. E não é só isso. Até hoje, ela cuida até da cozinha do Cine Drive-in.

2º ato – a volta para casa

Em Brasília, Marta foi selecionada para o cargo de gerente de cinema. No início, relutou em aceitar a oferta…
Após 10 anos trabalhando como gerente, o Cine Drive-in encarou uma difícil situação. Em 1988, João Figueiredo, que na época já tinha deixado a presidência da República havia três anos, voltou para o Rio de Janeiro. Isso dificultou a preservação e manutenção do local e deixou a família apreensiva, pois o ex-presidente e o filho Renato tinham capacidade de decidir pelo fechamento do cinema.

A família sentiu medo do cinema chegar a um epílogo antes da hora… Da mesma forma que o lugar poderia ser fechado e perdia associados, também enfrentava o crescimento da indústria do cinema tradicional, com abertura de salas em shoppings, a dificuldade de exibir filmes e ser anunciado pelos veículos de comunicação nos jornais.

“Às vezes, levavam três semanas para conseguirmos exibir um filme. Os anúncios dos jornais eram muito caros e a programação era enviada para algumas empresas que faziam jornais pequenos. Nada era pago porque estava fora do nosso alcance”.

3º ato – o novo projetor

No entanto, foi através das telinhas e telonas que o cinema foi recebendo, aos poucos, mais reconhecimento. Em 2011, o Fantástico exibiu uma reportagem poética feita pelos jornalistas Marcelo Canellas (texto) e Luiz Quilião (imagens), que tornaram o cinema mais celebrado ainda. “Foi um marco para nós essa reportagem de seis minutos no Fantástico. Aí o cinema se destacou e as pessoas souberam da existência do Cine Drive-in”, diz Bruna Zeuner.

Confira a reportagem do Fantástico

 

Em 2014, o cineasta Claudio Moraes produziu o documentário “Cinema sob o céu”, que foi exibido em festivais brasileiros e estrangeiros.

Assista abaixo ao trailer do filme

 

 

Uma novidade surgiu em 2015, quando uma deputada, Luzia de Paula, elaborou um projeto de lei para declarar o Cine Drive in como patrimônio cultural e imaterial da cidade. “Esse projeto de lei se arrastou por mais de dois anos e a gente não conseguia que ele fosse votado. Em 2017, o projeto foi finalmente votado e aprovado”. A decisão significou mais proteção à existência do cinema.


“Eu posso até sair de lá enquanto administro o Cine Drive-in. Pode vir outra empresa, mas o cine drive-in não vai sair de lá. Então, isso pra mim já valeu a vida inteira dedicada a esse cinema”, esclarece Marta.
Marta chegou ao seu novo divisor de águas quando se encontrou obrigada a comprar um novo projetor. Foram três décadas com o projetor antigo, em que era preciso encaixar o filme entre as hastes. Muitas histórias contadas através das nostálgicas películas. A lembrança do primeiro filme no antigo projetor continua fresca na memória da proprietária, “Receita: Violência” (1972), dirigido por Blake Edwards, e que tinha no elenco James Coburn, James Hong e Jenifer O´Neill. As sessões, às 21h.

Desde 2015, o Drive-In se viu obrigado a modernizar para poder seguir existindo. A solução era um projetor digital. “Era um projetor de R$ 300 mil para um cinema que tinha o faturamento mensal de R$ 20 mil”. Elas arriscaram.

Mas seu amor pelo Cine Drive-In parecia ser maior que as complicações. O projeto governamental “Brasil de todas as telas” (de 2017) surgiu como uma forma de esperança para Marta. “Eu entrei nesse projeto com a ajuda de uma empresa onde eu ficaria sete anos pagando o projetor”, declarou.

A demora do projetor, comprado em 2014, para chegar parecia ser uma nova complicação. Com o projetor de película sendo a única opção no momento, foram feitas mudanças no roteiro da história do Drive-In.”Tive até que pegar um filme em Santos para não fechar as portas. Paguei R$ 1,3 mil para a transportadora trazer em um dia para mim, e fiquei três semanas exibindo este filme para salvar a programação”, relatou Marta. O Drive-In vivia mais um drama de cinema.

Em julho de 2015 chegou o novo projetor e assim se iniciou uma nova era no Drive-In de Brasília. No começo de agosto, Marta recebeu uma proposta do diretor Iberê Carvalho para passar seu filme recém lançado. O filme era uma homenagem: “O Último Cine Drive-in”, uma ficção que teve Brasília e o próprio Drive-in como cenários.

Assista ao trailer do filme

Então o novo projetor estreou contando a história que era uma verdadeira carta de amor a tudo que o Drive-in representa. “Aí pra frente o drive-In se tornou um novo cinema, esse projetor foi a salvação”.

No mês de março de 2020, Marta terminou de pagar o projetor. Com o fim de mais um capítulo na história do drive-in, o público pode acompanhar essa série que já foi de suspense, drama, aventura, com uma trilha de romance e amor. É sempre uma novidade que chega aos olhos de quem está de olho na telona. Uma nova temporada, novos começos e desfechos, a cada vez que o cinema se ilumina.

Por Alexandra Carolina e André Luca Cardim

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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