Filme “Grande Sertão”, de Guel Arraes, relê violência brasileira ao homenagear texto atemporal e único de Guimarães Rosa

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O professor Riobaldo (Caio Blat) tenta estimular os alunos em uma escola parcialmente destruída encravada em uma favela gigantesca brasileira. Mas diferentes tecnologias de violência já invadiram esse lugar de um não-país, em um futuro sem promessas ou esperanças.

Confira o trailer

A violência, aliás, está à espreita o tempo inteiro de “Grande Sertão”, longa dirigido por Guel Arraes, que, de forma audaciosa, utiliza o texto de Guimarães Rosa nos diálogos, e mostra o quanto Grande Sertão: Veredas é uma obra da literatura é atemporal, universal e única.

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O filme nacional estreia nesta quinta (6) em todo o País. Ao falar de um futuro possível, de forma violenta e poética, o longa convida a uma releitura do livro e a reflexões que mexem com cada um de nós profudamente.

Nesse mundo absurdo (ainda tratando da ficção distópica), Riobaldo reencontra, na luta para manter sua escola de pé e tentar salvar os seus alunos, um amigo da infância, Diadorim (Luisa Arraes), que faz parte de um bando do “sertão”, que controla o crime. Diadorim, como não é segredo para quem conhece a obra de Rosa, vai se revelar a paixão e o dilema de Riobaldo, que se entende como heterossexual.

Foto: Divulgação

A construção, drama e tragédia que envolvem a história preparam um final arrebatador também para o filme, em uma releitura que pode agradar ou não os amantes da obra. De qualquer forma, não é possível assistir ao filme e ficar indiferente, o que reserva alguns momentos de silêncio e impacto depois que o filme acabar.

No que se refere ao elenco, os protagonistas, na verdade, reveem seus personagens, e tentam explorar com novas tintas. Tanto Blat como Luisa encenaram a obra no teatro também, em uma parceria que demontra domínio do texto complexo e marcado pelos neologismos roseanos.

Outra construção cênica ao encontro dessa dicotomia do futuro-passado é a dos chefes dos bandos, com destacada participação para a frieza de Hermógenes (Eduardo Sterblitch), que tem a mais elaborada utilização de maquiagem e figurino. Outra atenção pode ser dada para a pluralidade de interpretações ao policial Zé Bebelo (o policial, na trama).

Na maquiagem de Eduardo Sterblitch (ao centro), os chifres na cabeça. Foto: Divulgação

O chefe da gangue Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi) teria a exclusividade dos negócios criminosos do Sertão até tudo mudar de uma hora para outra em fatos que vão fazer o público relembrar o noticiário dos nossos dias, incluindo tráfico de drogas, a violência dos milicianos, a população acuada com medo de balas perdidas (e encontradas nos corpos de inocentes).

O filme, ao tratar do Brasil, não pode ser visto como panfletário porque busca referências em uma obra multiangular e complexa, o que já vale a atenção para uma dramaturgia rica, em que os mocinhos e vilões não são identificados com tanta facilidade.

Como fio narrativo, o filme, de forma abandona o amor, marca de uma obra inspiradora. Amores representados de tantas formas que também não deveriam ser vistas na superfície de duas horas de exibição. Mas a tentativa não é vã. E aqui o amor não está emparedado em cenas simplórias. O texto do amor ou da violência é roseano e, quando o filme acaba, aí que começa dentro da gente.

Por Luiz Claudio Ferreira
O repórter assistiu à pré-estreia a convite da Espaço/Z em maio de 2024

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