Músicos criticam distribuição de recursos de direitos autorais; Ecad diz que protege artistas

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As notas que ressoam das caixas de som de bares, palcos, rádios e restaurantes não são apenas melodias, harmonias e ritmos em prol da arte. Esses sons foram produzidos por profissionais que têm efetivos direitos econômicos sobre a composição musical. Isso movimenta dinheiro entre instituições até que finalmente, com muita “burocracia e dificuldade”, segundo artistas entrevistados, chega às mãos dos “donos” das obras. As formas de arrecadação e distribuição de direitos autorais no Brasil são coordenadas pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), entidade privada sem fins lucrativos.

O músico cearense George Durand, que é radicado em Brasília, atua na área há 30 anos e critica a estrutura de trabalho do Ecad. O cantor e violonista afirma que, no início da carreira, a entidade era vista por ele apenas como um órgão arrecadador. Foi após se envolver com a parte de produção musical que Durand começou a entender de fato como eram feitas a arrecadações e distribuição dos direitos autorais. “Passei a ter conhecimento dos trâmites legais de arrecadação, distribuição de direitos autorais”, disse. Ele explica que a forma de distribuição do Ecad é feita em conjunto com as associações de gestão coletiva musical. O valor é arrecadado pelo próprio Ecad que confere as músicas que foram tocadas publicamente e arrecada os valores devidos sobre a execução dessas músicas.

“Na época funcionei como um fiscal e neste caso,  garanti que o trabalho do Ecad que se restringe a captar o que foi veiculado tanto em shows, bares, casas noturnas, rádios, propagandas… fosse de forma efetiva repassado aos devidos detentores da obra veiculada”, explica Durand.

Um dos episódios mais intrigantes na carreira de George Durand que envolvem o Ecad foi, segundo ele, a necessidade de abrir mão da arrecadação sobre sua própria música para que ele pudesse executar sua obra nos shows de seu DVD “Brasileiramente”. “É burocrática o fato de que eu, autor de minhas canções, tenho que para liberar um show, por exemplo, onde pretendo lançar o meu DVD, fazer um documento onde eu abro mão de meus direitos autorais. Este documento é apresentado ao Ecad e, aí sim, estou apto a realizar o meu show, com minhas músicas sem ter que pagar para cantá-las.”, lamenta. Ele lamentou ter recebido apenas R$ 9 referentes a todo o primeiro trimestre deste ano.

Durand relembra a época em que mais recebeu dinheiro através de direitos autorais. Ele fala que chegou a receber R$ 3,7 mil, porém que só teve acesso a esse dinheiro, pois agiu como “fiscal” e rastreou o bar em que eram tocadas as suas músicas. Dessa forma, junto ao Associação de Músicos Arranjadores e Regentes (Amar), conseguiu efetivar o pagamento e recebimento da arrecadação sobre sua obra.

Hoje, o músico diz receber “migalhas” devido às suas composições que são tocadas em rádios. Durand acrescenta que não é saudável apenas criticar o Ecad, e lembra que o ideal é que os músicas e a sociedade se juntem para melhorar os problemas hoje existentes no sistema de arrecadação e distribuição de direitos autorais do Brasil. “Seria injusto querer banir o Ecad da cadeia musical produtiva . Na realidade temos que trabalhar para torná-lo eficiente e justo. A forma de cobrança e distribuição não é clara aos profissionais e nem tão pouco com a população”, disse.
Segundo o conselheiro da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB) Lourinrooseveld Alves Pedrosa, de 67 anos, a entidade não teria responsabilidade por questionar as atividades do Ecad. Embora a OMB possa funcionar como distribuidor de direitos autorais de acordo com a constituição, eles optaram por não atuar dessa forma ao alegar que seria uma confusão maior para se resolver os problemas dos direitos autorais no Brasil.

“Os pequenos músicos ficam excluídos”, informa Lourinrooseveld Pedrosa.

Pedrosa afirma que o Ecad sempre se preocupou muito em arrecadar e pouco em distribuir. Segundo o músico, os maiores beneficiados pelos direitos autorais no Brasil são os grandes artistas como Roberto Carlos, Chico Buarque, dentre outros. “Interesse dos grandes artistas é que faz prevalecer”, critica. Sobre a interpretação da lei, o especialista em direito autoral e vocalista da banda “O Tarot” Caio Chaim esclarece que os direitos da música são divididos em direitos de autor e direitos conexos. Direitos de autor (⅔) são separados entre os autores compositores da harmonia e o letrista. Os direitos conexos são os direitos relacionados à todas as outras pessoas que participaram do processo de gravação, é aqui cabem as editoras e gravadoras.

“O ISRC é o CPF da música. O produtor fonográfico seria o cara que vai tirar o CPF da música”, explica Caio Chaim.

“O produtor fonográfico não é necessariamente o produtor musical”. Segundo Chaim, qualquer pessoa que tira o Código Internacional de Normatização de Gravações (ISRC) da música pode ser o produtor fonográfico. Para se tornar apto a fazer esse tipo de registro, é necessário se vincular a alguma associação ligada ao Ecad que libere essa condição ao competente.

Para ele, não há como fugir da burocracia dos direitos autorais e do Ecad. Segundo o especialista, é totalmente desvantajoso não estar vinculado ao Ecad. “É como se o músico continuasse numa perspectiva amadora, fora da indústria”, acrescenta.

Ecad defende processo

O Ecad respondeu que é uma “importante vitória na Justiça” o entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça) este ano sobre o pagamento de tributos em reproduções públicas de aplicativos de streaming. Sob os valores arrecados e distribuídos pela empresa, o Ecad disse ter entregue R$ 841,8 milhões a 221.386 mil artistas no ano passado. “O Ecad não ‘dá assistência’ a nenhum artista, mas luta para garantir, junto aos usuários de música e toda a sociedade, o reconhecimento do direito”, relatou a assessoria. A entidade refutou qualquer acusação de irregularidades, conforme os desfechos das duas CPIs por quais passou e salientou que qualquer artista beneficiado pelo trabalho da instituição pode atestar o trabalho da empresa por meio de suas respectivas associações.

Polêmicas do Ecad

O debate entre artistas e as associações protetoras de direitos autorais foi ao âmbito jurídico no ano de 2011. Processos encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça revelam o desejo dos artistas que são associados ao ECAD em ter acesso maior às informações da empresa. Na época, Lulu Santos pediu à justiça a investigação dos métodos utilizados pela instituição na arrecadação das cobranças de retribuição autoral e como era distribuído o valor arrecadado entre o setor cultural.

Em 2011, o ECAD contava com 25 unidades, com sede no Rio de Janeiro, 780 funcionários, 45 advogados prestadores de serviço e 130 agências autônomas instaladas em todos os estados da federação. A principal queixa é a posição mandatária da sociedade civil filantrópica, de natureza privada, na defesa judicial e extrajudicial de seus associados. Conforme o artigo 99 da lei de direitos autorais vigente na época “as associações manterão um único escritório central para arrecadação e distribuição […]”. Sendo assim, o artigo anterior, nº 98, concedia às associações que gerem a empresa estipular o preço cobrado pela reprodução fonográfica, bem como estabelece as regras de cobrança da contraprestação autoral. O valor arrecadado dos usuários de música era repassado ao titulares de direitos autorais e conexos, após desconto de 17%, para o ECAD e 7,5% para as associações, a fim de suprir os custos operacionais das instituições.

A acusação tratada nas comissões parlamentares foi fundamentada com base na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, e tratava da possível corrupção no ECAD. Práticas de arrecadação imprópria pelos funcionários da empresa e conexos. A denúncia reverberou na câmara dos deputados. Ainda em 2011, foi aberta uma segunda CPI do ECAD, 16 anos após a primeira comissão parlamentar de inquérito sobre o assunto que aconteceu em 1995. As acusações tratadas na comissão eram contumazes, falsidade ideológica, sonegação fiscal, falsificação indébita, enriquecimento ilícito, formação de quadrilha, formação de cartel e abuso de poder econômico. Passaram por análise dos deputados e interessados no tema dentro da câmara legislativa. Nenhuma denúncia foi comprovada pelas investigações realizadas e o ECAD se pronunciou favoravelmente a atualização dos regimentos da empresa para melhor atender às necessidades dos artistas.

Em 2013, uma nova legislação foi redigida. A lei 12.853, de 14 de agosto daquele ano, sancionada pela presidente Dilma Rousseff, quando Marta Suplicy ocupava o cargo de ministra de Cultura. O artigo 99, da Lei de Direitos Autorais, que fundamenta legalmente a empresa foi atualizado. Discriminando uma nova alíquota nas taxas que ficam retidas no ECAD. O inciso quarto do novo texto prevê a manutenção das cifras repassadas ao detentores do direito sobre a obra em 2,5% ao ano. Até que em 4 anos, o montante não seja inferior a 85% do valor arrecadado pela empresa. O repasse imediato anual dos valores não pode ser inferior a 22,5% no primeiro ano de arrecadação a partir da vigência da Lei. A legislação manteve a possibilidade de fiscalização entres os entes arrecadadores, sendo vedado aos fiscais o recebimento de qualquer valor a qualquer título.

A arrecadação total da empresa no ano de 2016 foi de R$ 1.043.216.781,00. A distribuição para os associados, também no ano de 2016, foi de R$ 841.872.627,89 (80,69% do valor arrecadado). No ano de 2015, 75,14% foi repassado ao associados. Em 2014, 74,01%. Em 2013, 67,57%. Em 2012, 75,27%. Nos quatro últimos anos, 74,26% do valor arrecadado foram repassados aos associados. Os valores estão disponíveis no endereço eletrônico da empresa.

Plataformas digitais e a geração de renda

No início do ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que serviços de streaming como “spotify” e “dezzer” devem pagar direitos autorais para o Ecad. A decisão foi tomada a partir do argumento de que o serviço virtual é aberto a qualquer pessoa, e por isso deveria ser considerado execução pública.

Na página de política de direitos autorais do “Spotify”, a empresa disponibiliza uma plataforma de formulário eletrônico para a reivindicação de supostos direitos autorais de músicas que não estejam sendo entregues aos donos das obras. O tratamento que a plataforma digital dá aos direitos autorais é regida pela Lei dos Direitos Autorais do Milênio Digital (Digital Millennium Copyright Act, DMCA), cláusula 17 do Código dos Estados Unidos, § 512(c)(3).

Para a “marqueteira” e CEO da empresa “Geração Y”, de marketing musical, Priscilla Rocha, o mercado das plataformas digitais como “Dezzer” e “Spotify” é uma área nova que está surgindo e que traz novidades para os músicos e para os profissionais de marketing envolvidos na área. Ela explica que nesse meio, a renda vai ser gerada a partir do tamanho do público que o artista agregar em suas redes digitais. “Desde o lançamento das plataformas muita coisa foi mudada e acredito que ainda teremos boas novidades. Elas podem tornar de médio a longo prazo uma receita legal para as bandas que conseguem agregar em público e terem conteúdo recorrente”, explica.

“Hoje as plataformas acabam sendo uma das estratégias que é imprescindível dentro do direcionamento de marketing de qualquer músico, se não estiver, as coisas estão indo para um caminho complicado”, informa Priscilla Rocha.

Segundo Priscilla Rocha, o acesso a essas plataformas é extremamente democrático, o que, por um lado, é bom para que todos os músicos possam ter acesso à essas ferramentas de distribuição, porém ruim já que torna esse mercado muito “populoso” e com muita concorrência, sendo necessário estratégias para que o artista se destaque perante aos outros.

As estratégias para o profissional que vive de música levantar dinheiro com o espaço digital vai variar do estágio em que o grupo musical ou o artista se encontra. Ou seja, para um músico que já tem repercussão, lançamentos de conteúdos exclusivos em meios democráticos e online são opções que tem funcionado, já quando o artista é pequeno e está ingressando em sua carreira, o ideal é trabalhar com lançamentos que possam agregar público e fazer crescer a base de fãs. A estratégia comum entre grandes e pequenos artistas é estar lançando conteúdo de forma periódica nas redes virtuais. “ Em resumo independente do tipo e quantidade de público, um trabalho com lançamento recorrentes, links patrocinados direcionando público para essas plataformas trará um retorno maior”

Por Bruno Santa Rita e Cezar Augusto

*Sob supervisão de Vivaldo Sousa e Luiz Claudio Ferreira

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