Opinião: filme Superman expõe dilemas diários do jornalismo

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Entre recentes adaptações cinematográficas e literárias, o super-herói originário: Superman, parece ter o que falar sobre o estado do jornalismo global.

Em meio ao lançamento do filme Superman (2025), e do quadrinho Absolute Superman (2024 – atual), o tema do jornalismo vem tomando cada vez mais espaço na identidade atual do Super Homem. O seu alterego, Clark Kent, é repórter desde a primeira aparição do personagem em 1938, mas observa-se que, em 2025, a crise da mídia tradicional vem alterando o foco narrativo das histórias do primeiro super-herói. 

O novo filme incorpora bem o dilema de um jornalismo estadunidense em crise, que passa por um “retrocesso significativo”, como define o relatório mais recente do Reporters sans frontières (RSF). Enquanto isso, o quadrinho do Superman “Absoluto” tenta apontar a crise na profissão jornalística, que sofre em meio às catástrofes climáticas e riscos de automatização com inteligência artificial.

Superman (2025)

Superman (2025) é o novo épico surrealista do infame James Gunn, e estabelece o retorno do espírito clássico do personagem, confira a crítica da Agência de Notícias do CEUB por meio do link.

A nova versão de Superman chega em momento oportuno dos Estados Unidos, o país, em crise política, e além dos aspectos narrativos do longa-metragem, o Superhomem segue cumprindo seu papel histórico de avatar da América. Mas desta vez, o herói incorpora a rebeldia que é fazer o bem em um mundo polarizado.

Em uma entrevista para a revista Superinteressante, Gunn aponta seu objetivo de adaptar o herói como um símbolo de pureza, servindo de contraste para o mundo real, que na visão do diretor, passa por um cenário de corrompimento: “O traço mais cativante é o fato de que ele está sempre presente no momento atual e sempre querendo fazer a coisa certa”

A proposta de James Gunn de retratar um Superman mais “clássico”, com cueca em cima da calça e um sorriso no rosto, se encaixa bem com a filmografia do diretor. Conhecido por Guardiões da Galáxia, é mestre em incorporar elementos de humor, absurdismo e cultura popular nas produções.

No entanto, Superman (2025) difere de outros filmes de Gunn, o longa é mais “camp” do que o resto, abraçando um absurdismo que não se limita ao humorístico. O cineasta, por sua vez, decide abordar temas que dialogam diretamente com o cenário sociopolítico americano, principalmente por meio da personagem de Louis Lane (a mocinha do filme), que assume sua identidade como jornalista investigativa.

Manchete

A atriz Rachel Brosnahan, que dá vida à jornalista fictícia, já deixou bem claro em diversas entrevistas o seu apreço pela profissão investigativa, e enxerga sua personagem como uma retratação contemporânea da profissão, que sofre com um Estados Unidos em crise: 

“Trago uma perspectiva de louvor pelo trabalho realizado por jornalistas. Particularmente, nos tópicos que envolvem ética e integridade jornalística. Isso é importante neste filme e acho que, talvez essas questões sejam agora mais fortes do que nunca, na contemporaneidade”, contou a atriz para o Correio Braziliense.

E de fato, Brosnahan está correta quanto à relevância da discussão sobre o jornalismo contemporâneo. Os números de liberdade de imprensa assustam; 542 jornalistas estão detidos, 54 estão sendo mantidos como reféns, 99 desaparecidos e, de 1° de janeiro a 10 de julho (lançamento do filme), 19 jornalistas foram assassinados, segundos os dados da Ong Reporters sans frontières (RSF).

Declínio Estadunidense

O principal dado da RSF, que explica a preocupação da produção cultural estadunidense quanto ao cenário jornalístico, é o ranking global de liberdade de imprensa. No ano de 2025 os Estados Unidos caíram do 55° colocado na lista, para o 57°, isso após perder 10 posições no ano de 2024. 

O relatório da ong aponta que os Estados Unidos perderam pontos em quase todos os indicadores de liberdade de imprensa, e caiu no ranking nos aspectos político, econômico, legislativo e social. O único parâmetro medido que viu melhora foi a segurança, que foi de 91 a 118 pontos.

“Após um século de avanços graduais na liberdade de imprensa nos Estados Unidos, o país passa por um retrocesso significativo, agravado com a chegada de Donald Trump ao poder para um segundo mandato”, explica o relatório

Caos na mídia

“Mídia de notícias tradicional perdendo influência – Estados Unidos nos holofotes”, anuncia o relatório de notícias digitais de 2025, do Instituto Reuters para o estudo do jornalismo. Sediado no Reino Unido, o instituto aponta uma mudança de hábitos de consumo de notícias dos americanos, e expressa preocupação.

A Reuters argumenta que, em momentos de insegurança política, mudança de alianças geopolíticas, crise clima e conflitos armados pelo mundo, o jornalismo analítico baseado em evidências deveria estar “nadando de braçadas”. Mas a apuração revela o oposto: “A mídia tradicional está com dificuldades de engajamento com o público, baixa confiança e estagnação de assinaturas de jornais digitais”. 

O relatório da Reuters confirma o processo de digitalização das notícias, e explica que a campanha de Trump 2, diferente da primeira, que recebeu apoio da grande mídia, foi feita por meio de aparições do presidente no ecossistema da mídia alternativa, que engloba podcasters e youtubers. Confira o resumo executivo do relatório aqui.

De acordo com a pesquisa, as redes sociais e plataformas de vídeos se tornaram a forma mais popular de acessar notícias nos EUA. Dos entrevistados, 54% utilizaram as plataformas digitais para se informarem, enquanto 50% viram notícias na TV e 48% em sites de jornais. 

Personalização da mídia

O relatório da Reuters também aponta o processo de personalização da mídia, que estuda a maneira que os entrevistados se informam. “Durante a recente eleição dos EUA, ambos candidatos presidenciais deram entrevistas para personalidades e criadores, que operam via Youtube e X”, confirma o instituto.

“Um quinto (22%) dos entrevistados do nosso estudo relataram ter visto o podcaster e comediante Joe Rogan discutindo ou comentando notícias na semana anterior”, levanta o relatório. E, apesar de 47% dos entrevistados acreditarem que personalidades digitais são uma grande ameaça de desinformação, 32% não acreditam nas informações relatadas por jornalistas.

Rogan é colocado como o grande símbolo dessa mudança da forma de buscar informação, além de tudo, o podcaster tem o público imensamente masculino e jovem, os “nativos digitais”, que estão corroborando enormemente para a mudança de hábitos observados pela pesquisa.

Lex Luthor da vida real?

A figura de Rogan se mistura a muito tempo com outras personalidades polêmicas: Elon Musk, Donald Trump, Ben Shapiro, entre outros ícones da extrema-direita americana. O “Joe Rogan Experience”, podcast do comediante, foi criado em 2009 e, desde então, já criou um exército de fãs, infamemente conhecidos pelo interesse por drogas psicodélicas, teorias da conspiração, alienígenas e tecnologia especulativa.

Psicodelia que também pode ser observada em Superman (2025), que conta com robôs, monstros gigantes, alienígenas, e o vilão Lex Luthor (o qual por acaso é careca, na imagem de Rogan), que opera como um bilionário malígno, e detesta a ameaça de um super-humano.

Nicholas Hoult, o ator que dá vida ao super-vilão clássico do personagem, quando questionado pela equipe da Superinteressante, responde que não se inspirou em nenhuma figura específica para o papel, mas que vê semelhanças nas atitudes de um bilionário específico: 

“Uma das coisas, entre muitas, que eu li , foi a biografia do Elon Musk. Isso não quer dizer que baseei o personagem nele de forma alguma, mas eu acho que há algo no progresso que o Elon está impulsionando que pode ser semelhante ao que Lex está tentando na história”, conta Hoult. 

Retratação do jornalismo em Hollywood

Mesmo dando paralelos para pensar nas dificuldades do dia a dia jornalístico, Superman (2025) se assimila a outras produções cinematográficas americanas ao pensar sobre a mídia. No geral, o jornalismo aparece nas telonas para representar a opinião pública na narrativa, geralmente em forma de reportagens unilaterais e sem apuração correta.

E esse efeito cinematográfico não é à toa, de fato, a produção do noticiário vêm se tornando cada vez mais carente de conteúdo, e muitas vezes se aliam às narrativas empresariais, como é visto em Superman (2025), que mostra que na maior parte do filme, a televisão é aliada de Lex Luthor.

Decisões apressadas, falta de investigação séria, e até propagação de fake news são atividades rotineiras de algumas publicações jornalísticas. Enquanto isso, o jornalismo produzido de maneira correta perde sua reputação, em meio aos veículos que não cumprem o papel de retratar a realidade.

Paralelos Absolutos

Não é só no cinema que o Superhomem vem dialogando com a profissão jornalística, a sua mais recente adaptação para as histórias em quadrinhos, Absolute Superman (2024 – atual) retrata uma versão alternativa do herói, que luta contra mega-corporações. Na história, o planeta (Krypton) natal do protagonista foi destruído em uma catástrofe climática; acidente que interrompeu a vocação do super-herói de se tornar um repórter investigativo.

A primeira edição do Superman Absoluto foi a terceira hq mais vendida em 2024 nos EUA, e mostra logo de cara o super herói defendendo mineradores explorados no Brasil. Ao longo da história também vemos os problemas enfrentados pelo herói durante sua infância, já que no seu planeta natal, Kal-El (nome de batismo do Super Homem) fazia parte de uma casta de trabalhadores rurais.

Kal-El desde criança já gostava de contrariar o sistema de ensino de Krypton, e quando tinha que fazer uma redação, preferia usar suas próprias palavras, ao invés do ……. (algoritmo que parece uma IA generativa da vida real). Ainda criança o Superman teve que fugir de seu planeta, que estava em processo de destruição, pela exploração excessiva de recursos naturais por parte da casta predominante de Krypton.

A última tarefa de Kal-El antes de fugir para terra foi de invadir os arquivos do governo de seu planeta, e expor a toda a população que seus governantes tinham conhecimento da crise climática à muito tempo, e planejavam uma evacuação da elite, para escapar do planeta que seria destruído.

Desafios da profissão

No projeto “O Jornalismo no Brasil em 2025”, realizado pela newsletter Farol Jornalismo, em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), jornalistas e pesquisadores brasileiros têm a oportunidade de refletir sobre o futuro da categoria, e transformar o noticiário de forma eficaz. 

Dentre os temas discutidos pelos colaboradores estão: desastres climáticos, relações com big techs, uso de inteligência artificial, dentre outras problemáticas que tiram o sono de jornalistas brasileiros.

A luta atual da categoria é curiosamente similar à do super-jornalista Kal-El, e a partir dos textos podemos observar os paralelos entre o destino do planeta Krypton e do planeta Terra. 

No artigo de introdução do projeto, Moreno Cruz Osório aponta os principais dilemas do jornalismo brasileiro para o ano de 2025, e a necessidade de aprofundar a cobertura sobre mudanças climáticas. O jornalista destaca a importância de fugir da reportagem impessoal, de acordo com Osório, para fazer uma cobertura precisa das tragédias climáticas é necessário apurar como o cotidiano da população é afetado.

Osório também destaca a urgência do uso da IA, e comenta que, além do medo de ser substituído pelas novas tecnologias, o jornalista tem o dever de aprender como utilizar a ferramenta para uma cobertura mais eficaz: “O jornalismo que prioriza a humanidade também precisa pautar as discussões a respeito da inteligência artificial”, defende o autor.

Confira os textos do projeto por meio do link.

Por Arthur Maldaner

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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A Agência de Notícias é um projeto de extensão do curso de Jornalismo com atuação diária de estudantes no desenvolvimento de textos, fotografias, áudio e vídeos com a supervisão de professores dos cursos de comunicação

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