A história se passa em 1977 e é descrito como uma época em que o Brasil “era um país cheio de pirraça”.
Após o sucesso no exterior do cinema brasileiro em 2024 com “Ainda estou aqui”, as telonas nacionais ganham um novo concorrente para o Oscar com “O Agente Secreto” estrelado por Wagner Moura (Tropa de Elite) e dirigido por Kleber Mendonça Filho (Bacurau) no dia 6 de novembro.
Wagner e Kleber foram vencedores do prêmio de melhor ator e melhor diretor no renomado festival de Cannes, marco histórico para o cinema brasileiro.

O longa acompanha Marcelo (Wagner), um homem misterioso que se muda para Recife para fugir de seu passado, porém, logo percebe que a cidade pode não ser o refúgio que esperava.
Confira o trailer de “O Agente Secreto”
Direção em destaque
Em destaque, Kleber Mendonça Filho apresenta uma direção e um roteiro experiente e se prova como conhecedor da sétima arte.
Sua filmagem por muitas vezes lembra diretores como Brian de Palma (Um tiro na noite, Scarface) porém com um toque original e exagerado.
Neste longa, Kleber tem a intenção de levar seu telespectador junto do personagem, a história começa com uma viagem pela rodoviária e assim ele traz sua audiência para vivenciar esta história ao lado de Marcelo.
É uma sensação de proximidade que cria expectativa: você está presente, acompanha cada movimento, sente cada pausa.
Porém, ao mesmo tempo, Kleber Mendonça constrói a narrativa de modo a manter uma distância do que realmente está acontecendo.
Apesar de estar junto, de participar da viagem, o público não compreende a totalidade da situação: não sabe exatamente de quem Marcelo está fugindo, quais são suas motivações mais íntimas, nem mesmo aonde ele quer chegar.
Essa escolha narrativa gera uma tensão constante.
Ao mesmo tempo que o espectador se sente inserido na ação, há uma sensação de deslocamento, como se estivesse em uma história parcialmente codificada.
Cada olhar de Marcelo, cada pequena reação, passa a carregar múltiplos significados, mas você só vai compreendê-los completamente quando o filme alcançar seu desfecho.
É uma experiência de dualidade: a imersão que envolve o público, e a frustração deliberada de não ter todas as respostas.
Kleber utiliza esse mecanismo para reforçar a perspectiva do próprio personagem.
O espectador, como qualquer outra pessoa ao redor de Marcelo dentro da história, permanece observador de algo que está acontecendo parcialmente, sem acesso a informações essenciais.
Essa estratégia faz com que a experiência do filme seja mais sensorial e menos explicativa. Você sente a urgência, a paranoia, os deslocamentos, mas a clareza completa só surge ao final, quando todas as peças se encaixam.
Essa dissociação entre presença e compreensão também intensifica o efeito de surpresa e o impacto emocional das cenas finais.
Ao mesmo tempo em que se estabelece uma proximidade quase íntima, Kleber mantém a narrativa envolta em mistério, provocando uma tensão que se prolonga do início ao fim.
É uma construção que exige atenção e entrega, mas que, ao final, recompensa o espectador com a percepção de que cada detalhe observado durante a viagem estava carregado de significado.
O longa é uma homenagem à cultura brasileira, às músicas e às festas e expõe diversos problemas sociais vividos na época, descrita mais de uma vez no filme como “cheia de pirraça”, como a corrupção policial, falta de apoio do Estado e estrutura precária para proteção pública.
Aqui vemos a ideia de justiça sendo abordada, porém, justiça para quem? Como os detentores do poder na sociedade definem o que é a justiça e quem realmente merece ela?
Esses questionamentos criam a base do roteiro de Kleber e, Wagner traz essa injustiça junto de seu personagem, espelhando diversas das injustiças deste tempo.
Tudo isso em um contexto fictício, ajuda a colaborar para o espectador sentir a veracidade desta história, mesmo que não tenha de fato ocorrido.
Músicas que conversam com a cena
Além de sua técnica de filmagem que justifica a premiação no evento de Cannes, outras técnicas complementam a sensação de imersão, com destaque para a trilha sonora.
As músicas, escolhidas com precisão, têm papel fundamental na narrativa.
Em vários momentos, Kleber utiliza canções que, à primeira vista, carregam apenas um sentido estético, mas que no filme são ressignificadas.
O contraste entre a familiaridade dessas músicas e a tensão das cenas cria um efeito de desconforto que aumenta a imersão do espectador.
Em outras passagens, a trilha acompanha o fluxo emocional dos personagens, ora suavizando o ambiente com leveza, ora reforçando a ameaça que se aproxima de Marcelo.
Essa alternância não é gratuita: ela faz parte do modo como o diretor conduz o público por diferentes atmosferas dentro da mesma história, sem permitir que se instale uma zona de conforto.
Atuação
A força do filme, no entanto, está também em sua atuação central. Wagner Moura, em Marcelo, é colocado como eixo da narrativa.
Seu desempenho não se limita a diálogos ou gestos, mas se constrói no silêncio, no olhar e na maneira como reage ao ambiente.
O personagem carrega uma tensão interna que nunca é totalmente revelada, e essa ambiguidade sustenta a trama.
Moura traduz a complexidade de alguém que tenta se esconder, mas que inevitavelmente atrai olhares, criando uma presença que o espectador acompanha sem nunca ter plena certeza de suas intenções.
Ainda que a narrativa seja claramente construída ao redor dele, os coadjuvantes não se tornam figurantes.
Cada personagem que cruza o caminho de Marcelo contribui para ampliar a leitura social que Kleber Mendonça costuma inserir em seus filmes.
O caso mais marcante é Dona Sebastiana (Tânia Maria), cuja interpretação reforça o realismo da obra.
A personagem parece familiar, como alguém que qualquer espectador brasileiro poderia reconhecer em sua própria vida.
Essa identificação confere credibilidade ao enredo e traz um contraponto de humanidade ao mistério de Marcelo.
O carisma da personagem não surge como alívio cômico, mas como um retrato cotidiano que contrasta com o clima de perseguição e incerteza.
A combinação entre Wagner Moura e o elenco de apoio evidencia como o filme não se apoia apenas na estrela principal.
Há uma dinâmica coletiva que sustenta a narrativa, permitindo que até os papéis menores tenham função dramática dentro da obra.
Essa estratégia reforça a ideia de que “O agente secreto” não é um exercício de vaidade artística, mas um trabalho de conjunto que busca consistência em todos os níveis.
Roteiro inovador
Outro aspecto que tem chamado atenção da crítica internacional é o roteiro. Embora ambientado em 1977, em plena ditadura militar, não se trata de um relato histórico direto.
A história é original, não baseada em fatos reais, e justamente por isso se destaca entre os filmes de época.
Kleber constrói uma ficção que parte de um contexto reconhecível, mas que se expande em uma trama de perseguição, exílio e sobrevivência.
Essa inventividade tem sido apontada por veículos como a Variety como um dos fatores que podem levar o longa a ser candidato ao Oscar de melhor roteiro original.
O enredo equilibra elementos de suspense e momentos de humor, sempre em constante movimento.
A habilidade de Kleber em alterar o tom da narrativa de maneira quase imperceptível surpreende o público e cria choques calculados.
O resultado é uma experiência que evita linearidade e faz com que cada cena carregue a possibilidade de ruptura.
Leia mais sobre o filme: “O Agente Secreto” tem exibição no festival de Brasília, mas estreia oficial será em novembro
Ficha Técnica
Título Original: O Agente Secreto
Direção: Kleber Mendonça Filho
Roteiro: Kleber Mendonça Filho
Elenco: Wagner Moura, Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone
Gênero: Drama
Duração: 2h38
Classificação Indicativa: 16 anos
Por Caio Aquino
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira