As primeiras notas, os sons iniciais, as músicas que deram um ritmo de começo… Professoras com mais de uma década de experiência profissional e que, hoje, lecionam na Escola de Música de Brasília garantem que foi na infância que tudo começou. Além disso, o estímulo de pessoas inspiradoras fez toda a diferença.
Uma delas é a professora em musicalização Patrícia Tavares, de 53 anos, que é regente formada pela Universidade de Brasília (UnB). Ela brinca que a música entrou na sua vida desde quando ainda estava na barriga da mãe.
De acordo com ela, a trajetória na música iniciou desde de cedo ao ingressar aos seis anos de idade na Escola de Música de Brasília, onde se formou. Atualmente, ela dedica seus dias à introdução de crianças a esse universo.
Núcleo de Piano da Escola de Música de Brasília / Crédito: Maria Paula Valtudes
Paixões
Por recomendação de uma professora, Patrícia revela que começou a dar aulas de canto lírico aos dezenove anos. Apesar do nervosismo inicial em lecionar, afirma que se apaixonou desde a primeira aula. “Eu falei: ‘é isso’”.
No Rio de Janeiro, há 45 anos, uma história similar se registra. Também, aos seis anos de idade, Christiane Assano, foi introduzida a pedido próprio aos estudos musicais. “Tinha uma professora [de piano] muito amorosa”. Ela acredita que isso se refletiu no seu aprendizado.
Atualmente, aos 51 anos, a professora e doutora em etnomusicologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), trabalha na área de correpetição e leciona alunos que buscam profissionalização no piano erudito. Contudo, a admiração pelo exercício de educadora advém desde a infância – época na qual brincava de dar aulas para seus vizinhos.
Para a goiana e mestra em harpa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cláudia Helena, de 52 anos, a decisão de ensinar também foi algo que desde sempre sabia ser sua vocação. Nascida no meio musical, sua mãe, uma pianista aposentada, fez parte do corpo docente da EMB como correpetidora e coordenadora do núcleo de piano.
Como descreve, seguir o rumo musical foi algo “natural” por vez que acompanha de perto a jornada profissional de sua mãe em seu dia a dia nos arredores da Escola de Música.
Aos doze anos, assim que começou seus estudos de harpa, ela ainda não se sentia apta. “Mas já estava tentando ensinar os meus colegas.”
Adversidades
As professoras dizem que a escolha profissional chegou a surpreender pessoas mais próximas. Patrícia Tavares, por exemplo, disse que o pai teve uma reação pragmática. “Ele falou: ‘minha filha, eu te coloquei na aula de música não para seguir carreira, mas para a sua formação’ ”.
Na concepção de Christiane, “viver de música é muito difícil. […] Acredito que muitos colegas não tenham pensado em dar aula, e acabaram dando aula, porque realmente no nosso país não há essa opção muito farta de viver tocando.”
Além das adversidades relacionadas ao cotidiano de educadores e a desvalorização da arte, estereótipos de gênero ainda são desafios observados por essas profissionais.
Se por um lado a profissão de magistério é majoritariamente feminina, sendo o núcleo de piano da EMB composto por cerca de quatro homens e quinze mulheres, historicamente as mulheres na música já tiveram papeis coadjuvantes.
Fenômeno
“Pianolatria”, termo utilizado pelo musicólogo Mário de Andrade, como explica Christiane Assano, se dá ao fenômeno no início do século 20 no qual as mulheres de família nobre eram “exigidas” a aprenderem piano como parte de seus caráteres.
Ainda que requeridas a tocarem instrumentos musicais, estas damas, no entanto, não poderiam possuir crédito sobre suas composições, como foi com a peça “Chopsticks” (ou “O Bife”), popularmente conhecida pelos brasileiros como a música do danoninho, cuja compositora britânica, Euphemia Allen, foi forçada a utilizar um pseudônimo masculino para publicação.
Estão errados aqueles que acreditam que os estereótipos de gênero ligados aos instrumentos também não se aplicam aos homens. A professora Cláudia aponta que, em quase 30 anos de carreira, teve apenas quatro alunos homens.
Ela observa que, dentro da música, ainda há a distinção de instrumentos tidos como “masculinos” ou “femininos” e “os próprios alunos evitam alguns tipos de instrumento pensando nisso”. Assim, a harpa, mesmo sendo um instrumento que requer extrema força física para ser transportada, é majoritariamente tocada por mulheres.
“Instrumento não tem gênero. Basta ter força mental e física para tocar qualquer um”.
– Cláudia Helena, mestra em harpa pela UFRJ e professora da Escola de Música e Brasília
Na sociedade brasileira, uma compositora pioneira na quebra de barreiras contra preconceitos sexistas na música foi a Chiquinha Gonzaga, cujas músicas continuam a abrir alas e inspirar musicistas a correrem atrás de suas aspirações.
Para Cláudia, a falta de professores de harpa tanto em Goiana quanto em Brasília ao invés de desmotivá-la no início de sua trajetória apenas a impulsionou em 2016, juntamente com a professora Maria Christina Carvalho, a fundar a coordenação de harpa, até então inexistente, no instituto de música.
Protagonismo
Como menciona o coordenador do núcleo de piano erudito, Edvalson Itaparica, dentre os profissionais com quem trabalha: “Quem mais tem pós-graduação são as mulheres”.
As professoras da EMB têm se destacado no protagonismo da docência musical e, como considera Patrícia, são bastante respeitadas por seus colegas.
”Nós somos atores que fazemos música ao invés de falarmos. É uma forma de expressão!” – Cláudia Helena, professora de harpa / Crédito: Maria Paula Valtudes
Por Maria Paula Valtudes
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira