A dona de casa Maria de Nazaré Almeida de 50 anos, transformou o próprio lar, uma casa simples feita de madeira, na comunidade de Santa Luzia na Cidade Estrutural (a localidade mais carente do Distrito Federal), em uma creche para cuidar de crianças de um ano e meio até oito anos de idade. “Fala comigo daqui a pouco que agora eu vou dar leite para as crianças, tá?”. Esse foi o primeiro contato da reportagem da Agência de notícias UniCEUB com ela. Mãe de dois filhos, um casado e outro de 20 anos, Nazaré ainda tem três netos. Mesmo depois de ter seus filhos criados, hoje a moça é como uma mãe para as crianças da comunidade. Ela toma conta normalmente de 25 crianças que ficam direto no local para que as mães possam trabalhar desde as 8 horas da manhã até o final de tarde quando vêm buscar. A creche se mantém a partir de doações e Nazaré não cobra nada para cuidar delas.
Assista a depoimento da mãe da Estrutural
No lixo
A iniciativa se deu depois que viu as crianças no lixo procurando alimento perto de casa, então resolveu dar comida para eles e depois disso começou a parecer cada vez mais criança para ela cuidar. A garotada brinca, pinta, vai ao barquinho, toma café, almoça e merenda.
Os pais dela não puderam colocá-la na escola e, quando jovem, trabalhava na roça. Maria de Nazaré resolveu dar um novo futuro para essas crianças da Estrutural e se sente realizada de poder ajudar de alguma forma. “Muitos eu já arranjei escola, eu já consegui mudar os que tinham uma cabeça que dizia que ia ser bandido. Hoje estão tudo na escola”.
Nazaré revelou que algumas famílias agradecem pela atitude dela e outros acham que é a obrigação dela cuidar das crianças, mas contou que não se importa muito com isso, pois se sente bem com sua atividade. “Pra mim com Deus é satisfatório. É muito cansativo, muita responsabilidade, mas eu me sinto satisfeita”. Ela já trabalhou na secretaria de transporte e também em outra creche e disse que gosta muito do que faz atualmente e se apega demais aos meninos. “Para mim, cada um é como se fosse meu filho mesmo, eu gosto muito deles, respeito, eles me respeitam muito”, contou.
“Eu tenho certeza que um deles vai dizer assim: ‘eu devo muito e agradeço a Nazaré’”, aguarda esperançosa.
Por depender de doações, a situação é instável. Tem dia que há comida e outros fica em falta. Normalmente, eles recebem cestas básicas do pessoal da igreja. “Tem vezes que passa a semana sem aparecer nada, por exemplo, amanhã não tenho dinheiro para comprar carne, não tenho biscoito para dar pra eles de manhã”, lamentou Nazaré.
Ela acrescentou que nas segundas-feiras aparecem crianças que não comeram durante o final de semana e chegam famintas. No dia da entrevista, Nazaré disse que saiu para procurar óleo e pediu para outra pessoa ficar com as crianças. E é preciso criatividade para sair das dificuldades e administrar tudo. Ela contou que recebeu leites do centro de convivência, mas, como vencia em dois dias, doou para as mães quando vieram buscar os filhos pois não dava pra usá-los a semana inteira. Apesar de no dia ter bastante leite, faltou pão. Estava pensando em fazer bolinho de chuva para o dia seguinte, mas iria acabar todo o óleo que tinha acabado de conseguir. “Não é todo dia que tem doação não, quem dera”, afirmou. “Só de saber que essas crianças vão pra casa hoje de barriguinha cheia, que não vão chorar com fome, fico menos preocupada”, finaliza Nazaré.
Realidade de áreas carentes
Em localidades como a Estrutural, na capital do país, as mulheres com filhos são as que mais trabalham. Uma pesquisa recente da Codeplan (Companhia de Planejamento do Distrito Federal) sobre desigualdade mostrou que, nas regiões de menor poder aquisitivo, o percentual de mulheres nas regiões de menor poder aquisitivo com trabalho é mais significativo. Enquadra-se nesse exemplo a Estrutural (63,49%). A localidade registrou também o menor rendimento entre as mulheres (R$ 686,42).
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Por Regina Arruda
Vídeo e produção: Lucas Veloso