COP30: pesquisadoras brasileiras defendem transformações profundas contra mudanças climática

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No contexto de uma sociedade com cada vez mais evidências das mudanças climáticas, a cidade de Belém (PA) recebe no mês que vem a Conferência das Nações Unidas para as mudanças do Clima (COP30), que será realizada em 2025 em Belém (PA).

Como explicou Mariana Nicoletti, do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV (FGVces), durante o 5º Seminário Internacional de Soluções Baseadas na Natureza, realizado em Brasília, “a gente já não está mais falando de uma adaptação incremental, não é suficiente. A gente precisa revisitar as bases do nosso modelo produtivo, das tecnologias e das formas de convivência nos territórios urbanos”.

A adaptação climática é um dos eixos centrais das negociações. O evento deve consolidar a Meta Global de Adaptação (MGA), um compromisso coletivo originado do Acordo de Paris para fortalecer a resiliência e reduzir a vulnerabilidade das populações frente às mudanças climáticas.

O Brasil, anfitrião da conferência, pretende se afirmar como líder na agenda de adaptação, defendendo o papel das comunidades locais e indígenas na governança da natureza.

Soluções na natureza

No coração desse tema estão as Soluções Baseadas na Natureza (SbN), estratégias que restauram e integram processos naturais no ambiente construído. Ou seja, são intervenções baseadas na natureza para enfrentar desafios urbanos como mudanças climáticas, além de promover biodiversidade e bem-estar.

Segundo o Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), a adoção dessas soluções nas cidades pode gerar uma redução significativa nas perdas sociais e econômicas associadas a desastres frequentes. Elas combinam benefícios ambientais, sociais e econômicos, ao mesmo tempo que minimizam os riscos de desastres.

Mudança estrutural

Para a pesquisadora, o debate sobre adaptação exige mudanças estruturais e um novo imaginário coletivo.

“Seria o equilíbrio entre as urgências (questões que precisamos resolver para ontem, de sobrevivência, inclusive nas comunidades periféricas) e a construção de resiliência, que necessariamente é uma agenda de longo prazo”

Nicoletti defende que as SbN deixem de ser tratadas como inovação e passem a integrar o cotidiano da gestão pública: “Quando a gente pensar em infraestrutura, que não se pense mais na convencional como primeira ideia para depois abrir as caixinhas da inovação”.

Essa visão é compartilhada pela arquiteta Taneha Bacchin, professora da Universidade Técnica de Delft, que destacou no seminário que a crise climática exige uma abordagem sistêmica. Segundo ela, as infraestruturas verdes e azuis, aquelas ligadas à água e à vegetação, precisam ser integradas às estruturas cinzas já existentes, formando sistemas híbridos e resilientes. 

Planejamento verde

Para a arquiteta e professora Liza Andrade, a emergência climática demanda uma transformação profunda na forma de planejar e construir as cidades. “Nós temos uma infraestrutura totalmente equivocada, uma estrutura cinza, de grandes galerias de drenagem, que não se faz mais nos países desenvolvidos”, afirma.

Ela defende que é preciso “esverdear os bairros” e adotar um planejamento urbano baseado em bacias hidrográficas, que reconheça as áreas sensíveis e valorize a infiltração da água no solo. “Quando a gente vai desmatando tudo e substituindo por cimento, a água não tem como infiltrar. Vai carreando poluentes para os rios e aumentando os alagamentos”, explica.

Cidade-esponja

No Brasil, 61% (124,1 milhões da população) vivem em áreas urbanas, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2022. Esse cenário de intensa urbanização aumenta a vulnerabilidade das cidades a eventos extremos, como enchentes e períodos de seca, intensificados pelas mudanças climáticas. 

Nesse contexto, ganha importância o conceito de Cidades-esponja, trazido pelo arquiteto e urbanista chinês Kongjian Yu, vez que significa transformar áreas urbanas em espaços capazes de absorver, armazenar e filtrar a água da chuva de forma natural, reduzindo riscos e promovendo resiliência.

Entre as soluções que tornam uma cidade mais “esponja” estão os jardins de chuva, pavimentos permeáveis, telhados verdes e a recuperação de margens de rios. Essas intervenções ajudam a controlar o escoamento da água, recarregar aquíferos e integrar a natureza à cidade, tornando o ambiente urbano mais sustentável e preparado para enfrentar os impactos climáticos.

Realidade brasileira e papel da comunidade

Liza, que participou da elaboração do Plano Comunitário de Redução de Risco e Adaptação Climática no Sol Nascente (DF), reforça que os jardins de chuva são parte de um sistema integrado de infraestrutura verde. “Eles ajudam a reduzir as áreas impermeáveis e a devolver o equilíbrio ao ciclo da água”, diz.

Em São Paulo, já são mais de 300 jardins de chuva espalhados por praças, calçadas e avenidas, integrando biovaletas, escadarias verdes e vagas permeáveis. O programa, iniciado em 2017 e ampliado nos últimos anos, recebeu reconhecimento internacional no AIPH World Green City Awards, na Coreia do Sul, pela inovação no uso da vegetação urbana como ferramenta de drenagem sustentável.

Além da capital paulista, Salvador implantou, em 2022, o seu primeiro jardim de chuva em área pública, um canteiro central na Rua Anísio Teixeira, no bairro da Pituba, região de alagamentos recorrentes. 

O projeto-piloto, viabilizado pelo Cities4Forests e pelo WRI Brasil, envolveu capacitação técnica de diversos órgãos municipais e resultou na criação de uma cartilha para expandir o uso da infraestrutura verde na cidade. A iniciativa demonstra que soluções simples e naturais podem enfrentar problemas urbanos recorrentes.

Liza defende a necessidade de estudos geológicos e planejamento participativo, com o envolvimento das comunidades locais. Para ela, a população precisa estar envolvida no processo de cuidar e manter essas áreas. “Às vezes, a própria comunidade já traz soluções, com hortas e agroflorestas, que também são componentes das SbN.”

Planejamento social e político

Além das soluções ambientais, ela ressalta que a adaptação climática também passa por questões sociais, como moradia, segurança hídrica e saúde ecossistêmica. Para além da técnica, o debate sobre adaptação climática é também uma questão de imaginação política e ética. 

“Quando a gente fala de SbN, a gente tem que se perguntar, como primeira questão, como essa solução está contribuindo para a redução das desigualdades socioeconômicas no Brasil”, reforça Mariana Nicoletti. “As escolhas que fazemos agora são cruciais para garantir a sustentabilidade das futuras gerações”, complementa Taneha Bacchin.

“As pessoas não escolhem morar em áreas de risco. Falta oferta de moradia próxima ao trabalho. E, durante a pandemia, vimos que muitas comunidades fora das áreas regularizadas não tinham acesso à água. A saúde e a qualidade ambiental dos bairros fazem parte da resiliência”, afirma Liza Andrade.

A professora propõe mudanças na estrutura de gestão urbana e reforça que a adaptação não é apenas técnica, mas envolve planejamento social e político. “O governo precisa agir com rapidez na regularização e realocação de famílias em áreas de risco. Se não houver oferta de moradia, não há como resolver o problema”.

“A emergência climática traz excesso de calor, falta d’água e chuvas torrenciais. Precisamos restaurar ecossistemas, despoluir rios e recuperar córregos urbanos. Isso tudo faz parte da adaptação”, conclui a especialista.

Por Ana Luiza Moraes

Supervisão de Mônica Prado e Luiz Claudio Ferreira

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