Brasília, originalmente uma utopia, teria o cerrado seco e quase inóspito do Brasil condições de suportar uma capital federal? Os fins geopolíticos para a mudança da capital litorânea para o planalto central eram mais do mesmo: não estaria vulnerável em caso de guerra, o governo teria menos pressão popular e o interior brasileiro seria ocupado. Porém, o erguimento da cidade, há mais de 64 anos, contou com diferentes povos e culturas que tinham como objetivo algo mais plausível: necessidade de qualidade de vida.
De nordestinos até mineiros, de nortistas até sulistas, diversas pessoas vieram para Brasília em busca de trabalho e espalharam na região uma miscigenação cultural, que transformou a cidade no que ela é hoje. Referência em razão de suas arquiteturas modernas e admirável céu, a capital federal ganha destaque não apenas por isso, mas também pela arte. A arte, aliás, traz um pouco de cada costume das terras natais dos candangos, o que a torna rica e única.

Cinema independente
Destrinchando a arte, algo que não se pode deixar esquecer é o cinema independente, um movimento que tem buscado espaço e reconhecimento dentro e fora do Brasil, sendo uma expressão artística vital para a cultura da capital federal. Entretanto, as dificuldades de financiamento, distribuição e acessibilidade ainda limitam o pleno desenvolvimento dessa cena cinematográfica. No ponto de vista do cineasta e produtor Victor Amaro, existem muitas dificuldades para o seguimento de uma carreira, mas a principal delas é a falta de incentivo.
“Em Brasília a gente não tem muito um direcionamento para como uma carreira de cinema funciona. Então, além da parte financeira do projeto, a maior dificuldade é entender quem está fazendo acontecer e com quem você tem que conversar. Pensar por quais locais você anda, quais festivais são importantes de participar e fazer uma troca de relações. Querendo ou não, cada um acaba tendo que montar a sua própria trajetória sem ajuda”, diz Victor.
Importância
A produção local é também uma oportunidade para democratizar as narrativas no cinema brasileiro ao conceder visibilidade a vozes e histórias que não são amplamente exploradas pela indústria cinematográfica tradicional, concentrada no eixo Rio-São Paulo. “Eu acho que faltam iniciativas, principalmente verba, para os filmes independentes rodarem e crescerem. O polo sempre foi Rio de Janeiro e São Paulo. Então, para você conseguir um teste aqui, é muito difícil. É realmente um a cada 50. Ainda é muito difícil ter filmes rodando aqui”, lamenta a atriz e modelo brasiliense Ana Eliza.
Filmes brasilienses históricos como “Bye Bye Brasil”, “Branco Sai, Preto Fica” e “A Cidade é Uma Só?”, alguns recentes como “O Vazio de Domingo à Tarde”, “Maria Luiza” e “Pureza”, outros famosos como os longas “Eduardo e Mônica”, “Faroeste Caboclo” e “Somos Tão Jovens”, ou até longas ainda não estreantes como o “Entrequadras”, valorizam a capital como ela merece. Esses filmes, de histórias diferentes mas interligados pelo fio condutor que é a cidade, trazem a diversidade como tema e dialogam com a identidade nacional.
“Apesar de que hoje em dia ainda há muito preconceito, eu acho que hoje em dia a gente tem uma diversidade muito maior e damos palco para quem merece, sabe, principalmente a comunidade LGBT. A cabeça das pessoas ainda é muito preconceituosa, como eu falei, mas eu acho que esse tipo de cinema vem crescendo muito e eu espero que cresça ainda mais. Oportunidade para pessoas pretas, pardas, indígenas, LGBT, enfim, vem crescendo, mas tem que crescer ainda muito mais”, diz Ana Eliza.

Dificuldades
Mesmo pessoas que têm como sonho a área cinematográfica, se vêem frustradas ao perceber a falta de oportunidades e acabam desistindo da carreira. Artistas brilhantes são perdidos pela falta de incentivo e acesso nesse nicho. Quase foi o caso de Ana Eliza, que conta uma fase traumática de sua vida. “Acho que tudo tem o tempo que é para acontecer. Eu durante muito tempo desisti da carreira, porque, como eu falei, é muito difícil, principalmente em Brasília, mas quando eu menos esperava, veio a oportunidade de uma forma que eu realmente não esperava. Acho que é não desistir, assim, persistir, mesmo sendo muito, muito difícil. A hora que for para ser vai ser”.
Victor completa a fala de Ana ao lamentar projetos perdidos por falta de incentivo: “Tem muito projeto bom que se perde por não ser apoiado por órgãos ou instituições de ensino. Não temos um grande coletivo só de divulgação de novos talentos, que junta essas pessoas e conseguimos achá-las facilmente. E Brasília querendo ou não é uma cidade muito nova. O cinema já tinha mais de 60 anos quando Brasília foi fundada”, diz.
O único cinema de rua do DF
A valorização desse tipo de arte se faz importante e o Cine Brasília, único cinema de rua ativo do Distrito Federal, é um atuante ativo nessas causas. Símbolo de exemplo para a cultura do DF, o Cine, como é carinhosamente chamado, tenta dignificar e enaltecer os artistas da cidade, porém o trabalho é árduo, uma vez que é um dos únicos locais com essas iniciativas. A produtora executiva do cinema de rua Daniela Marinho falou com a Agência Ceub sobre as dificuldades enfrentadas:
“É um problema estrutural, de falta de política pública nacional. É um mercado nocivo pois o Brasil investe muito dinheiro em produção, mas a cadeia de distribuição e exibição não comporta. Então até a gente que quer passar filmes independentes e que trabalha principalmente com as distribuidoras do cinema independente temos dificuldade de programar os filmes que são lançados”, reitera.

O Cine Brasília é patrimônio cultural brasiliense e foi inaugurado um dia após a criação da cidade. Desde então, o histórico cinema de rua conta com grandes eventos de valorização de filmes independentes. Um deles é o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (FBCB), que está na sua 57ª edição e reúne uma seleção de filmes do circuito anual para terem visibilidade em um grande evento, desfrutando também a oportunidade de participar de prêmios. Para o cineasta Victor Amaro, celebrações como essa se fazem muito importantes para o enaltecimento da cultura brasiliense. “Brasília acaba funcionando muito como uma cidade pequena, mas ela tem que funcionar como metrópole. A gente tem que exportar mais as produções originais daqui”.
O último Drive-In
Como um dos polos culturais do Brasil, Brasília também conta com o último cinema a céu aberto da América do Sul, o Cine Drive-In. O estilo clássico de agrupar carros em um estacionamento à noite com um letreiro luminoso que passa os mais diversos filmes vem desde 1973 e se transformou em mais um símbolo para a cidade que é referência na resistência cultural. Inclusive, resistência essa que foi retratada no filme de Iberê Carvalho “O Ùltimo Cine Drive-In”, ao abordar a ameaça de demolição do espaço histórico localizado no autódromo de Brasília. Através dessa homenagem o espaço foi “reerguido” da crise.
Por Diller Abreu
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira