No Distrito Federal, 435 crianças e adolescentes aguardam ser adotadas em 16 abrigos. Elas foram retiradas da família ou entregues as instituições por enfrentarem algum tipo de violência, ter pais usuários de drogas ou presos. A psicóloga Eliana Carla Kobori, consultora em processos de acolhimento e adoção, explica que o abrigo atua como uma medida protetiva e provisória para acolher crianças que vivenciam isso. Para a jovem Débora Maria, 23 anos, que foi acolhida aos 13, a medida que deveria provisória durou até a maioridade.
As crianças ou adolescentes chegam ao abrigo e passam por um processo judicial que define se irão para o Cadastro Nacional de Adoção e avaliam, dependendo da situação familiar, se é possível voltar a família de origem. Segundo a Legislação o prazo é de até dois anos para este cumprimento, mas Débora conta que a lentidão desse processo a fez passar cinco anos no abrigo, sem família biológica ou adotiva.
Débora foi retirada da família com a irmã porque sofriam agressões do pai, a irmã chegou a ficar internada e se alimentando por sonda devido às agressões, então o abrigo foi aplicado como medida protetiva. Apesar da realidade conturbada, a jovem aguardava uma posição e não temia voltar para casa, mas recebeu um silêncio judicial, não retornou a família nem entrou no Cadastro Nacional de Adoção.
“Eu não tinha medo, eu só não entendia porque a gente não podia voltar para casa.”
Proteção
Essa não foi uma postura apenas de Débora, a especialista em processos de acolhimento e adoção, conta que para criança é difícil entender porque ela foi retirada da família e identificar que sofria era negligência ou violência. “Algumas conseguem visualizar o abrigo como um lugar protetivo, mas em muitos casos a criança se culpa por estar ali e ter sido retirada da mãe” completa. Mesmo compreendendo a delicada situação familiar de negligência ou violência que pode ser física, psicológica ou sexual, toda retirada da família biológica é traumática. Ao chegar na instituição a criança se sente insegura, invadida e violada.” afirma Eliana. O laço familiar gera algum tipo de conforto e segurança que se desfaz ao chegar no abrigo, mesmo a medida tendo sido aplicada para seus não sejam descumpridos.
“A maioria das crianças se você perguntar hoje onde elas gostariam de estar elas vão dizer ‘com a minha mãe e com meu pai’ independente da situação que ela tenha vivido” conta a psicóloga Eliana Carla Kobori.
Eliana aponta que o acolhimento não pode ser permanente, que os adolescentes devem sair do abrigo ao completar a maioridade, mas e saem sem estrutura, enfrentando desafios maiores ainda dos que os levaram até o abrigo. Débora passou cinco anos no abrigo Aldeias Infantis SOS Brasília, na quadra 914, Asa Norte, e sobre o dia a dia na instituição ressalta os cuidados que recebeu e a dificuldade de socializar-se pois crianças saiam e entravam diariamente, mas que fez alguns amigos. “Eu fui muito bem acolhida, mas não chamaria o abrigo de lar”. Débora passou o restante da adolescência com a ausência familiar biológica ou adotiva e ao completar a maioridade, recebeu o documento de desligamento. Na saída enfrentou desemprego e falta de moradia. Hoje com 23 anos, relembra essa história e sente que tenha sido assim e que ainda seja uma realidade para muitas crianças que cresceram nos abrigos.
Famílias
No Brasil, mais de 39 mil famílias estão aptas para adotar as 7.195 crianças que preenchem o Cadastro Nacional de Adoção de acordo com Conselho Nacional de Justiça. Diante dos números, histórias como a de Débora não se repetiriam. Os números apontam que nenhuma criança ou adolescente sairia do abrigo a não ser para adoção, porque existem famílias aptas para isso. Mas essa não é a realidade. Os abrigos também acolhem cerca de 40 mil crianças que não estão disponíveis adoção e nem com a família biológica.
Ao sair do abrigo Débora recebeu o apoio de projetos como o Aconchego e o Roteiros para Cidadania que a ajudaram com casa, moveis e um emprego para manter o aluguel e dar continuidade na vida com filho pequeno que hoje tem. A jovem conta até hoje não entender porque passou tanto tempo no abrigo e que poderia ser diferente. “Eu poderia ter tido uma resposta em relação a minha família, ou ser encaminhada para adoção que seria difícil com a minha idade, mas não impossível”.
“Muita lentidão da justiça, muita falta de organização e a demora que é esse processo todo de quando você está no abrigo. Poderia ser mais rápido, poderia ser diferente. A gente podia ter um apoio maior. E não é uma questão que é dada a devida importância, hoje não tem tanta importância. Eu passei cinco anos esperando se eu voltava para minha casa ou se não voltava, e acabei não voltando. É a demora, a lentidão e o descaso com todo mundo que tá lá.”