Uma iniciativa para reduzir a violência contra crianças em Monte Alto, um distrito de Goiás, a 17 km de Brazlândia (DF), foi criada pela própria comunidade local. Diante da fragilidade de crianças vítimas de violência no local, um grupo começou a se unir para ajudar crianças que, em período de férias, ficavam reféns do perigo enquanto os pais trabalhavam. Após a convivência com os pequenos, eles resolveram abrir uma creche para cuidar de crianças que não tinham onde ficar depois da escola.
O local foi como uma esperança para a população do município. No entanto, os idealizadores do projeto viram que só a creche não iria funcionar, porque perceberam que algumas crianças sofriam agressões até mesmo depois de serem abandonadas. Como os pais deixavam os filhos na creche enquanto trabalhavam, na volta para casa a violência acontecia.
Sem poder adotar as crianças abandonadas e simplesmente cuidar de cada uma, a idealizadora do projeto EducAmar entrou com um pedido no Conselho Tutelar para abrir um orfanato. “Eu e minha mãe resolvemos falar com o Conselho Tutelar porque não aguentamos ver as crianças sofrendo e não poder cuidar delas integralmente porque seria ilegal”, afirma a idealizadora que preferiu não ser identificada.
Sombras da violência
Quando uma agressão acontece com crianças, as marcas resistem ao tempo. A Secretaria de Direitos Humanos revela que cerca de 70% das ocorrências de violência ocorrem em residências, seja da vítima ou do agressor. De acordo ainda com a Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do Distrito Federal (Sejus), os tipos de violência mais comuns são negligência, violência física, psicológica e sexual. Os dados revelam que crianças de 5 a 10 anos são as vítimas mais frequentes.
Foi o que aconteceu com uma jovem universitária de 23 anos, moradora Aos 6 ela sofreu abuso sexual cometido pelo próprio pai. Um familiar da jovem, que preferiu não ser identificado, contou que ela só conseguiu se relacionar com homens após passar por um tratamento psicológico.
A violência também atingiu o lar de um jovem de 21 anos, mas de forma diferente. Aos 14 o menino enfrentava agressões verbais por parte do pai, que era agressivo com a família. O menino só não sofreu mais porque a mãe se separou e ele parou de ter contato com o agressor.
A psicóloga Gizele Cavalcante afirma que os casos mais atendidos no Pró-Vítima, um programa de assistência psicossocial às vítimas de violência, vinculado à Sejus, são de violência sexual. Segundo a especialista, o apoio da família na recuperação da criança é fundamental. “É importante os responsáveis participarem do processo de apoio e cuidado à criança vítima de violência, pois a família, assim como a criança, poderá sofrer os impactos da violência”, destaca. “Outro desafio, também, é o não engajamento de algumas famílias no processo de acompanhamento da criança vítima de violência”, acrescenta.
O Pró-Vítima é um recurso para recuperação psicossocial. O programa presta assistência psicológica e social às crianças, adolescentes, adultos e idosos vítimas dos crimes de homicídio, latrocínio (roubo seguido de morte), estupro, violência doméstica, roubo com restrição de liberdade (sequestro relâmpago), feminícidio, acidente de trânsito com vítima fatal e desaparecimento de pessoas. O ingresso ao programa pode ser por meio de demanda espontânea ou quando as vítimas são encaminhadas para atendimento.
A realidade das crianças para adoção
De acordo com a Vara da Infância e Juventude (VIJ) existem, atualmente, 436 crianças acolhidas pelo sistema. Do total, 367 ou 84,17% estão em entidades espalhadas pelo DF. A VIJ informou que acompanha os trabalhos das entidades de acolhimento, por meio da Seção de Fiscalização, Orientação e Acompanhamento de Entidades, composta por psicólogos, assistentes sociais e pedagogos. A função é orientar os serviços de acolhimento e adequar o serviço prestado às normas vigentes no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A Secretaria de de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude do DF explicou que existe uma rede de acompanhamento psicológico que envolve atores conselheiros tutelares, policiais, além de profissionais de saúde.
Para Saber Mais
Existe, no Distrito Federal, o Centro Integrado 18 de Maio. O local é o primeiro do Distrito Federal a integrar todos os serviços de atendimento à crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. O principal objetivo é reduzir o número de vezes que a vítima tem que relatar o ocorrido. Uma equipe faz o atendimento e a escuta. A conversa já vale para a instauração de inquérito. O centro conta com profissionais da área de saúde e assistência, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Atendimentos no Pró-Vítima
Com a ajuda do programa, as vítimas recebem apoio psicológico com uma abordagem focal e de caráter emergencial que busca intervir em situações de crise. O objetivo é dar suporte emocional às vítimas de violência por meio de terapia de apoio, atendimento social e encaminhamentos pertinentes para inclusão social de vítimas de violência. As pessoas atendidas também recebem orientação dos direitos como cidadão.
Por Paula Beatriz
Com colaboração de Thaís Batista e Beatriz Souza