Cresce quantidade de alunos negros e de baixa renda no ensino superior

COMPARTILHE ESSA MATÉRIA

Tiago Rodrigues, de 28 anos, foi estudar no Rio Grande do Sul. Fotos: Mariane Rodrigues

Estudantes aprovados por bolsas sociais e raciais em universidades públicas do país se tornaram exemplos no meio acadêmico entre colegas e professores. Desde que a política foi implantada nos sistemas de seleção para o ingresso em curso superior, a quantidade de alunos negros e de baixa renda cresceu. Segundo dados do Ministério da Educação (MEC) referentes a 2014, os negros são maioria dos beneficiados pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e das bolsas do Prouni. Desde 2012, as cotas raciais também passaram a fazer parte do sistema do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). A partir de então, a quantidade de vagas para alunos de escolas públicas ou que a família tenha uma renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo passou de 12,5% em 2013 para 50% em 2016.

O aumento demonstra a diversidade e a qualidade nas universidades públicas. Reforçam, ainda, que no ambiente onde o conhecimento é estimulado a pluralidade de opiniões, raças e gêneros têm espaço garantido. Tiago Rodrigues, 28 anos, é um dos estudantes que se encaixa nesse perfil. Negro e ex-aluno de escolas públicas, ele se tornou estudante da Universidade de Brasília (UnB) aprovado por cota racial. O jovem terminou a graduação, venceu o mestrado e, desde o fim de 2016, integra a lista de alunos doutorandos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Morador de Taguatinga, ele faz parte das estatísticas dos universitários cotistas com excelentes rendimentos na vida acadêmica. Filho de professora da rede pública, Tiago não conheceu o pai e lidou com a situação desde cedo. Por onde passou mostrou competência. Destacava-se em matérias de humanas e a vontade de cursar Ciências Sociais começou ainda no ensino médio. Em 2007, o sonho se concretizou.

Tiago foi aprovado na UnB para a graduação por cota e em 2011 tornou-se cientista social. A sede pelo conhecimento fez o jovem ir além. Por isso, mergulhou no mestrado na UnB sem cotas no ano de 2013, onde se formou. Em 2015 virou sociólogo e em outubro de 2016 foi aprovado no doutorado da UFRGS. Desde então trocou a cidade natal pelo endereço de Porto Alegre. “Apesar dos desprivilégios que me colocaram atrás dos concorrentes, algumas políticas públicas foram criadas para poder mitigar desvantagens sociais e históricas. Dentre elas a condição racial e, mais recentemente, a condição socioeconômica por meio de cotas nas universidades federais”, destaca.

Dados

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os filhos de pessoas mulatas, caboclas ou mestiças, misturados com outra cor ou raça, são considerados pardos. Ainda segundo o IBGE, a população de raça negra são pardos e pretos. “Na estrutura social brasileira, ao longo dos séculos, se desenvolveu uma  estrutura de poder na qual os pardos se aproximam muito mais do grupo denominado preto do que ao branco, seja em termos raciais quanto referente ao ponto socioeconômico. Por isso me identifico tanto como negro”, revela Tiago. “Minha experiência social quanto a cor da pele sempre foi mais ambígua e, por isso mesmo, situada em grupos mais desprivilegiados”, conclui.

Lara Rosa Fidelis, 21 anos, é outro exemplo de estudante que realizou o sonho de ingressar na universidade por cotas sociais. Passou por dificuldades toda a vida. Filha de pais desempregados e, sem condição financeira, lutou para começar um curso superior. Em 2016 a batalha foi realizada. A jovem passou em serviço social para a Universidade Federal de Ouro Preto.

Por falta de condições, a estudante mineira sempre estudou em escolas da rede pública. Ela morava com os pais na antiga casa que pertencia ao avô, em Lafaiete (MG). O pai era desempregado e a mãe cuidava da casa. “Sei que meus pais passaram por muitas dificuldades, mas como a gente morava com mais pessoas da família todo mundo se ajudava.”

Lara gostaria ter tido condições para fazer um cursinho pré-vestibular, mas as condições eram inviáveis. Por causa disso, ela conta que a faculdade era um sonho distante. “Sempre pensei em cursar uma universidade, mas era uma vontade muito distante da minha realidade.”

Lara tentou cinco vezes o vestibular da federal até que surgiu a possibilidade de começar a faculdade com as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e por cotas sociais. Foi aí que o sonho passou a ser mais acessível. Em Ouro Preto conseguiu ingressar no curso que sempre desejou. “Independente dos obstáculos que surgem, não se pode desistir de tentar, porque fácil não é, mas também não é impossível. Acho que a palavra chave é correr atrás, tem que tentar!” Finaliza a estudante.

Segundo o doutorando em direito da Universidade de Brasília e professor voluntário da UnB, Marcos Vinicius Lustosa Queiroz, as cotas reforçam a democratização de espaços nas universidades, cedendo caminhos para a representatividade brasileira e para a pluralidade de visões. “ O estudante que pode ingressar na universidade por meio do sistema de cotas é um agente transformador e potencializador dessa política pública por poder ter a chance de ter acesso a empregos diversos e acesso ao ensino superior público de qualidade”, ressalta.

Na visão dele, a discussão sobre a pluralidade deve começar já desde o corpo docente e nas formas de gestão. Exemplo disso é que há 10 anos o sistema de cotas raciais foi aceito e a Universidade de Brasília se tornou a primeira a aprovar candidatos neste sistema. “Esse sistema serviu para abrir um espaço nas universidades públicas e agora também nos concursos públicos para um setor que nunca esteve dentro desses espaços”, destaca.

Por Mariane Rodrigues

Sob supervisão de Isa Stacciarini

 

Matérias relacionadas

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

Você tem o direito de:
Compartilhar — copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato para qualquer fim, mesmo que comercial.

Atribuição — Você deve dar o crédito apropriado, prover um link para a licença e indicar se mudanças foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer circunstância razoável, mas de nenhuma maneira que sugira que o licenciante apoia você ou o seu uso.

SemDerivações — Se você remixar, transformar ou criar a partir do material, você não pode distribuir o material modificado.

A Agência de Notícias é um projeto de extensão do curso de Jornalismo com atuação diária de estudantes no desenvolvimento de textos, fotografias, áudio e vídeos com a supervisão de professores dos cursos de comunicação

plugins premium WordPress