Da dor ao ideal: perda da filha motivou a criação do Hospital da Criança

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Ilda Peliz, idealizadora do Hospital da Criança

A atual presidente do Instituto do Câncer Infantil e Pediatria Especializada (Icipe), de 73 anos, Ilda Peliz perdeu a filha de seis meses para um tumor no cérebro em 1994, e durante o tratamento da doença, se deparou com a realidade dos hospitais públicos de Brasília, os quais, como ela relata, “não eram lugares para crianças”. 

A partir da perda, Ilda encontrou uma motivação para ajudar crianças em situações semelhantes à da filha. Surgiu, então, a ideia de criar um hospital exclusivo para crianças no Distrito Federal.

Dessa forma, a presidente do Icipe seguiu o sonho, enfrentou desafios no caminho, mas a paciência e a perseverança tem o poder de fazer as dificuldades e obstáculos desaparecem, e em novembro de 2011, foi criado o Hospital da Criança.

O começo de uma história 

Ilda queria mudar a realidade, mas tinha apenas uma ideia. Isso mudou um ano depois da morte da filha, quando foi chamada para presidir a Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace). À época, era ainda era uma instituição pequena, porém, com sua formação em comunicação social e pós-graduação em marketing, ela ajudou a instituição a chamar mais a atenção das pessoas, “tem muitos cases de como eu usei a comunicação para ajudar Abrace, como por exemplo a logo era estática, eu já dei um movimento para ela, uma cor.” 

“Estava fazendo da minha dor um benefício para alguém” 

Após elevar o patamar da Abrace, Ilda queria enfim colocar a ideia em prática e construir um hospital para crianças, mas ainda existiam obstáculos a serem ultrapassados, pois necessitavam de recursos para dar início ao projeto. “No início as pessoas falavam assim: ‘como uma ONG vai construir um hospital?’ Mas nós tínhamos certeza que a gente ia dar conta. Era o nosso coração que falava”, comenta a ex-presidente da Abrace. 

Dessa forma, guiada pelo luto, e juntamente com os representantes da Abrace, começou a arrecadar a verba necessária para a criação do Hospital da Criança. Em parceria com a franquia do McDonalds de Brasília, foi criado o McDia Feliz, no qual todo dinheiro arrecadado nas vendas foi destinado a Abrace e utilizado na construção do hospital. Ilda também contou com o apoio do Banco do Brasil, pois trabalhava na instituição financeira à época e, assim, realizou campanhas dentro do banco. Além disso, conseguiram também o terreno destinado ao Hospital da Criança que foi inaugurado em 2011.

Confira a entrevista na íntegra 

Agência Ceub – Como começa a sua história para a construção do hospital da criança?

Começa em 1994, quando minha filha nasceu, hoje ela estaria com 30 anos. Nos seus seis meses, eu descobri que ela nasceu com um tumor no cérebro, com isso, fui para São Paulo iniciar o tratamento, porém eles me falaram para fazer quimioterapia aqui em Brasília.

Com isso, fui encaminhada para o Hospital de Base, eu nunca havia estado em um hospital público, foi um choque para mim o que eu vivi ali. Imagina que você sai dos melhores hospitais de São Paulo e entra em um hospital do SUS. É tudo diferente, foi um choque.

Mas eu fiquei lá durante outros seis meses que minha filha conseguiu sobreviver. E todo o tempo do tratamento, ali dentro do Hospital de Base, eu tinha certeza absoluta que ali não era lugar de criança. Era um hospital para adultos e tinha um andar que era de criança.

Então, se tivesse uma vaga na UTI, seria a de um adulto. Tive um sentimento de que eu podia mudar aquela realidade, eu não sabia como, mas eu ia. Após um ano do falecimento dela eu fui convidada para presidir a Abrace.

Agência Ceub – A Abrace já existia antes disso? 

Já. Ela tinha nove anos. E a Abrace era uma instituição pequena. Só que eu era da comunicação.

Eu tinha terminado de fazer uma pós-graduação em marketing e eu utilizei todas as ferramentas, todas as técnicas, tudo que eu aprendi no meu curso de comunicação social, depois na minha pós-graduação em marketing, eu usei para promover a Abrace. E a Abrace cresceu.

Todo o tempo eu trazia o olhar da comunicação. Isso fez muita diferença para a instituição. Tem muitos cases de como eu usei a comunicação para ajudar Abrace. 

Agência CeubComo foi feita a construção do Hospital da Criança? 

No ano de 2000 eu puxei este projeto de construir um hospital para as crianças. A gente trabalhava sábado e domingo voluntariamente para que desse certo, a gente tinha que ter o projeto pronto e, mesmo sem dinheiro, conseguimos o terreno e já começamos a limpá-lo e trabalhar na estrutura.

E foi assim, a partir do momento em que a gente foi mostrando serviço, as pessoas foram acreditando.

No início as pessoas falavam: “Como que uma ONG vai construir um hospital?” Mas nós tínhamos certeza que a gente daria conta. O nosso coração que falava. Era uma causa que nos tocava muito pelo nosso sofrimento. Eu estava fazendo da minha dor um benefício para alguém.

Foi assim que a gente caminhou, as pessoas passaram a acreditar na gente, enxergavam nossa emoção e garra.

Agência Ceub – Como foi a arrecadação da verba para a construção? 

Ele foi construído com dinheiro da sociedade, como a campanha do McDia Feliz, que todo mundo colaborava, mas ainda não era suficiente.

Quando nós começamos a obra, em 2003, eu tinha 5 milhões. Nós passamos de 2000 até 2005 para ter 5 milhões. Ou seja, nós conseguimos levantar 1 milhão por ano.

Quando a gente começou a fazer a fundação, o dinheiro acabou. Foi um desespero total, sem dinheiro, e sem conseguir mostrar nada, o dinheiro estava debaixo da terra. Então a gente começou a fazer campanha com muitas empresas, cada uma está estampada com placas espalhadas pelo hospital em forma de agradecimento.

Agência Ceub – No início de tudo, apenas voluntários trabalhavam no hospital? 

Não, desde o início teve voluntários e contratados, porque o serviço já existia ou no Hospital de Base ou no Hospital de Apoio.

As crianças que estavam em duas unidades ao mesmo tempo vinham transferidas para cá com os médicos do Estado em parceria, o que se transformou em uma transferência de serviços.

Mas os voluntários da Abrace sempre existiram também, todo o tempo. Esse hospital não existiria sem o voluntariado.

Agência Ceub – Como era sua vida profissional antes da Abrace e do Hospital da Criança?

Eu era executiva no Banco do Brasil. Mas deixei meu trabalho e me aposentei antecipadamente para construir o hospital, porque precisava de tempo para poder administrar tudo.

Tive muito jogo de cintura para ser tão paciente, só eu sei o que eu passei, mas eu estava ali pronta e preparada para fazer isso. Foi aí que decidi que tinha que focar somente nisso.

Agência Ceub – Por que o hospital foi entregue ao Estado? 

Construir foi difícil, mas não foi impossível. Agora, manter é impossível. Ele custa, hoje, 30 milhões por mês, e é papel do Estado prover a saúde.

Então, o que nós vimos foi que a Abrace não quer um hospital para ela, ela quer que Brasília tenha um hospital. Nosso compromisso é com a criança, que ela tenha um local de qualidade e excelência, para ser tratada. Hoje, o hospital é uma referência internacional.

Ele tem parcerias com hospitais da Espanha e dos Estados Unidos. Isso não existe em lugar nenhum, um hospital que a sociedade tenha construído e o administre. 

Agência Ceub – O que faz o hospital ser diferente dos outros? 

Ele é administrado pela sociedade, é a sociedade trabalhando pela sociedade. Nós somos voluntários de gestão, eu sou a presidente do Icipe, que é a organização que administra.

Por exemplo, nós tivemos reunião do conselho de administração, são executivos, são profissionais liberais. Então, são voluntários. Imagina se nós fôssemos pagar um salário para esses executivos, custaria muito caro, a gente não teria condição. E todos trabalham aqui pelo bem da criança. 

Agência Ceub – Como nasceu o Icipe?

Nós fizemos uma proposta para o Governo do Distrito Federal para que a gente administrasse o Hospital da Criança.

O modelo para isso é criar uma instituição que busque a qualificação como organização social, igual o Hospital Sarah Kubitschek, por exemplo.

Com isso, depois que o GDF abre um edital, concorremos para administrar o hospital. Nós tínhamos concorrência mas ganhamos porque estávamos em Brasília, as outras instituições não eram de Brasília, a gente conhecia a nossa região. 

Agência Ceub – Qual a importância do trabalho voluntário na vida de quem o exerce?

Eu digo que sou uma pessoa muito melhor depois que fiz o trabalho voluntário. Até para lidar com a minha emoção de ter perdido uma filha.

No início, quando eu ia dar uma entrevista, primeiro tinha que entrar em um local para chorar, para depois dar a entrevista, era muito difícil falar da minha filha.

O trabalho na Abrace me proporcionou o espaço de fala, então cada vez que eu falava daquela dor, eu fui me acostumando e com o tempo eu fui superando aquilo.

Cresci na minha emoção, de poder falar da minha dor com tranquilidade. Não que você se acostume com a dor, é por você saber administrar a sua dor de uma forma que não perca o equilíbrio emocional.

Por Diller Abreu, Isabela Mencarini, Julia Cavalcante e Lucas Alarcão 

Supervisão de Isa Stacciarini e Luiz Claudio Ferreira

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