A responsabilidade social do jornalista colocou o profissional da linha de frente no combate ao coronavírus, dizem especialistas
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O jornalismo é a história do presente, o primeiro rascunho da historiografia dos acontecimentos que atingem a sociedade. “A quarta-feira de cinzas começou com a sombra de uma doença perigosa em Brasília”. Essa foi a primeira frase que o jornal Correio Braziliense usou na primeira matéria, publicada no dia 27 de fevereiro sobre o coronavírus no caderno de Cidades.
O texto escrito pelos repórteres Alan Rios, Mariana Machado, Agatha Gonzaga e Cibele Moreira, trazia a internação de quatro pacientes com suspeita de coronavírus no Distrito Federal. Em tempos de governos não transparentes, na era das fake news e pânico, o trabalho jornalístico ajuda a orientar a sociedade em meio aos acontecimentos, que são inéditos. Os jornalistas estão na linha de frente na luta, de uma forma específica, contra o coronavírus. Alan lembra de uma sessão de terapia em que a psicóloga com quem faz terapia lhe disse estar recomendando aos pacientes não ler tantas notícias ruins sobre o coronavírus. Mas que, por causa da profissão, não poderia atender ao pedido da profissional. Nós, jornalistas, não temos a opção de não ler as notícias ruins, de fugir da realidade”, relata.
Em tempos de mundo hiperconectado, as informações são transmitidas em tempo real, por múltiplos canais. Por isso, pouco depois de declarar a pandemia de covid-19, a OMS (Organização Mundial de Saúde) também indicou a existência de uma infodemia. Ou seja, a propagação de grandes volumes de desinformação, mentiras e rumores sobre o novo vírus, que causam confusão, pânico e ansiedade. E, por isso, o trabalho do jornalista mostra-se cada vez mais necessário em tempos assim Em meio a tanta insegurança e instabilidade é fundamental fomentar a pluralidade e o debate das ideias, com informações verdadeiras e confiáveis, segundo especialistas no tema.
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A professora Luciene Agnez, representante da coordenação de formação do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal (Sindijor DF), defende que a informação é essencial, mas o jornalismo profissional, com credibilidade, nunca teve tanta importância. Além disso, explica que o jornalismo é imprescindível para um momento como esse. “A própria definição do jornalismo enquanto atividade essencial já deixa isso claro. Eu vejo duas linhas de importância: o jornalismo de serviço, na prestação de serviço à população nesse cenário de mudanças e indefinições, tentando traduzir a ciência, e o papel de destaque no combate à avalanche de desinformação, a chamada infodemia”.
O professor Luiz Martins, pesquisador de comunicação social em jornalismo, avalia que durante a cobertura da pandemia do novo coronavírus os jornalistas estiveram “ombro a ombro” com a classe médica, com as autoridades sanitárias e mostrando o drama das vítimas do novo coronavírus. “O volume de informações foi criticado e, em dado momento, os jornalistas foram chamados injustamente de sórdidos, pois não houve sensacionalismo criminoso ou maldoso, mas, uma cobrança muito próxima das autoridades médicas e políticas, que se sentiram pressionadas e tendenciosas, querendo direcionar a cobertura, para dar mais visibilidade aos sobreviventes do que aos mortos. Porém, não concordo que a imprensa tenha sido um antro de abutres, como às vezes querem caracterizá-la. Incomodar faz parte do papel dos jornalistas”.
Profissional
O jornalista profissional tem um papel formador e de conscientização da população. E, por isso, a questão da responsabilidade social parece ser algo consagrado no meio jornalístico. A consagração talvez advenha do papel histórico da imprensa de ser tribuna para debates e instrumento para movimentos que culminaram em conquistas expressivas para a sociedade. Nesse sentido, documentos fundamentais dos profissionais de imprensa se destacam nesse assunto, como nos Princípios Internacionais da Ética Profissional no Jornalismo, texto obtido em debates promovidos pela Unesco, na década de 1980. Luiz Martins reforça que, especialmente em um momento como este, é necessária maior responsabilidade. “A imprensa livre e responsável é uma das instituições-garantia dos direitos do cidadão e uma das instituições formadoras de um sistema republicano e democrático”.
O documento traz que: “Informação em jornalismo é compreendida como bem social e não como uma comodidade, o que significa que os jornalistas não estão isentos de responsabilidade em relação à informação transmitida e isso vale não só para aqueles que estão controlando a mídia, mas em última instância para o grande público, incluindo vários interesses sociais”. Ainda, segundo o documento, a responsabilidade social do jornalista requer que ele ou ela agirão debaixo de todas as circunstâncias em conformidade “com uma consciência ética pessoal”. Portanto, é responsabilidade do jornalista, ir a fundo na verdade e transmitir as informações de maneira clara e objetiva para que todos tomem conhecimento. E, nesse cenário, a liberdade de expressão e o trabalho da imprensa profissional são fundamentais, fomentando debates com informações confiáveis.
O também professor de jornalismo Sérgio Euclides Braga, pesquisador da área de ética na comunicação, afirma que dizer que o bom jornalismo é crucial em um momento como esse é chover no molhado. “De fato, acho que, com exceção de servidores da saúde, de servidores da limpeza, de servidores da segurança pública, que estão de fato, na frente lidando, especialmente, tratando dos contaminados e dos doentes, os jornalistas também estão na linha de frente”. E que além disso, estão atuando em um ambiente muito hostil. “Especialmente o jornalismo que se realiza principalmente através das fontes oficiais, das chamadas autoridades do poder público”. O especialista reforça que esse trabalho é crucial, principalmente, no sentido da orientação dos comportamentos da sociedade, das posturas frente à pandemia.
Além disso, o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, de agosto de 2007 (1997), também apresenta o tema. No Artigo 2º explicita a responsabilidade social do jornalismo: “Como o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse, razão por que: […] III – a liberdade de imprensa, direito e pressuposto do exercício do jornalismo, implica compromisso com a responsabilidade social inerente à profissão”.
Ambos os documentos apresentados, Princípios Internacionais da Ética Profissional no Jornalismo e o Código de ética dos Jornalistas Brasileiros, caracterizam o jornalismo como atividade social e, de forma explícita ou implícita, também estabelecem uma relação entre esta responsabilidade social e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. E dessa forma, Luiz Martins explica que são várias as responsabilidades sociais do jornalista. “Primeiramente, para com o seu decoro profissional, enquanto repórter; depois, para com o público, seu principal destinatário; seguinte, para com a informação enquanto elemento para o debate livre das ideias, por sua vez, insumo indispensável para o funcionamento de uma esfera pública política e para a formação de uma opinião pública”.
Na rua
A repórter Thais Umbelino, também do Correio Braziliense, parafraseou o poeta e escritor americano Ralph Waldo Emerson “O conhecimento é o antídoto do medo” ao afirmar que: “neste momento, a informação é a principal arma para o combate do novo coronavírus”. As primeiras semanas de pandemia da covid-19 deixaram claro, mais do que nunca, a importância do jornalismo de qualidade para a sociedade. Thais reforça que cabe aos jornalistas divulgar não apenas os dados oficiais do número de infectados: “como mostrar a realidade da doença, limite de pessoas nos hospitais, dificuldades enfrentadas pelos profissionais de saúde, saúde mental para enfrentar a doença e a realidade das pessoas que foram afetadas economicamente por precisarem ganhar dinheiro para conseguir comer”.
Yasmin Perna, repórter da CBN, conta que chegou a ouvir algumas críticas sobre como que estava ficando repetitivo: “matérias sobre como lavar a mão, sobre como higienizar os alimentos. Mas são assuntos necessários. O que para algumas pessoas pode ser repetitivo, para outras pode ser fundamental. Porque nós, os repórteres, estamos falando com uma audiência muito diversa. É nossa responsabilidade conversar com todas essas pessoas, tirar dúvidas de todas essas pessoas. Nesse sentido, o pesquisador Luiz Martins acredita que cursos de jornalismo deveriam proporcionar mais aos alunos formação básica em ciência política e cursos de extensão para a população entender melhor o que é uma imprensa e qual o seu papel na vida pública. A jornalista reforça que, de fato, é uma situação completamente nova: a partir do momento em que chegou à nossa porta, percebemos que o jornalista tem um papel de questionar as autoridades. “O que está sendo feito?” “Como que o país está se preparando?” “Qual será a postura adotada pela secretaria de saúde?”.
Mediador
Fabiano Andrade, repórter da Rede Globo, reforça que o jornalismo sempre é importante, a qualquer momento. “Tenho visto que mesmo o pessoal que compartilha fake news sistematicamente, em momentos de aperto como esse, acaba recorrendo à imprensa tradicional. Porque sabe que tem fonte, sabe que foi um trabalho jornalístico de ouvir as pessoas e de filtrar a informação. Eu sempre confio no trabalho jornalístico. Acho que é fundamental para o enfrentamento, para a conscientização da população”. Entretanto, Fabiano Andrade acredita ser necessária uma linha de corte. Pois, em muitos casos, as notícias e informações divulgadas podem definir as ações da população. “Não é qualquer pesquisador ou qualquer pesquisa que pode ser divulgada como notícia”.
O pesquisador Sérgio Euclides salienta que a responsabilidade da imprensa é informar. “Então se há diferentes pessoas defendendo diferentes posições, a imprensa tem que informar as diferentes posições. Mesmo que editorialmente os grandes veículos hoje se posicionem de determinada maneira. Só o fato de dar voz, dar espaço para os pensamentos diferentes, já é uma forma de disseminar posições contrárias. E isso termina, involuntariamente, criando confusão para a população”.
Por exemplo, Fabiano lembra que no mesmo dia leu em determinado veículo acerca de uma pesquisa que “o isolamento social não adiantou de nada” e, em outro veículo, “graças ao isolamento social o número é 10 vezes menor do que o projetado”. Diante de versões tão diferentes, ele entende que não precisa ser repetido a mesma informação. “Mas é importante dar ouvidos apenas a estudos que tenham sofrido revisões sistemáticas em suas teorias”, afirma. “Porque pesquisas em fases iniciais, coisas que estão começando podem cair por terra. O pesquisador ou especialista que vai tratar de determinado assunto tem que já ter avançado no estudo. Nesse momento, a imprensa, ao sair dizendo qualquer coisa de qualquer pessoa, pode estar realizando um desserviço. Até porque informação demais também faz mal, quando se trata de uma informação exagerada, informação sem filtro, sem critérios. Enfim, para que serve isso? É um serviço ou é só excesso de informação?”, questiona.
Assim como Fabiano, Joédson Alves, fotojornalista que atua para a Agência Espanhola de Notícias Efe, com 26 anos de profissão, acredita que além de colher, apurar, mostrar e divulgar as notícias diariamente, o jornalista exerce uma espécie de contra-poder, cuja autoridade, delegada pela sociedade, lhe permite fiscalizar as instituições em nome do interesse público, realizar a função de ponte entre a população e as autoridades, publicando as informações oficiais. “Nós damos esse apoio para a população. Por meio de fotografia, vídeo, escritas, ou audiovisuais. Você liga a sua televisão e consegue se informar de uma maneira relativamente boa e rápida. Essa é a importância do jornalismo nessa pandemia, de estar sempre presente e tentar fazer a coisa melhor possível”.
Por Geovana Oliveira
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira