Opinião: “é sério isso?” jornalismo esportivo, racismo, omissões e possíveis caminhos

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“É sério que vocês vão me perguntar do jogo?”.

A pergunta do jogador Luighi, do Palmeiras, para o canal oficial de TV da Conmebol, que é a Confederação Sul-americana de Futebol, além de representar uma aula de jornalismo, deveria iluminar outras tantas questões e algumas respostas de quem trabalha e estuda a atividade e o campo da comunicação.

O adolescente, vítima de racismo durante uma partida de futebol no Paraguai, se surpreendeu ao ouvir de jornalistas (sim, de jornalistas!), com microfone e câmera nas mãos, questionamento sobre o resultado na partida do time dele Sub-20 contra o Cerro Portenho (3 a 0 para os brasileiros).

E ele tinha toda razão. O resultado não significava nada para ele. E não deveria significar nada de muito especial para ninguém que estivesse assistindo.

Mas por que significaria, então, para os jornalistas?

Por que estariam ansiosos por fazer uma pergunta inútil e que não representaria nada de novo? Não teriam visto o crime de racismo que chegou a interromper momentaneamente a partida?

Seria para cumprir um protocolo? Como canal oficial, é proibido falar de crimes que acontecem durante o evento? Isso seria muito grave. Deixa de ser jornalista quem trabalha em canais oficiais?

Perguntas como essas remetem a debates fundamentais para quem trabalha na base da formação dos jornalistas.

E o caminho não parece tão complexo

Jornalistas são profissionais da informação que devem privilegiar o que mais afeta a sociedade.

Não parece difícil entender que o racismo interfere mais no mundo do que o resultado de um jogo, que vai ser esquecido antes desse texto ser terminado.

Mas, de fato, como tema complexo e dolorido, precisa ir além do protocolo.

O microfone deveria estar aberto para denunciar o crime.

O juiz deveria ser questionado sobre por que a partida não foi encerrada.

O delegado da partida deveria ser perguntado o que seria feito a partir de agora.

O chefe de polícia deveria ser encontrado para explicar por que os agressores não foram detidos.

Algum dirigente da confederação precisaria falar que tipo de campanha educacional foi feita naquele jogo.

No mínimo.

E não depois.

Na hora.

Tantas perguntas para fazer… Por isso, pode parecer mais simples, ainda que covarde e irresponsável, perguntar apenas sobre o resultado do jogo.

Não é verdade que crimes de racismo ocorrem apenas em estádios de países vizinhos.

Óbvio. A cobertura jornalística brasileira, e também de canais não oficiais, é omissa.

Os repórteres estão no campo, atentos aos atletas-estrelas, e de costas para arquibancada. Não podemos.

Como ignorar milhares e centrar atenção apenas em pouco mais de 50 pessoas, entre atletas, arbitragem e comissões técnicas?

Os cânticos das torcidas brasileiras são violentos, chamam para briga, gritam racismo e muita homofobia. Basta ouvir.

Compreender a degradação civilizatória no nosso país exige de todos nós responsabilidade extrema em todas as áreas de cobertura.

Não apenas no esporte.

Evoluímos na legislação, mas há momentos em que a sociedade se comporta de forma medieval.

Por isso, a orientação aos repórteres-universitários e profissionais deve ser o de abrir os ouvidos e os olhares.

É parte de nossa formação e o esperado para profissões humanistas.

Não ocasionalmente, mas todos os dias.

Precisamos ter uma resposta para o Luighi: “é sério isso?”

Luiz Claudio Ferreira

professor responsável pela Agência Ceub

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