Elas deixaram de ser domésticas para estudar e concretizar sonhos

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Uma pesquisa da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), divulgada em março, chegou à conclusão que, entre os anos de 2016 e 2017, entre as mulheres que trabalhavam, 16% das empregadas domésticas no DF. A maioria, negras e de baixa escolaridade. Como essa profissão não é o sonho delas, há quem consiga interromper o ciclo, estudar e mudar de vida.

A professora Maria Aparecida dos Santos, e a técnica de enfermagem, Iris de Jesus, tiveram passados parecidos e uma reviravolta na vida. Ambas de família humilde, tiveram que sair de suas casas ainda crianças para trabalhar como domésticas e ajudar a família.

Professora Cida começou a trabalhar aos 12 anos. Foto: Arquivo pessoal

Maria Aparecida, 41 anos, é a mais velha de quatro irmãos. Começou a trabalhar com apenas 12 anos. Iniciou como babá e logo depois passou a ser empregada doméstica. “Minha infância foi bem difícil. Depois que meu pai sofreu um AVC tive que começar a trabalhar, pois fomos despejados logo após que ele adoeceu. Fomos para uma invasão, onde nossa casa era de madeira e lona”.

Como era muito nova, trabalhava sem remuneração, e os patrões ajudavam a família com comida, roupas e o que mais precisassem. Trabalhou em oito casas, chegando até a morar em uma delas. Nessa casa, teve que parar de estudar, já que a patroa só chegava às dez horas da noite e não podia deixar as crianças sozinhas. “Ter que parar de estudar era muito difícil para mim, pois era uma coisa que eu gostava muito”.

Iris de Jesus, 41 anos, morava no interior do Maranhão e aos 14 anos ia trabalhar na roça e ajudava sua mãe a cuidando de seus irmãos mais novos, depois de repetir pela segunda vez a quarta série do ensino fundamental, sua tia de criação a levou para morar com ela em uma cidade vizinha, e lá começou a trabalhar como doméstica.

Com 21 anos, e deixando no Maranhão seu filho de oito meses, Iris decidiu embarcar rumo a Brasília para terminar o ensino médio e conseguir fazer uma faculdade. “Partiu meu coração. Foi uma decisão muito difícil e dolorosa ter que deixar meu filho. O meu objetivo era vir pra cá, estudar, arrumar um emprego e mandar dinheiro para a minha família”.

“Futuro era luxo”

A estudante de enfermagem Íris veio do Maranhão para tentar a vida na capital. Plantões, estudos e sacrifícios na rotina. Foto: Arquivo pessoal

Iris trabalhou durante três anos em casas de família, como o trabalho era puxado e muitas vezes não conseguia ir para a escola, decidiu então procurar emprego no comércio. Ingressou em uma livraria até conseguir terminar seu curso em técnica de enfermagem, após o término do curso conseguiu um emprego no Hospital Santa Helena, onde trabalha atualmente.

“O meu foco sempre foi estudar e conseguir sempre o melhor. Escutava era muito as pessoas falando ‘Ah, estou fazendo a graduação! ’ ou ‘Já estou quase me formando! ’. Eu queria muito fazer faculdade, mas para mim tudo isso era luxo. Porém eu não iria deixar me abater. Me esforcei, comecei a trabalhar em dois hospitais com plantão de doze horas cada, saía de um hospital e ia para outro. Com a ajuda do Fies consegui me inscrever na faculdade. E hoje estou no sétimo semestre de enfermagem”, relata Iris.

Ainda trabalhando como doméstica, Maria Aparecida tomou a decisão de fazer faculdade. Escolheu pedagogia, e nos horários de almoço, no trabalho, ela estudava. Chegava em casa e corria para a faculdade, era uma rotina intensa. “Minha família sempre apoiou, principalmente minhas irmãs, elas me motivaram quando nem eu acreditava em mim. Não foi difícil conciliar trabalho com estudo porque sempre trabalhei e estudei, era cansativo, mas a vida sempre me exigiu alguns sacrifícios”.

PEC DAS DOMÉSTICAS

Em abril de 2017, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2012, conhecida como a PEC das Domésticas, completou 4 anos. A grande conquista para as empregadas domésticas foi uma jornada de trabalho de 8 horas por dia, totalizando 44 horas semanais. Com essa jornada, elas passam a ter hora extra, caso trabalhem além do horário contratado.

Atualmente, entre os benefícios assegurados as empregadas domésticas estão: salário maternidade, auxílio doença, aposentadoria por invalidez e idade, auxílio acidente, tempo de contribuição, pensão por morte, auxílio reclusão, entre outros.

Mulheres negras e exploradas

O Boletim Especial Mulheres, que analisa a inserção feminina no mercado de trabalho do DF, comparando os dados de 2017 com o ano de 2016, mostra estatísticas desse tipo de trabalho, mas, conforme as entrevistadas revelam, cercadas de muita exploração e baixos salários. O boletim usa como fonte de informações os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego no Distrito Federal (PED-DF). Em um estudo feito pelo o Instituto de pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Ministério do Planejamento e a ONU Mulheres, traz um processo evolutivo do trabalho doméstico de 1995 a 2015. Os resultados mostram a predominância de mulheres negras com o passar do tempo.

Em 1995, havia 4,7 milhões eram trabalhadoras domésticas, sendo 2,6 milhões delas negras e pardas. Vinte anos depois, em 2015, o número de profissionais cresceu para 5,7 milhões de mulheres. Dessas, 3,7 milhões eram negras e pardas.

O nível de escolaridade em 1995, era em média de 4,2 anos de estudo, para a mulheres brancas, as negras eram de 3,8 anos. Em 2015, o nível escolar evoluiu, 6,9 anos para as brancas e 6,6 anos para as negras.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2017 o Brasil empregou cerca de 7 milhões de pessoas no setor. Sendo três empregados para cada grupo de 100 habitantes.

As ocupações ligadas aos serviços domésticos são eminentemente femininas, elas representam mais de 90% dos ocupados inseridos neste segmento. Entre 2016 e 2017, destaca-se o crescimento de 28,5% das empregadas domésticas diaristas e assalariada sem carteira de trabalho assinada, apenas no DF. No Brasil, no ano passado, o trabalho doméstico correspondeu há 6,8% dos empregos no país, e 14,6% dos empregos formais das mulheres.

Com um perfil predominante feminino, afrodescendente e de baixa escolaridade, o trabalho doméstico enfrenta desigualdade e preconceito, e isso vem alimentando nas mulheres que exercem esse serviço uma nova identidade, um novo perfil. Elas buscam por mudança, a vontade e a sede de conquistar algo melhor, não só para elas, como também para seus familiares.

Por Amanda Christina

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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