Antes de mais nada, é preciso fazer uma volta no tempo para entender de onde surgiu esse polêmico projeto. A ideia tem origem com o Movimento Escola sem Partido surgiu em 2004, pelo então procurador do Estado de São Paulo, Miguel Nagib. O projeto surgiu como uma resposta a um suposto uso do ensino para fins político ideológicos e partidários, que em seu ponto de vista representam doutrinação e proibição da liberdade do estudante em aprender.
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O projeto proibiria os professores, no exercício de suas atividades, de promover os seus próprios “interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias; favorecer, prejudicar ou constranger os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas e fazer propaganda político-partidária em sala de aula ou incitar seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas”.
“A história é parcial”
A grande polêmica em torno desta concepção gira na órbita da suposta perseguição e censura que seria imposta juntamente ao corpo docente, abrindo espaço para a perseguição política e partidária. Para Davi Leibnitz Carvalho, professor de história o projeto deveria focar-se em “buscar que o professor não tente impor uma opinião aluno, mas que ele exponha a sua opinião e dê oportunidade para o aluno buscar outras visões sobre o assunto. A história é parcial, as nossas escolhas e nossas maneiras de lecionar são parciais, não tem como ser imparcial”, complementa o historiador.
Confira entrevista
Os apoiadores do projeto justificam que a educação deveria ser neutra, como exemplificado no segundo artigo disponível no site do projeto, a “educação atenderá aos seguintes princípios: neutralidade política, ideológica e religiosa do estado.” O segundo ponto defendido pelos apoiadores é de que os alunos são uma “folha em branco”, sendo suscetíveis a opiniões externas, e é aí que a “doutrinação” ideológica dentro de sala de aula entra em pauta. Na opinião deles, os alunos deveriam ser livres para escolher os seus caminhos ideológicos e pessoais, sem interferência externa.
Outro fator determinante para esta opinião é a de que os pais não querem que seus filhos tenham esse tipo de educação na escola (política, social, sexual, etc), educação que deveria ser realizada dentro de casa, e não por influência do ambiente de ensino. Os adeptos sustentam que o estudante tem que receber uma educação que esteja de acordo com os princípios da família do aluno.
Os contestadores indicam que o Escola sem Partido incita a intolerância às minorias, sobretudo após o grande debate acerca do ensino da ideologia de gênero nas escolas, baseado nas declarações do recém eleito presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PSL), citando diversas vezes o “kit gay” (um projeto que, de fato, nunca existiu) , que supostamente teria sido distribuído nas escolas da rede pública pelo Ministério da Educação (MEC), além de gerar insegurança na sala de aula. O Escola sem Partido é uma das principais bandeiras de Bolsonaro.
Ana Caroline Campagnolo (PSL), deputada recém eleita pelo partido de Bolsonaro no estado de Santa Catarina, promoveu polêmica no último mês, incitando alunos a filmarem professores que cometessem tais “doutrinações” e enviarem os vídeos para a deputada, informando nome do professor, cidade e nome da escola. A delegada argumenta que os alunos precisam policiar seus professores, denunciando “manifestações político-partidárias ou ideológicas”. O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) abriu um inquérito para apurar uma possível violação ao direito à educação dos estudantes.
“Tira a subjetividade dos professores”
Denise Xavier, professora de história da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sugere que o projeto gera um certo medo, uma certa mordaça ao professores. “Você acaba tirando a subjetividade dos professores, você acaba negando que os professores são sujeitos e que os alunos também são sujeitos que têm opiniões próprias, e que a escola está dentro da sociedade, e assim como eu vou divergir na sociedade eu também vou divergir na escola. É o espaço de aprender com os diferentes”.
Professora explica abaixo que projeto é uma “mordaça”
O Ministério Público Federal em Chapecó (SC) recomendou às instituições de ensino superior da região e gerências regionais de educação, que se abstenham de qualquer atuação ou sanção arbitrária e, mesmo, que impeçam qualquer forma de assédio moral a professores, por parte de estudantes, familiares ou responsáveis. A recomendação atende as instruções recebidas pelo Ministério Público Federal (MPF), em decorrência do caso envolvendo a deputada do PSL.
A proposta ainda tem que ser votada para entrar em vigor, mas o debate já polariza opiniões. Embora se discuta muito, os lados não se escutam e pouco se avança na construção de um consenso. O projeto de lei tramita na Câmara dos Deputados e no Senado. Para Denise Xavier, o projeto é “mais uma pedrinha para afundar de vez o magistério como sonho de muita gente”. Confira entrevista abaixo.
Por Thiago Cotrim