Quando o brasiliense Caio Bonfim tentou dar os primeiros passos, as pernas não colaboraram. Arqueadas, elas complicam o equilíbrio do garoto. Dos médicos, veio um diagnóstico alarmista para a família, de que ele enfrentaria limitações de mobilidade e que, possivelmente, passaria por várias cirurgias.
“Depois da primeira intervenção, o médico me falou que ‘me fez’ para ser no máximo um jogador de dominó, nunca um atleta, principalmente um que dependesse totalmente das pernas.
A ideia era que as pernas entrassem de novo e eu passasse por outras cirurgias até ter maturidade óssea. Mas nunca mais entortaram”, conta o principal nome brasileiro da marcha atlética.
Herança familiar
Mesmo que a mobilidade não fosse a melhor nos primeiros anos, ele criou uma relação de intimidade com a modalidade desde o “berço” em função da herança familiar.
A mãe dele, Gianetti Oliveira de Sena, foi oito vezes a melhor do país. O pai, João Sena, era o técnico de Gianetti.
Assim, a infância de Caio foi ao lado de pistas de atletismo do Distrito Federal, onde nasceu, e de vários cantos do país.
“Toda vez que minha mãe ia marchar, eu brincava muito com ela e sabia fazer a técnica. E meu pai me dizia: ‘Sua forma física é boa. Se você encaixar isso com a técnica que tem, dá para brincar'”, recorda Caio.
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De tanto o pai insistir, um dia Caio topou o desafio. Pela atividade física ele passou a criar espaços de desenvolvimento crítico, respeito às diferenças, solidariedade e coordenação. “Também contribuiu na promoção, prevenção e reabilitação da saúde física e mental”, disse.
Na faculdade
Caio seguiu os passos da família e cursou a faculdade de educação física, em uma universidade pública. Quando jovem, ele conta que a área já agregava o incentivo do esporte, porém, não houve um recurso financeiro na educação para os atletas.
A partir dali, Caio foi para a Copa Pan-Americana, conquistou índice para o Mundial e voltou para casa como o 12º do mundo em sua categoria.
“Quando vi, já era marchador, estava apaixonado por essa prova e com a sensação de voltar para casa e falar para si próprio: ‘Sou um atleta'”.
Nada foi tranquilo
Se hoje é sete vezes campeão da Copa Brasil, com três participações olímpicas e um quarto lugar na Rio 2016, a trajetória de Caio não foi tão tranquila quanto o currículo indica.
Não raro teve de conviver com o preconceito de quem enxerga nos movimentos da mobilidade um sinal de feminilidade e viveu, em Londres 2012, a amargura de um abandono precoce num momento em que se julgava em ótima forma.
“A lição que posso passar é de perseverança, para as pessoas não desistirem nas adversidades. Vai batalhando que uma hora dá certo”.
Incentivo
Caio passou a treinar com incentivo dos pais, Ele faz parte do Centro de Atletismo de Sobradinho (Caso), coordenado por seus pais e técnicos, João Bonfim e Gianetti Sena – primeira brasileira a ganhar uma medalha internacional na modalidade.
No currículo do esportista de 32 anos estão duas medalhas de bronze – uma no Mundial de 2017 e outra nos Jogos Pan-Americanos de Toronto 2015 – e uma de prata nos Jogos Pan-Americanos de Lima 2019.
Apesar do apoio, a bolsa não foi suficiente para manter os gastos com equipamentos, viagens e competições internacionais. A solução para manter o alto rendimento até hoje, veio através de patrocinadores.
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“O cenário em 2019 estava muito mais difícil, muito obscuro, com várias provas canceladas; e, com as Olimpíadas adiadas, deu mais tempo para planejarmos mais, A lição que posso passar é de perseverança, para as pessoas não desistirem nas adversidades. Vai batalhando que uma hora dá certo”, comentou o atleta.
Sem tradição no país, a marcha atlética é pouco conhecida do grande público. Caio é um desbravador e um embaixador do esporte. No último mês de abril, ele atingiu o índice olímpico e já garantiu seus primeiros passos rumo às próximas Olimpíadas, em Paris, 2024.
Gerações futuras
A atual grande promessa do Brasil do salto ornamental para os Jogos Olímpicos, o piauiense Kawan Pereira nem sabia do que se tratava o esporte, na verdade.
Mas o técnico, que o havia visto comemorar os gols no gramado sintético do Centro Olímpico do Gama, foi irredutível.
Aqueles “mortais” para festejar revelavam talento para um esporte mais desafiador e desconhecido do que o futebol. Um talento que fez com que ele fizesse história nas Olimpíadas de Tóquio.
Na vida adulta, procurou fazer faculdade e aperfeiçoou os treinos no Centro de Excelência da Universidade de Brasília (UnB). “Aquilo teve significado de dever cumprido. Passou um filme na cabeça de quando cheguei nos saltos, onde eu não tinha nada”, afirmou.
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Na época eu não sabia o que eram os saltos ornamentais. O treinador chegou e me disse: ‘vamos fazer uma seletiva para os saltos?’”’. Eu respondi que sim, mas nem tinha ideia do que era. Eu era só uma criança de dez anos, e para mim só foi um esporte novo. Mas acabei gostando”
Quando diz que nada tinha, não é força de expressão. Kawan nasceu em Parnaíba (PI), cidade que fica a 337 km da capital Teresina – foi o único nascido no estado a ir à última edição das Olimpíadas.
O pai, Jorge Luís Pereira, deixou a família quando tinha apenas três anos. Coube à mãe, Antônia de Maria Monteiro Figueiredo, criar o pequeno e seus irmãos, Shawan e Amanda.
“Minha mãe sempre nos criou desde pequenos sozinha. Ela sempre foi meu pai e minha mãe e é meu orgulho. É de onde tiro minhas forças”, apontou.
Atrás de uma condição financeira melhor, mãe e filhos se mudaram para Brasília quando Kawan tinha oito anos. Antônia trabalhou como empregada doméstica em casas da capital federal e de cidades vizinhas, mas os rendimentos geralmente não quitaram os boletos.
Antônia bem que tentou financiar uma faculdade para o filho, mas Kawan não tinha recursos para manter os estudos, até mesmo através do esporte. Kawan fez aquela peneira improvável para os saltos ornamentais e passou.
Sem dinheiro para a sunga
O começo por diversão logo virou assunto sério. A brincadeira virou rotina, o jovem de 21 anos começou a treinar diariamente.
As dificuldades financeiras impedem que ele tivesse, no entanto, elementos básicos para a prática da modalidade. Como uma mochila. Ou até mesmo uma sunga.
“É até difícil de falar. Minha mãe não tinha condição de comprar uma mochila. Aí, para ir ao treino, eu pegava uma sacola de mercado, colocava uma toalhinha, e a sunga eu tinha conseguido emprestada com um treinador meu. Não era nem minha. Até me arrepiei falando um pouco para falar porque foi difícil”, comentou.
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Apesar dos improvisos, o menino, dedicado, logo passou a participar – e ganhar – de campeonatos regionais. Em seguida, de estaduais. Em questão de meses, já fazia parte de seleções de base e passou a enxergar novas possibilidades. Um mundo inteiro se abriu à sua frente.
A bagagem adquirida ali fez com que tivesse o melhor resultado da história de um brasileiro na plataforma em Tóquio. Hoje com uma situação financeira mais cômoda – recebe bolsas e outros auxílios -, Kawan sonha grande.
“Pode esperar que eu vou ser medalhista olímpico”.
Por Gabriel Teles
Edição de Luiz Claudio Ferreira