“Eu queria ser enxergada como humana”, diz artista trans

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A intensidade é a sua marca registrada. Seja em suas palavras, seja em suas emoções, ela não esconde o que sente. Na pele de Zaia Ângelo, artista trans de 22 anos, viver é uma experiência amplificada, onde cada alegria, tristeza e dúvida transborda de uma forma poderosa.

Não sabe ser nada além dela mesma, e nem tem a intenção de tentar. “Se eu estou triste, eu vou demonstrar o quão triste eu estou. Se eu estou alegre, eu vou demonstrar o quão alegre eu estou”.

Desde criança, ela diz que usa o poder de transformação da arte para canalizar o que há dentro dela e criar algo com aquilo.

E antes de ter qualquer a intenção de torná-la seu trabalho, a arte sempre foi uma ferramenta para liberar e jogar um pouco de si para fora. Pintura, escrita, moda, jornalismo, poesia: sempre tem algo para ocupar (e desocupar) a mente dessa geminiana. 

Mesmo recebendo, hoje, um reconhecimento internacional como artista plástica, a maioria de suas criações não foram publicadas. É sozinha, entre quatro paredes e no seu cantinho, que se sente ela mesma e passa pela parte mais prazerosa do processo criativo. E provavelmente as mais verdadeiras de suas obras não estão em museus, livros, desenhos ou redes sociais. 

Acostumada com entrevistas, ela já se acostumou a ser questionada apenas sobre dois aspectos: seu trabalho artístico e sua vivência como mulher trans. São bandeiras que ela levanta com orgulho, mas que acabam criando uma limitação na forma como é percebida. “Eu queria ser enxergada mais como humana… uma pessoa que ama, que erra, que tem seus momentos difíceis”. 

Mesmo sem querer entrar nesse recorte, sabe que por ser uma mulher trans, precisa provar seu valor dez vezes para que seu talento seja reconhecido. E o mundo lá fora pode cobrar essas mulheres de forma desproporcional e agressiva. Zaia, por vezes, sente-se presa aos papeis que lhe foram atribuídos. “Eu queria ser vista como uma pessoa comum”, ela diz. “As pessoas me veem com muita força, e não que isso seja um problema, mas chega num ponto em que não conseguem me enxergar de outra forma.”

Não dá para ser guerreira o tempo inteiro

Acontece que toda essa expectativa pode virar uma prisão, e o problema de ser vista como forte demais é que o outro para de esperar (e, às vezes, aceitar) qualquer tipo de fraqueza.

Mas para além do que os outros esperam dela, Zaia é mais do que uma mulher LGBTQIAPN+ que tem que lutar e ser guerreira o tempo inteiro.

E, nesse sentido, sente que tanto o seu sucesso precoce quanto suas bandeiras levantadas acabam tirando um pouco o lugar para a sua humanidade. 

Medo

Como qualquer ser humano, Zaia sente medo, questiona-se sobre seu próprio valor e seu trabalho, gostaria de ter uma autoestima melhor, sente-se sozinha, lida com as próprias sombras, dores e lutos.

Apesar da imagem pública de força que carrega. E é nesse ponto que ela busca ser vista não apenas como uma pessoa forte, mas como alguém que está aprendendo, errando e se descobrindo ao longo do caminho. 

Para além de tudo, é uma pessoa em busca de equilíbrio e paz de espírito que, hoje, foge da necessidade de demonstrar excelência a todo custo, trabalha para abraçar suas falhas e passar a se cobrar menos. Aceita com mais leveza a possibilidade de ser vista além da perfeição, como uma artista que, assim como qualquer outra pessoa, tem seus vazios e está sempre em transição.

Goiana

Saiu de Goiânia para viver na capital, Brasília, uma cidade onde se sente sozinha, sem toda a rede de apoio que antes tinha por perto. Essa solidão, aliada a duas grandes perdas – o término de um relacionamento e a morte de sua avó – a mergulhou em um período de luto intenso. Esses dois lutos, dolorosos e solitários, também a impulsionaram a buscar novos hobbies e formas de expressão.

O mais recente de seus hobbies, a costura, começou como uma atividade terapêutica que acabou se desdobrando em algo muito maior. Pouco tempo após começar, ela foi aprovada em um projeto de incentivo a novos estilistas em Brasília, que oferece um orçamento de R$ 5 mil para financiar suas criações.

“A primeira coisa que eu vou costurar será o meu primeiro desfile”, revela com entusiasmo. 

Por ser muito intensa, confessa uma dificuldade de não se entregar para o que faz. “Eu sei que só entro nas coisas com muita intensidade”, ela ri.

E até tem trabalhado em relações e atividades mais superficiais, mas lá no fundo sabe que foi essa sua intensidade que a levou aos lugares que mais se orgulha de ter chegado. É por causa dela que tem uma facilidade de transformar tudo que toca em ouro, tudo que cria em algo vivo e colorido. Mesmo que a vida real não esteja tão colorida assim (nem sempre está). 

Em suas próprias palavras, ela é uma mulher que está se formando, tanto na carreira quanto na vida pessoal. Em constante evolução, abraça as oportunidades que surgem com a mesma intensidade que define seu ser. Acima de qualquer rótulo, bandeiras e expectativas, é humana.

Por isso, não sabe exatamente onde vai chegar, mas é corajosa o suficiente para descobrir enquanto caminha (mesmo com medo). 

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Por Ana Luiza Moraes

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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