O dia deles já começa logo cedo. Chegam ao trabalho por volta das 7h, trabalham, em média, 12 horas por dia debaixo de sol ou chuva. As dificuldades são de todo o tipo. Elas assombram a vida dos lavadores e guardadores de carro dos estacionamentos públicos do Setor Comercial Norte, em Brasília. Os “flanelinhas”- como são popularmente conhecidos – também sofrem com os obstáculos para regularizar seu trabalho.
Albeci Silva, 43 anos, é um deles, e já adquiriu a confiança das pessoas que estacionam todos os dias no mesmo local. Com orgulho, exibe a carteira de motorista e a licença para trabalhar como lavador e guardador de automóveis. “Manobro carros de todos os tipos, mas quando estou bebendo não dirijo”, ressalta. Cadastrado há dois anos, ele conta que para quem tem passagem pela polícia, é mais difícil conseguir a credencial, fato que acaba desmotivando muitos flanelinhas a se registrarem. O espaço de trabalho durante o dia se transforma em moradia à noite. Sem residência, Albeci dorme em um local ao lado do estacionamento no qual trabalha. Com a lavagem dos carros e algumas moedas que recebe por vigiar os veículos, ganha em torno de R$ 600 por mês, além de contar com a ajuda do programa Bolsa Família.
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Um guardador que não quis se identificar diz ser cadastrado, embora não estivesse com a credencial e o colete no momento da entrevista. Morador de São Sebastião, ele pega dois ônibus até chegar ao local de trabalho, por volta das 8 da manhã. A falta de emprego como ajudante de pedreiro o fez mergulhar na profissão de lavador de carros, a qual exerce há 10 anos.
Para ele, a maior dificuldade é a desconfiança da população com seu trabalho. “Muitos motoristas têm medo, acham que a gente vai fazer alguma coisa. De noite aparecem uns adolescentes que gostam de intimidar as pessoas para conseguir dinheiro. Mas nós, que estamos aqui durante o dia, não somos assim”, desabafa. A água para lavar os veículos vem dos hidrantes espalhados pela região e são armazenadas dentro de latas de tinta.
Simone Aparecida, 38 anos, também lava carros no Setor Comercial Norte. Nunca teve outra profissão, e começou a trabalhar como guardadora de veículos ainda na infância, aos 9 anos de idade. Moradora da Estrutural, ela vai ao trabalho todos os dias no carro do marido, que trabalha com fretes e mudanças. Cadastrada há 8 anos, ela conseguiu a credencial logo em seguida à assinatura do decreto que normatizou a profissão de lavadores e guardadores de veículos no Distrito Federal, em julho de 2009. Quando questionada quanto ela recebe por mês, Simone diz não saber ao certo “Não faço ideia do quanto tiro por mês, mas dá para pagar as contas.”
“Podiam ser regularizados”
Se, por um lado, as dificuldades assombram o cotidiano dos lavadores de carro dos estacionamentos públicos do centro de Brasília, por outro, motoristas ouvidos pela reportagem lamentam a situação de falta de estacionamentos e de cadastro dessas pessoas que trabalham nas ruas.
A economista Maria Zélia, de 52 anos, reclama da dificuldade de achar vagas na região: “Eu paro no estacionamento público só quando eu não estou com pressa, senão eu pago o estacionamento”, diz. Para ela, a regularização dos lavadores de automóveis traz mais segurança à população: “É claro que
quando os flanelinhas são uniformizados a gente sente mais segurança, é importante até para a segurança deles mesmos, mas ainda assim vejo muitos sem ser cadastrados”, ressalta.
Já o advogado João Marcos dos Santos, de 46 anos, defende os serviços dos lavadores de carro. “Eu sempre ajudo os flanelinhas com o que tenho, muitas vezes eles são marginalizados, mas estão realizando um trabalho como outro qualquer”, explica. Ele ainda ressalta que não costuma parar em estacionamentos privativos porque acredita que cobram preços elevados. “Os estacionamentos se aproveitam da falta de vagas e cobram preços muito altos. Prefiro pagar um valor mais justo para os guardadores”, diz.
Até alistamento militar…
Em setembro de 2009, entrou em vigor a Lei Federal nº 6.242, que regulariza a profissão de lavadores e guardadores de veículos, mediante Delegacia Regional do Trabalho Competente. Para se cadastrar, os flanelinhas têm dificuldades de conseguir documentação. É exigido que apresentem alguma comprovação de identidade com foto, atestado de bons antecedentes, certidão negativa dos cartórios criminais de seu domicílio, provar que está em dia com as obrigações eleitorais e, caso necessário, comprovante de quitação com o serviço militar.
Além disso, eles devem se inscrever na Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest), onde realizam um curso de capacitação no local. Também devem ter frequência mínima de 80% em curso de oito horas de duração sobre leis de trânsito e direito do consumidor, usar colete e crachá de identificação — a qual vale por um ano —, não fazer ligações clandestinas de água e não estar embriagado no local de trabalho.
Por Sofia Corrêa
Supervisão Luiz Claudio Ferreira