Freira na Bahia, que é viúva e teve nove filhos, ajudou a fundar 3 igrejas

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“Padre Vanilson, eu sei que eu tô contando os meus dias. Quando eu for, não abandone minha ‘véia’, não, porque eu gosto muito dela. Quero que vocês morram sendo amigos”. Essas foram palavras de João Luis dos Santos, aos 61 anos, cinco meses antes de morrer. João era marido da Irmã Jesuíta. 

Religiosa, mãe de nove filhos, avó, costureira e “bombril” (como se apelida, por fazer de tudo um pouco), Maria Jesuíta Francisca Xavier, de 67 anos, contou que sonhou com tudo que viveria em sua vida. E, com o destino de seu relacionamento, não foi diferente. Antes mesmo do dia 10 de fevereiro de 1939, data do pedido de casamento, a Irmã afirma: “Sonhei que eu ia casar, mas que eu ia ficar viúva”.

“Isso me doía muito porque eu ficava dizendo que era mentira. Eu botava na minha cabeça: gente, isso é mentira, isso não pode ser verdade. Eu não posso perder meu esposo, eu não posso viver com esse tanto de filho sozinha”, lembra.

Jesuíta conta que teve vários dos seus sonhos realizados durante a vida. Além do sonho sobre seu relacionamento, também já havia visto como seria sua casa com João Luís e como seria uma das três igrejas que ajudou a fundar em São Sebastião, em Brasília, nomeada como Divino Pai Eterno.

Após quatro anos, sete meses e oito dias da descoberta dos mais de um tipo de câncer do seu marido, as visões dolorosas da costureira tornaram- se reais. Então, viúva aos 60 anos de idade, Maria Jesuíta migrou para viver em conventos.

Rotina

Hoje, no convento Rosa Mística de Bom Jesus da Lapa, interior da Bahia, o alarme da freira toca 5h30 da manhã para tomar seu banho e preparar a refeição mais importante do dia para todos da casa. Quando o ponteiro do relógio marca 6h20, com o café da manhã pronto e as mesas postas, a capela e as missas são suas ocupações. Logo após, é momento de conferir se há alguma função na lavanderia. 

Com as roupas batendo na máquina, a Irmã volta para ajudar na organização e louças sujas da primeira refeição. Freiras e aspirantes servidos? Hora de preparar o almoço: “Arroz, feijão, carne, salada, macarrão: “O que tiver pra fazer, eu faço”.

A comida é preparada junto a Dona Nicinha, outra trabalhadora da casa.  Às 14 horas encerra seu horário de almoço e inicia- se a adoração do Santíssimo, até às 15h20. “E entre tudo isso eu costuro, eu arrumo o meu quarto, eu lavo a minha roupa, eu passo a minha roupa. E eu me viro”. Mas a regra é clara: pode faltar tudo no dia da religiosa, mas suas orações, não. “Eu largo tudo, a oração vem em primeiro lugar”.

“Eu não tive chamado, eu vivi o meu chamado”

Desde de que se entende por gente, Maria era acompanhada nas igrejas para trabalhar na liturgia, como coroinha e ajudar em tudo o que fosse preciso. Era sempre convidada para as rezas para cantar. E adorava, porém fazia tudo de maneira escondida: “Eu nunca gostei de ficar a frente de nada”.

Nós duas estávamos sentadas em duas cadeiras de madeira que ela mesmo tinha separado para a nossa entrevista, na varanda do seu quarto de Bom Jesus da Lapa. Irmã Jesuíta me contou que, por vezes, o cuidado com o próximo é tão grande, que esquece de cuidar de si mesma. “A prova tá ali, né?”, comentou enquanto apontava para as suas unhas dos pés machucadas.

“Sabe o que eu sinto? Toda a minha vida eu nasci para isso. Eu nasci com o meu chamado: de servir”. 

Missões

No meio da pandemia, do final do mês de junho para julho de 2020, a freira e mais um colega, apelidado de Luizinho, enfrentavam a missão de esquentar pessoas desabrigadas no frio extremo e de alimentá- las com sopas quentinhas que ela mesma cozinhava. “Às vezes eu dava comida a eles na boca, né? Porque eles não davam mais conta de comer por si próprios”. 

Ao ir para as ruas, a Irmã levava três blusas de frio, pois sabia que voltaria apenas com uma. Num dia, no qual já haviam doado todos os lençóis, Jesuíta encontrou um morador de rua quase sem vida por conta da baixa temperatura, tentou acordá- lo para oferecer comida, mas sem sucesso. 

Tomou uma atitude: enrolou seu último casaco nos pés do homem encontrado e foi bater de porta em porta nas casas da região em busca de um edredom. “Eu fui muito maltratada naquele dia”. 

Muitos dos seus pedidos foram negados, com muita grosseria. Ao ser atendida, recebeu um lençol jogado por cima do muro, por medo do contato muito próximo, já que era época de surto da Covid- 19. Encontrando o homem de rua novamente, perceberam que a coberta não seria o suficiente para salvá- lo do frio, e o levaram para o hospital.

No início das missões, Jesuíta passava noites com lágrimas nos olhos, sem dormir. Amanhecia sentindo- se esgotada. “Porque eu não suportava ver pessoas não terem um teto para morar, não ter um pão de cada dia para comer. A coisa que mais me fez chorar na na vida foi ouvir as pessoas assim”, explica.

“Eu dou tudo aquilo que eu tenho no meu coração, para que o outro se sinta bem. Porque amar a Deus, é amar o próximo. Ele tem defeito? Eu também tenho. Então, a gente tem que entender que todos nós temos defeitos. E nós temos que amar o outro independente de tudo que ele tiver”. 

Por Manuela Mendonça

Foto: Arquivo pessoal

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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