Intenso desde o início. É dessa forma que Chambinho enxerga o trabalho com seu time feminino de basquete. “Ih, peraí, meu nome é Raul”, é assim que o professor de educação física e basquete, Raul Silveira Júnior, de 38 anos reage quando percebe que as pessoas lhe olham estranho, após se identificar pelo apelido que adotou ainda no início da carreira, quando trabalhava na recreação de hotéis e festas.
Ele explica que os recreadores adotam os apelidos para facilitar a comunicação com as crianças e que, no seu caso, acabou pegando pra vida. “Hoje em dia, se você me encontrar na rua, primeiro eu falo que sou o Chambinho. As pessoas me olham com uma cara meio estranha, aí eu falo ‘Ih, peraí, meu nome é Raul. Mas todo mundo me conhece como Chambinho”.
O treinador da equipe de Basquete do Colégio Santa Rosa tem uma relação antiga com o basquete, desde jovem, no início da adolescência, mesma idade que as jogadoras de sua equipe tem. O sonho de trabalhar com basquete foi o que o levou à faculdade de educação física.
“Minha intenção era trabalhar com basquete. Só que a minha carreira profissional tomou outro rumo. Eu fui seguindo o rumo que ela tomou e agora estou retomando essa paixão, que é trabalhar com a formação de atletas”, revela o professor. Hoje, assim como seus professores o cativaram pelo esporte, ele também tenta criar entre seus alunos o amor pelo esporte.
Chambinho é professor de uma escolinha de basquete no Colégio Santa Rosa, na Asa Sul, e, surpreendentemente, tem mais alunas do que alunos. Apesar de ser aberta para jovens de fora do colégio, apenas dois atletas não são seus alunos no horário escolar. Ele relata que se surpreendeu com a aceitação do basquete feminino na iniciativa.
“Agora existe um equilíbrio maior. Estou com 43 atletas, sendo 20 meninas. No começo elas eram mais da metade, uns 75% da minha turma era feminina”, explica. Segundo o professor, a equipe tem um trabalho de formiguinha quando o assunto é o recrutamento de atletas.
“Participa quem quer. Não tem seleção. Fui ganhando uns alunos da escola mesmo convidando um amigo, já veio com um colega junto. Então, como dentro da escola, ficou um pouco fácil também”, conta o professor, que destaca que a relação com os alunos em sala de aula também ajudou na entrada de atletas na iniciativa.
O educador conta que no futebol, por exemplo, as meninas têm receio, enquanto no basquete conseguem jogar de igual para igual, se motivando e sendo competitivas. Ainda assim, apesar de uma maior afinidade das meninas com a modalidade, a dificuldade ainda existe na hora de recrutar e manter jogadoras no time.
O treinador conta que apesar de ter as meninas como maioria entre seus atletas, esse cenário não é nada comum. Ele dá o exemplo do campeonato que participam, a Liga Brasília de Basquete, chamada de Liguinha. O torneio foca na formação de atletas e na inclusão do esporte na vida das crianças nas categorias sub-10, sub-12 e sub-13, que englobam de 10 a 20 equipes por categoria, porém, são todas masculinas. O cenário feminino é bem diferente, a única categoria disponível é a sub-13, que conta com apenas quatro equipes.
Times mistos
Apesar de o torneio ser predominantemente masculino, Chambinho destaca a participação de meninas em uma boa parcela das equipes. “A maioria dos times tem uma ou duas meninas jogando e levam elas para jogar com os meninos. O torneio é masculino, mas acaba sendo misto, porque todo time tem sempre uma ou duas meninas”.
O caso do professor é uma exceção. Ele conta que, no início, tinha que levar as meninas porque não tinham meninos suficientes para completar 12 jogadores necessários, mas relata que, devido a dificuldade de encontrar outras equipes femininas, já teve que convidar atletas mais velhas para jogar contra a sua equipe.
“Você vai vendo que isso é cultural. Se olhar os torneios do DF, tem 15 equipes na categoria masculina, enquanto a feminina tem 5”, lamenta o técnico.
Além disso, a situação não muda muito no cenário nacional. “O NBB tem 20 equipes, mais cinco times são de segunda divisão. Agora, o feminino tem oito, dez equipes jogando o campeonato profissional”.
O basquete mudou a cultura da escola em que Chambinho dá os treinamentos de basquete. Com as crianças abraçando a ideia e pais e amigos se incentivando, nos dias de jogo a arquibancada do pequeno ginásio do Colégio Santa Rosa se equipara aos estádios de times argentinos em suas campanhas na Copa Libertadores da América.
Torcida
No amistoso da equipe da categoria Sub-12 do Santa Rosa com a equipe da escolinha Lance Livre, no ginásio do Colégio Santa Rosa, a arquibancada vinha abaixo a cada ponto. Apesar de ser um amistoso, como os técnicos de ambas as equipes comentam com os pais enquanto pedem o incentivo a cada momento do jogo, o nervosismo já se instala antes mesmo do início da partida. Os professores e pais sabem que é apenas um jogo, mas estão cientes, também, de que a importância pras meninas vai além disso.
A equipe do Lance Livre, escolinha que treina no Colégio Santa Dorotéia, na Asa Norte, é coordenada pelo professor Ricardo e, infelizmente, não conseguiu se inscrever na Liguinha para a categoria de basquete feminino por não ter reunido a tempo o número de atletas necessários. Isso se reflete no banco de reservas do amistoso, que é disputado no formato 4 contra 4. O banco da equipe do técnico Ricardo tem apenas quatro alunas, enquanto o de Chambinho tem quase o triplo.
Segundo os técnicos, a motivação cresce ainda mais ao participarem de amistosos e competições porque o time enxerga seu potencial e capacidade de enfrentar adversários mais fortes. As famílias também são uma parte importante.
De acordo com Raul, o movimento que impulsiona a iniciativa vem desde o time ter um uniforme próprio até a torcida dos colegas, que ficam depois da aula para ver os jogos.
Embora a motivação seja fator importante para as meninas, os técnicos reconhecem que o cenário não é fácil. “O feminino sofre, você vê competição feminina com menos times, a premiação é menor. Briga direto para equiparar, mas não equipara”, comenta Chambinho.
As meninas preocupadas, de olhos atentos no portão esperando as colegas de time chegarem, a inquietação e ansiedade pré jogo vai tomando conta de cada uma enquanto estão na arquibancada aguardando a quadra ser desocupada pela escolinha de futsal infantil.
Chambinho comenta, enquanto passa o esparadrapo no dedo de uma atleta que se machucou antes do jogo: “a gente vai acumulando funções, é treinador, fisioterapeuta, psicólogo, árbitro”. Além de formarem um corpo técnico completo, Raul e Ricardo ainda serão os árbitros da partida.
Depois de longos minutos de aquecimento praticando arremessos, os times param para ouvir as instruções dos técnicos. Todas olham com a maior atenção do mundo para seus treinadores, com a impressão constante de que dali a poucos minutos o jogo será a coisa mais importante do universo.
O jogo começa elétrico, com ataques rápidos para os dois lados. O placar demora a sair do zero e o nervosismo impera em quadra, mas, com o tempo, os dois times se desamarram e os pontos começam a sair.
Alguns pais mal chegam a piscar durante a partida e vibram a cada arremesso. De ponto em ponto a arquibancada treme, como se fosse uma final de campeonato. Colegas batem na estrutura do ginásio, que é feita de metal, e fazem um barulho ensurdecedor a cada ataque do Santa Rosa, semelhante as baterias que tomam conta de estádios de futebol em jogos decisivos.
As atletas do Lance Livre ficam espantadas com o barulho vindo da arquibancada, algumas chegam a tapar os ouvidos em alguns momentos da partida. A importância do jogo na quadra para as jogadoras se reflete na arquibancada a cada lance.
Lilian está sempre de olho nos lances da pequena número 92 do time do Lance Livre, sua filha de 10 anos, Sofia. A gritaria da torcida interrompe a entrevista, surpresa, ela diz que parece até uma final de campeonato. Sobre as influências para que a filha se interessasse pelo basquete, a mãe confessa que pode ter sido a culpada por despertar a paixão.
Ao contar que joga basquete, diz também que vê na filha o renascimento de um sonho. “Basquete é uma paixão que eu tenho desde criança. Pensei que meu sonho tivesse acabado com 17, 18 anos, e voltei a jogar agora com 45. Acho que isso despertou essa paixão nela”, relata. Lilian ainda realça que a filha, apesar de ser a menor da equipe, tem muita vontade. A pequena Sofia se destaca indo para cima das atletas do time adversário que, em sua grande maioria, são maiores que ela.
Ao longo do jogo, Lilian caminha ao redor da quadra para acompanhar os lances da filha, de olhar sempre atento e até preocupada de ver a pequena Sofia contra atletas maiores, quase revelando uma vontade de entrar em quadra para jogar com a filha.
Alguns alunos torcedores se exaltam e vaiam o time adversário. Chambinho imediatamente para o jogo para chamar a atenção e repreende que “não existe vaia aqui”, reforçando o ambiente de incentivo que a modalidade merece receber em qualquer ocasião e, naquela especialmente, por serem equipes em formação.
Os técnicos aproveitam pequenas pausas do jogo para apontar melhorias técnicas e passar instruções táticas. Algumas mães e pais também aproveitam para chegar mais perto da quadra e passarem suas próprias orientações técnicas para as filhas.
No ataque
Danilo é um dos pais que nem se dão ao luxo de piscar durante a partida. Gesticulando para a filha, Ester, que avançar rumo ao ataque, ele conta que se surpreendeu com o pedido da filha para praticar a modalidade, mas também apoiou a iniciativa. “Acho que vale a pena investir. No esporte ela aprende a lidar com muitas coisas, como a competitividade, e vai evoluindo através disso”.
Por não terem visto sucessos do basquete feminino brasileiro, como Hortência e Magic Paula, as garotas acabam recebendo outras motivações. “A motivação vem com o diálogo, conversando muito, mostrando a importância que tem os momentos de treinamento, de aprender fundamento, tática e também na hora do jogo, trabalho coletivo, são diversos fatores’, enfatiza Chambinho que, junto ao técnico do Lance Livre, discutem a importância das atletas permanecerem jogando.
Ao final da partida, os professores se reúnem com os atletas para dividir impressões do jogo e compartilharem palavras de motivação. O resultado? Pouco importa. Os dois professores cumpriram sua missão da noite ao manterem acesa a chama do basquete feminino no coração das pequenas. Quem sabe dali não renasce o cenário de destaque da modalidade nos próximos anos e nasçam as herdeiras do basquete feminino…
Por Adryel Oliveira
Supervisão de Luiz Cláudio Ferreira