Na agitada Rodoviária do Plano Piloto, numa típica noite de segunda-feira, o relógio marcava 22h35 quando me desloquei para o piso inferior.
Entre os corredores repletos de passageiros apressados, naquele horário, as linhas de ônibus já chegavam ao seus últimos embarques no dia. Em meio ao frenesi da hora tardia, avistei Orlando Salles, um motorista de ônibus com quem concordou em ceder um pouco do seu tempo para uma breve conversa. Entre os ônibus alinhados e prestes a receber novos passageiros, Orlando me conduziu para um local mais tranquilo, longe do fluxo contínuo de pessoas.

Encontramos um lugar afastado onde escapamos um pouco do burburinho da rodoviária, mas o tempo era escasso, pois ele tinha apenas 8 minutos antes de iniciar outra viagem. Enquanto ele acendia um cigarro, mergulhamos numa conversa que prometia revelar muito mais do que apenas histórias sob o volante. “Sou de São Luís do Maranhão, me mudei para Brasília aos 7 anos, em 1974”, compartilhou Orlando, sua voz tingida com nuances de sotaque nordestino. “Nos mudamos em busca de uma vida melhor aqui no DF”.
Entre nuvens de fumaça e o barulho do embarque e desembarque de outros ônibus, Orlando compartilhou detalhes de sua jornada:
“Eu era técnico desenhista de arquitetura, mas minha parada sempre foi ser motorista, eu amo isso”, confessou ele, revelando uma paixão duradoura por seu ofício.
“Trabalho apenas à noite, fazendo a linha da W3 Norte, L2 Norte e depois volta pra cá, aqui no plano, né, aí entro às 18:08 e bato ponto às 23:50”, descreveu narrando sua rotina diária pelas ruas da cidade.
“Eu moro hoje no Guará. Quando posso, volto para casa de carro. Mas há dias que eu pego a linha que vai para lá de madrugada ou dou um jeito de voltar, a gente sempre dá um jeito’’
Enquanto Orlando falava, senti a familiaridade de quem conhece todo o trajeto e parada de ônibus como se pudesse fazer de olhos fechados. Mas nem todas as viagens foram sem incidentes nessa jornada. “Graças a Deus, não tive problemas com meus passageiros, mas já me envolvi em dois acidentes.
Uma vez, bateram na parte de trás do ônibus e, outra vez, um carro entrou na minha frente. Dirigir à noite tem dessas coisas”, admitiu ele, com uma mistura de resignação e determinação em sua voz. “Para quem trabalha aqui no plano, é um pouco mais seguro, mas já ouvi problemas de colegas, outros motoristas, que fazem pra fora do plano, entorno, que é mais perigoso de alguma forma, né?”, acrescentou o motorista, compartilhando sobre os desafios enfrentados por seus colegas de profissão.
Assim, entre risos e histórias, o tempo esgotou rapidamente. Com um aperto de mãos e um sorriso cansado, Orlando se despediu e voltou ao seu ônibus, pronto para enfrentar o que quer que a noite lhe reservasse.
Enquanto observava sua figura se perder entre os corredores movimentados da rodoviária, fiquei com a certeza de que a história do motorista Orlando Salles, como a de tantos outros motoristas de ônibus, era uma história de serviço, determinação e uma inabalável devoção ao ofício de manter a cidade em movimento.
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Por Pedro Santana
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira