Cerca de 400 indígenas de diversas etnias e regiões do país reuniram-se em Brasília para o 12º Acampamento Terra Livre – ATL. Era uma reunião de “parentes”. Parente é como os indígenas se chamam entre si, uma forma de demonstrar a união fraterna entre povos diferentes que lutam juntos por direitos básicos iguais.
Nos arredores do Memorial dos Povos Indígenas, no centro da capital, barracas pequenas foram montadas separadas por etnias. Cobertas por lonas pretas, cada grupo de barracas remonta uma espécie de aldeia de cada etnia. Essa organização ocorre de forma espontânea, não é uma regra, mas os povos acabam preferindo ficar perto de parentes mais próximos.
Quem visita o acampamento nota que aquele conto de que os índios moravam no Brasil, tinham suas terras e pertences usurpados, sofriam violências e agressões, não está só nos livros de história. Isso continua acontecendo.
De acordo com o censo do IBGE de 2010, existem no Brasil cerca de 900 mil indígenas e quase 60% destes ainda vivem em suas terras de origem. Apesar disso, a regularização de terras é ainda o maior problema dos povos indígenas brasileiros.
TERRA E SOBREVIVÊNCIA
“Lá eu nasci, lá eu moro e é por isso que eu tô na luta”, conta com orgulho o artesão Márcio Simão Ferreira, 32, da reserva indígena Karapotó Plaki-ô, localizada em Alagoas.É a primeira vez que Márcio vem representar sua aldeia no Acampamento Terra Livre. Sentado embaixo de uma árvore, ele cuida dos artesanatos de amigos enquanto eles participam de uma dança, ritual de protesto, junto aos parentes de outras etnias do nordeste do Brasil. De acordo com eles, a dança é muito utilizada por povos indígenas da região de Alagoas para se manifestar em diversas ocasiões. Além do protesto, o momento é também de confraternização.
Estar reunido com outras etnias, conhecer outros povos parentes, é uma das melhores coisas do acampamento de acordo com Márcio, mas ele lembra que não podem se esquecer que também estão ali para lutar pelos seus direitos.
“A luta principal é pelas nossas terras, que são nossas por direito. Mas lá não temos posto de saúde adequado e precisa melhorar na parte de educação”, relata o representante da aldeia Plaki-ô.
Localizada no município alagoano de São Sebastião, o território dos Karapotó Plaki-ô foi regularizado há 18 anos, mas as 192 famílias que moram lá ainda sofrem constantes ameaças de fazendeiros da região e vivem em estado permanente de luta para manter sua terra. Os Plaki-ô aguardam ainda a regularização de outra parte da terra. E foi por essa luta que Márcio deixou a família e o filho de 4 anos em Alagoas para vir à Brasília.
Dados divulgados pelo CIMI – Conselho Indigenista Missionário, mostram que existem 12 processos de demarcação de terras na mesa da Presidência da República, aguardando apenas uma assinatura para serem homologados. Na mesa do Ministério da Justiça também há 10 portarias declaratórias, prontas para serem assinadas. Para eles, falta vontade política nos governos quando o assunto é regularização de suas terras.
A garantia dos territórios indígenas, bandeira principal das reivindicações do Acampamento, bem como a promoção de recursos para o desenvolvimento e progresso de cada território, está prevista na Constituição Federal de 1988 (Lei 6001/73, Art. 2º). Porém, o Acampamento denuncia não só o descumprimento dessa lei, como também outros projetos que representam um retrocesso ao compromisso com os direitos básicos dos povos indígenas.
É o caso da Proposta de Emenda Constitucional número 215, ou PEC 215 que propõe que a demarcação de terras indígenas, titulação de territórios quilombolas e criação de unidades de conservação ambiental, passem a ser responsabilidade do Congresso Nacional e não mais do Poder Executivo. O movimento indígena reclama que tirar da União a responsabilidade de demarcar seus territórios abre precedentes para o envolvimento de outros interesses políticos, como dos ruralistas, que possuem bancadas grandes no Congresso, e são financiados pelos mesmo fazendeiros que hoje tentam tomar de volta terras indígenas já regularizadas.
Paulo Tupiniquim, coordenador da APOINME – Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, conta que são vários processos no Congresso que representam um retrocesso na luta pela suas terras, e reclama da falta de respeito e negligenciamento do Estado:
“Se for levar ao pé da letra, todo território brasileiro é território indígena. Nós conhecemos nosso território, sabemos o que é tradicional”.
MULHERES INDÍGENAS
“A mídia tem que denunciar o estupro de mulheres indígenas”, pede o Cacique Darã, coordenador da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil/Região Sudeste na abertura do Acampamento.
Outra situação frequentemente citada durante o Acampamento é a violência contra mulheres indígenas. A professora de cultura Rosa Pitaguary conta que em sua aldeia já foram registrados casos de estupro e que eles ocorrem tanto entre indígenas da comunidade quanto com pessoas de fora.
“Recente uma de nossas lideranças, uma mulher índia, sofreu um atentando de um índio mesmo. Temos essa questão de índios muito machistas, que a gente vem tentando mudar, né”.
De acordo com a professora, esse caso teve muita repercussão e deu forças para elas lutarem para mudar a situação, mas ela conta que ainda há muitas mulheres que têm medo de denunciar.
A Lei Maria da Penha também é lembrada por Rosa como um dos pontos positivos no combate à violência contra a mulher indígena:
“Tem muitas pessoas que dizem que depois que chegou a lei, o número de agressões aumentou. Eu não vejo que tenha aumentado, eu vejo que as mulheres ‘teve’ coragem de reagir às agressões e denunciar, por que de primeiro a gente não tinha”.
A terra dos Pitaguary é formada por quatro aldeias, com cerca de 4 mil habitantes. A aldeia de Rosa, localizada em Pacatuba-CE, possui 220 famílias, sendo a maioria da população composta por mulheres. A cultura da comunidade é bem matriarcal: “Na nossa aldeia as mulheres coordenam os trabalhos, e somos nós que estamos à frente das manifestações também”. Embora o Pajé e o Cacique sejam homens, a maioria das lideranças são mulheres.
“Podemos ter em breve uma mulher Pajé, que é a filha do atual Pajé está sendo preparada por ele”, conta a professora.
Por Karla Gamba e Deborah Novais


