Refugiada síria no DF lembra que decidiu partir depois que “carro explodiu na frente de casa”; conheça outras histórias

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George Alnameh, 22, estudava ciências políticas em Damasco e decidiu que viria para o Brasil quando foi chamado pelo governo para servir no Exército. Era o mesmo que indicar que participaria diretamente da guerra que já estava em andamento. Não teve dúvidas e, como tinha um parente em Brasília, resolveu fugir e conseguiu partir para o mesmo destino. O jovem veio ao país em 2015. “Eu vim pela facilidade de receber o visto e porque meu primo já estava estabelecido aqui em Brasília”. Histórias como a de George mostram como sírios passaram a enxergar o Brasil como uma chance de recomeço.

George resolveu vir para o Brasil depois que foi chamado para Exército

George morava na capital síria. Trabalhava em uma loja de informática. Mesmo vivenciando os horrores de uma guerra civil, só tomou a decisão de sair do seu país de origem quando entrou na blacklist do exército Sírio .Ele precisava sair do país rapidamente. Foi quando conheceu um taxista que o ajudou a fugir ilegalmente pelas montanhas, para o Líbano. Passou algumas semanas no país, quando conseguiu o visto com o consulado brasileiro.

O sírio chegou em São Paulo em maio de 2015, onde se estabeleceu por 4 meses, vendendo capinhas de celular, dormindo em hostels e igrejas, quando decidiu vir para a capital. Seu primo já morava na cidade e poderia o ajudar quando George chegasse. Foi quando, já em Brasília, conseguiu um emprego em um bar árabe, onde trabalhava fazendo narguiles.

Em 2016, viu a necessidade de se formar. Fez uma prova de equivalência para o Ensino Médio e concorreu em vagas destinadas especificamente a refugiados. Hoje está cursando Relações Internacionais. A faculdade tomava muito do seu tempo, então decidiu abrir seu próprio negócio junto de seu primo: um restaurante de fast food, vegano e árabe na Asa Sul. Foi a forma que encontrou para trabalhar sem estar no local.

O número de refugiados no mundo cresceu em pelo menos 243 vezes desde o ínicio da guerra até os dias de hoje. Danilo Porfirio, cientista político especialista em povos árabes, explica que “a reivindicação que deu início a guerra, era pela derrocada de uma ditadura que está há dezenas de anos no poder, dominando aquela região, o povo cansou.”

Uma bomba na porta de casa

Lidia El Bahri, 22, morava em Swaida, no sul da Síria, decidiu se mudar quando um carro bomba explodiu na frente da sua casa em 2013. “Era comum esse tipo de coisa acontecer, a gente só se tocou que precisava ir embora quando aconteceu na nossa frente”.

Para se adaptar, não foi fácil. Quando chegou, não teve ajuda de ninguém e conta que sofreu preconceito por ser árabe. “Você fica quieta aí, porque você não é brasileira”, ouviu. Ainda em seu primeiro trabalho, em um hotel internacional escutou:”Você é estrangeira, eu não quero falar com você. Passa (o telefone) para um brasileiro”. Lidia conta que aprender a falar a língua não foi um problema, mas teve dificuldades para fazer amigos e reclamou que os brasilienses são muito fechados.

 

A estudante de engenharia Lídia decidiu se mudar quando um carro bomba explodiu na frente de casa

 

É comum os sírios resistirem a ideia de ir embora de seu país. Foi o caso de Lídia, que só percebeu o perigo quando presenciou uma explosão; e também de George, que saiu do país apenas quando seria obrigado a servir as forças armadas.

Rosita Milesi, diretora do Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH), conta que “a maioria dos refugiados sírios investe na comida árabe como fonte de renda. Alguns tomam iniciativas e empreendem o próprio negócio”. É o caso de Diana Salam, dona de uma loja de doces árabes na asa sul que contratou Hayan Al Darwish, um refugiado, para trabalhar em sua loja.

O jovem, de 26 anos, é sírio, cristão e morava em Homs. Terminou o curso de engenharia, mas por questões burocráticas do governo, não recebeu o diploma. Ele precisava que um funcionário do exército assinasse seu certificado, o que não aconteceu. Veio para o Brasil para fugir da guerra há cerca de um ano, e trabalha como cozinheiro em uma loja de doces árabes.

Diana contratou Hayan por conta de suas condições e entendia que ele precisava de ajuda. “Eu não sabia cozinhar antes de chegar no Brasil, ela me deu uma chance e eu aprendi tudo aqui”. Ainda enfatiza que toda ajuda que recebeu foi de seus amigos e conhecidos que estavam em Brasília. Segundo Hayan, a embaixada da Síria não fez nada por ele.

O engenheiro Hayan ganha a vida em uma loja de doces

 

Poucas saudades, felizes aqui

Todos os entrevistados tem uma coisa em comum, eles estão felizes no Brasil e não sentem saudade de casa. “Não sinto falta daquele lugar, estou muito bem estabelecido aqui. A única coisa que realmente faz falta pra mim é a minha família, eles que importam”, disse George.

Lidia, mesmo com o preconceito sofrido aqui, relata que quase não sente saudades da Síria, mas ainda não está totalmente satisfeita com o Brasil. “O Brasil é ótimo em alguns aspectos, eu amo as pessoas, o clima e a natureza, mas não gosto de algumas outras coisas, como a insegurança, a corrupção e o jeitinho brasileiro”.

Hayan que saiu da Síria por conta da guerra e da falta de oportunidades pode confirmar.“Aqui é um país maravilhoso que aceita todos, é um lugar que não tem problema com ninguém”. Com poucos meses de residência no Brasil, o rapaz já tinha RG, CPF e trabalhava com carteira assinada.

Situação dos Sírios no Brasil

Nos últimos anos o Brasil se tornou o principal destino de refugiados sírios na América Latina. Aqui, a situação é diferente. Dados do Ipea mostram que, em 2011, 180 pedidos de refúgio foram aceitos no Brasil. Em 2015, esse número subiu para 7.662. Isso se deu, principalmente, devido à primavera árabe.

Segundo estimativa, os sírios representam 33% dos pelo menos 10 mil refugiados no país hoje e, enquanto a guerra durar, esse número tende a aumentar cada vez mais.

Neste ano, o presidente Michel Temer aproveitou uma homenagem recebida pela comunidade libanesa para reiterar a mensagem de que o Brasil está aberto aos refugiados sírios. Segundo Porfírio, isso reafirma o exemplo de país hospedeiro. “Somos um exemplo de hospitalidade, acolhimento, solidariedade. Abrir as portas para esse tipo de migrante é mais que um ato político, é um ato humanitário”.

Rosita conta que parcerias com a Universidade Católica de Brasília e o Núcleo de Ensino de Português para Estrangeiros da UnB (Neppe) são essenciais em uma primeira fase do estrangeiro aqui. “É um momento em que as pessoas estão desamparadas, deve-se prestar assistência básica para futuramente implementar ações que favoreçam o auto sustento, como trabalho ou atividades que gerem renda”.

A situação da Síria é crítica e não tem previsão para acabar. Ainda em abril deste ano, a embaixadora dos EUA na ONU, Nikky Haley, afirmou que não vê uma solução política para o conflito, a não ser que o presidente, Bashar al-Assad, saia do poder. “Não há nenhuma tipo de opção para uma solução política na Síria se Assad continuar à frente do regime”, garante.

Por mais que seja uma complexa situação de tensão, Porfírio acredita que a primeira medida para solucionar o que se passa na Síria é uma intervenção direta ou indireta de cunho militar para aniquilar o Estado Islâmico. O segundo passo seria chegar a um consenso quanto à comunidade internacional. “O problema é que nem o Bashar al-Assad abre mão do governo, nem o movimento ‘Síria Livre’ abre mão de uma saída gradual do presidente”, acrescenta.

Saiba mais sobre conflito na Síria em Esquina On-line

Por Ian Salmi, da Revista Esquina

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira e Carolina Assunção

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