O rapper Mano Dablio, de 38 anos de idade, é um artista independente de Santo Antônio do Descoberto (GO), no Entorno do Distrito Federal, e militante do segmento da acessibilidade cultural e da arte inclusiva.
Rapper e pessoa com deficiência na mão e antebraço, ele acredita que o rap está ali para colocar as pessoas como protagonistas da sua própria história, principalmente na pele dos que não são ouvidos
Foto: Nina Quintana
William de Souza Tomaz, o Mano Dáblio, cresceu na periferia.
No rap, encontrou uma forma de expressão e resistência. Graduado em gestão de recursos humanos, tradutor/intérprete de Libras com proficiência – Prolibras, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Ele possui um currículo extenso como rapper, slammer, poeta, ator, intérprete, letrista e transformista.
Pioneirismo
Foi pioneiro no cenário do rap ao produzir videoclipes com Libras inseridos na caixa cênica, além de dar visibilidade a artistas surdos.
Em 2018, recebeu o Prêmio Cultura Viva da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, em reconhecimento à sua atuação no cenário cultural do DF. Também foi vencedor do Prêmio Profissionais da Música (PPM) na categoria Rap/Hip Hop, na edição de 2020/2021.
Começo no rap
Entre os 7 e 8 anos de idade, William viveu em um contexto de violência dentro de casa, em Santo Antônio do Descoberto, a 50 km do Plano Piloto.
Em consequência, ele costumava fugir para as ruas e dormir nas calçadas do DF. Em uma dessas fugas, foi detido pela polícia e levado para unidades de acolhimento.
Passou a viver no abrigo de Cocalzinho de Goiás (GO), onde cerca de 300 crianças e adolescentes também moravam, em um ambiente ainda marcado pela violência.
Foi nesse contexto que Mano Dáblio passou a utilizar o rap como uma ferramenta de protesto, para questionar a alimentação e a forma como eram tratados.
Foi quando ele começou a fazer rap. O rap foi a primeira manifestação artístico-cultural que descreveu a realidade. “Foi onde eu me enxerguei enquanto indivíduo participante, pertencente daquela miséria, daquele contexto de violência. Quando eu entendi aquilo ali, eu entendi que o rap era a minha alma, minha vida”.
O artista diz que o rap era o grito. “A voz de tantas pessoas que queriam poder falar o que acontecia e não falavam. Era a narrativa da nossa realidade, da minha realidade” afirma.
Apelido
“Na época, era muito comum ouvir, no rádio e nos materiais que chegavam pra gente, nomes de artistas como Mano Brown, Mano Tuthão, Mano não sei o quê. Sempre tinham vários ‘Manos’, sabe? Era mais comum ter ‘Mano’ do que ‘MC’ no nome artístico”, lembra-se.
William conta ainda que, como o nome dele começa com a letra W, sempre se sentiu o “azarado”, já que na ordem alfabética sempre ficava por último. Em seu primeiro show, uma amiga – que fazia parte da organização do evento – sugeriu chamar o W primeiro.
Devido à grande quantidade de rappers com a letra “W”, como Wt Real, W Rap e WGI, William optou por adotar o nome artístico de “Mano Dáblio”. Esse episódio marcou o início de sua carreira.
“Tudo é rap, a poesia da resistência“
Mas o que é rap? Para Mano Dablio rap “é a pessoa enchendo uma laje, rap é a mãe fazendo freestyle com o que ela tem na geladeira para poder alimentar a família, é você fazendo malabarismos para pagar as contas do mês. Tudo isso é rap. Paulo Freire é rap. Os alunos ocupando a escola é rap”. Rap é mais do que música, é a expressão da realidade.
Foto: Yla Violet
Desafios e crescimento do rap no DF
A cena do rap no Distrito Federal (DF) é pequena e com poucos artistas de ascensão internacional em comparação com o eixo Rio-São Paulo. Além disso, há uma disputa entre gerações, com os mais velhos exigindo o respeito dos mais novos, o que prejudica o crescimento do movimento.
Boom bap, trap e drill são ramificações do rap, embora seja natural essa divisão em qualquer gênero musical, ela dificulta a união do movimento. Essas vozes precisam ser ouvidas para que o rap no DF possa se expandir de forma mais inclusiva e consolidada.
Inspirações
Para Mano Dablio, a inspiração é algo atemporal e constante, comparando-a ao ar que precisamos para respirar. Suas referências vêm de várias épocas e gêneros, como rap, poesia, gospel, rock, reggae, samba e MPB.
Além das figuras brilhantes que marcaram sua carreira, como Sabotage e DJ Jamaika, admira também poetas como Sérgio Vaz. E outros diversos artistas contemporâneos, como a Negra Li e o Renan Inquérito.
As referências nunca acabam, elas transcendem e continuam a inspirar através da obra. Se pudesse escolher qualquer outra pessoa no mundo para trabalhar, Mano Dablio escolheria a ministra da Cultura, Margareth Menezes com quem já havia planejado gravar uma música.
Embora o projeto não tenha se concretizado como originalmente planejado, ele a incluiu em seu trabalho mais recente “Imaterial”, usando uma fala dela no videoclipe. Internacionalmente, ele cita Erykah Badu para um possível feat.
Inclusão
O rapper está lançando uma música em parceria com o projeto Sinestesia, que mistura o trabalho de uma artista indígena, Adriane Kariú, e a referência de Carolina Maria de Jesus para o instrumental.
Ele também está desenvolvendo o projeto Imaterial, com videoclipes bilíngues em língua de sinais, destacando a presença de artistas surdos tanto na consultoria quanto no protagonismo dos videoclipes. É importante que dentro do cenário artístico haja espaço e pertencimento para pessoas surdas, indo além de uma simples acessibilidade.
“Tudo é muito rap, né? Porque o rap é a nossa realidade, é a nossa vivência, é a nossa luta, né? Então, o rap é isso, né? O rap é a nossa vida, né? Rap é a nossa realidade”.
Link do Imaterial: https://youtube.com/playlist?list=PLY3_ybmDaILVlxqgoI4slp3I-8oexvrm0&si=LSZiqa8uycJ8718F
Por Julia Harlley e Victória de Souza
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira