Campus Party: “Ninguém perde emprego para IA”, diz geofísico Sérgio Sacani

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Em palestra na Campus Party, em Brasília (DF), o professor Sérgio Sacani, que é geofísico, youtuber, podcaster e divulgador científico brasileiro, afirmou que não há o que temer em relação ao campo de trabalho profissional por causa das ferramentas de inteligência artificial.

“Você não vai perder seu emprego para IA. Você vai perder seu emprego para um ser humano que sabe usar muito bem a IA como uma ferramenta”, afirmou Sacani

Sacani diz que a ferramenta vai aumentar a produtividade e facilitar o aprendizado. O professor é responsável pelo blog Space Today e apresentador do canal Ciência Sem Fim.

Para ele, a IA atual é gerativa, não criativa. “Ela não cria coisas. Criar coisas ainda tá com a gente”, enfatizou.

Ao discutir os medos em torno da IA, Sacani foi categórico em desmistificar os cenários apocalípticos de filmes. “Não tenho medo nenhum”. Ele avalia que não há chances de rebelião das máquinas.

Ele afirmou, na palestra, que usa a IA para gerar roteiros para os seus vídeos,  mas a criatividade, as piadas e as sacadas baseadas na experiência de vida são elementos que a IA não reproduz com autenticidade.

Outras vidas

Outra função da Inteligência Artificial (IA) que ele citou foi sobre a busca por vida extraterrestre. Sacani explicou que o SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence), agora conhecido como Breakthrough Listen, utiliza as maiores antenas do mundo para captar sinais. 

“Muita gente diz que se a gente encontrar vida alienígena, quem vai encontrar vai ser a IA”, afirmou.

Sérgio Sacani em sua palestra na Campus Party Brasília / Créditos: Maria Paula Valtudes 

A palestra incluiu ainda uma reflexão sobre a complexidade jurídica de um primeiro contato: “De quem que é o alienígena? É do americano que interceptou ou é do brasileiro que caiu no território brasileiro?”, ilustrando a falta de regulamentação para tais eventos.

Ele mencionou também o projeto METI (Messaging Extraterrestrial Intelligence) e as discussões éticas em congressos, destacando que a ausência de um consenso sobre enviar mensagens para o espaço é um tema sério entre cientistas. 

Apesar desse cenário sombrio, Sacani lembrou que a humanidade já se expôs. O Sinal de Arecibo, enviado em 1977, foi um marco nesse sentido. “Perguntaram para alguém aqui se podia mandar? Não, né?”, brincou, provocando a plateia sobre a falta de consulta pública. 

Essa teoria propõe que o universo é uma vasta e perigosa “floresta escura”, onde civilizações inteligentes preferem permanecer ocultas pelo medo. A história da humanidade, marcada pela destruição de culturas menos desenvolvidas por aquelas tecnologicamente superiores.”Toda vez que uma civilização mais evoluída encontra uma menos evoluída, ela vai lá e destrói”, alertou Sacani.

No entanto, foi a Teoria da Floresta Negra que trouxe um tom de cautela à discussão. “Imagina que você está parado de noite na frente de uma floresta escura. Quem teria coragem de atravessar aquela floresta?”, questionou. 

Outra explicação apresentada foi a Teoria do Zoológico, onde civilizações extraterrestres mais desenvolvidas optam por nos observar à distância, assim como nós observamos animais em um zoológico, sem interferir em nossa evolução.

“Existe artigo científico que demonstra isso. Isso é o mais legal em todas as teorias”, pontuou Sacani, reforçando a seriedade por trás de ideias aparentemente fantásticas. 

Ele detalhou a Teoria do Planetário, que sugere que o vasto céu estrelado que observamos é, na verdade, uma elaborada projeção de civilizações tão avançadas que sua tecnologia transcende nossa compreensão. 

O paradoxo, que permanece sem resposta definitiva, serve como trampolim para diversas teorias fascinantes sobre a ausência de contato.

Sacani iniciou sua explanação com uma das perguntas mais perturbadoras da astrofísica: o Paradoxo de Fermi. 

Foto: Maria Paula Valtudes 

Marte

A questão da colonização de Marte foi um dos pontos centrais da discussão. Embora o empresário Elon Musk tenha falado em pousar em Marte em 2024, Sacani avalia que é preciso mais cautela.

“A minha aposta sempre foi 2050. E ele falou outro dia que poderia renovar mesmo essa aposta seria muito bom que a gente fosse para Marte daqui a 20 anos, mas é muito mais provável que a gente vá daqui 30”.

Ele explicou que Marte é o foco da exploração humana e descarta outros planetas do sistema solar por suas condições extremas (Mercúrio, Vênus, planetas gasosos) ou desafios como a Lua (pequena, sem atmosfera, temperaturas extremas). 

Marte, por outro lado, oferece um dia com 24 horas e 40 minutos (compatível com nosso ciclo circadiano), estações do ano e temperaturas que, embora frias em média (-70°C), podem chegar a 15°C no hemisfério do equador.

“Se não fosse os caras se meterem no mar lá 500 anos atrás, eles não estariam até agora trocando ideia”, comparou. 

Comprovação

Sacani mergulhou em uma das teorias mais especulativas da cosmologia: a possibilidade de nosso universo estar contido dentro de um buraco negro.

Ele explicou que essa ideia ganha tração devido a similaridades entre a singularidade do Big Bang – o ponto de onde o universo teria surgido – e o centro de um buraco negro. 

Outro paralelo é a impossibilidade de alcançar a borda do universo, que está em constante expansão, o que se assemelha ao horizonte de eventos de um buraco negro.

“Um buraco negro parece que lembra muito que é o nosso universo”, comentou.

A empolgação com essa teoria reside na sua possibilidade de comprovação.

“Essa tem como a gente buscar a evidência”, afirmou Sacani. A chave está em futuras observações astronômicas.

“O universo é considerado plano. Porém, existe uma missão hoje chamada missão Euclidis, que vai analisar 10 bilhões de galáxias. E essa missão pode mostrar que o universo não é plano. Ele pode ter uma pequena curvatura positiva”. 

Se essa curvatura for detectada, seria uma das maiores evidências a favor da teoria do universo-buraco negro.

“Isso é que é muito legal e o pessoal agora vai dar um foco nisso aí”, disse.

Astro-política 

A corrida espacial atual, com nações como China, Índia e Estados Unidos competindo pela exploração lunar, levanta complexas questões sobre a propriedade e a regulamentação do espaço

Sacani ressaltou que o direito espacial é uma área emergente, com acordos internacionais da década de 1970 que já não refletem a realidade tecnológica e geopolítica.

“Hoje, o grande problema é o seguinte: de quem é o espaço? Nós não temos uma regulamentação”, explicou.

Ele citou exemplos de conflitos geopolíticos que se estendem ao espaço, como a guerra entre Irã e Israel e o conflito na Ucrânia, onde o uso de satélites e sistemas de GPS se tornou estratégico.

“A guerra hoje é travada no espaço”, alertou.

A série “Space Force” foi mencionada como uma representação, ainda que humorística, dessas tensões.

O Acordo Artemis, liderado pelos EUA, que classifica os locais de pouso das missões Apollo como “Patrimônio da Humanidade”, ilustra a complexidade do cenário.

“Para os Estados Unidos, se a China pousou em cima da Apollo 11 que tá lá, pum. Faz o quê? Guerra? Guerra aonde, velho? Está na Lua”, questionou. 

Sacani destacou a notável expertise brasileira no direito espacial, mencionando Ian Brosnan como um dos maiores especialistas do mundo. 

O palestrante enfatizou que a possibilidade de exploração de recursos na Lua, como o Hélio-3 e terras raras, é crucial para impulsionar a corrida lunar; sem isso, o interesse pode diminuir. 

Por fim, Sacani reflete sobre a remodelação das interações de poderes globais com o avanço da astro-política.

“A geopolítica já é coisa do passado… Hoje, um país vai ser forte e soberano se ele dominar o espaço que consegue atingir seus inimigos”

Meet and Greet com Sérgio Sacani / Créditos: Cecília Péres

Enigmas 

Sobre os mistérios do universo, Sacani apontou a matéria escura e a energia escura como os maiores enigmas da física atual. “Pode ser que, daqui a 30 ou 40 anos, alguém olhe para trás e diga: ‘Pô, aqueles coitados lá pensavam que existia matéria escura, um negócio que nem existe’” 

No entanto, quando o assunto é vida inteligente e visitas alienígenas, Sacani adota um tom de ceticismo. Embora acredite firmemente em vida microbiana – especialmente em luas como Europa (de Júpiter) e Encélado (de Saturno) –, ele não se convence da existência de outras civilizações inteligentes “iguais à gente por aí”, nem da possibilidade de visitas extraterrestres à Terra, “usando a física como a gente conhece”. 

Ele brincou com exemplos como os círculos em plantações em Prudentópolis, Paraná, ou avistamentos em Varginha, Minas Gerais, para ilustrar a falta de lógica em narrativas de visitas.

“Que diabos, um alienígena sai lá da galáxia dele, vem viajando, na hora que ele chega no planeta Terra e fala assim: ‘Cara, é ali, ó, Prudentópolis'”, zombou.

Para Sacani, a vida, incluindo a humana, pode ser um acaso cósmico.

“Eu vejo a vida como um acaso. E por sorte, esse acaso fez com que a gente estivesse aqui hoje. Ainda bem que aconteceu assim.”, concluiu.

Para quem quer se aprofundar nessa busca, Sacani indicou sua palestra “Será que Estamos Sozinhos?”, que faz uma cronologia da busca humana por vida no universo.

“A cosmologia nos diz como o universo nasceu, como ele evoluiu e como ele morreu”, pontuou. 

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Por  Cecília Péres, Maria Eduarda Barros, Maria Paula Valtudes e Riânia Melo,

Fotos: Cecília Péres 

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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