Histórias de vidas soropositivas: as vozes por trás do vírus que não tem cor, raça, gênero ou sexualidade
(sob inspiração da coletânea de poemas Tente Entender O Que Tento Dizer, de Ramon Nunes Mello)

Foram sete anos sob a sentença de uma morte certa que nunca veio. Não teve colo de mãe, ombro de amigo ou cafuné de vó. Ninguém soube. Ninguém podia saber. Foram sete anos preso à vida pela vontade de viver. Sete anos em que a imensidão da mente ecoava as palavras que, ainda durante a infância, em João Pessoa (PB), tinha dito à mãe: “vou morrer com 33”. À época, a resposta veio pronta: “Para com isso menino! Você tá com essa ideia fixa na cabeça porque é a idade de Cristo!” Foram sete anos vivendo um dia de cada vez, “acordava e dizia ‘obrigado, meu Deus’”. Após sete anos sob a sentença de uma morte que nunca veio, adoeceu.
Sentença de morte é a decisão judicial que condena um indivíduo à perda de sua vida como forma de punição por um crime grave. Promulgada em 1988, a Constituição Federal define a proibição da aplicação da pena de morte a qualquer indivíduo — sendo permitida apenas em casos de guerra declarada. Foi também em 1988, aos 18 anos, que Christiano Augusto Souza Ramos, homem gay, recebeu seu diagnóstico de portador do HIV. Foi 1988 o primeiro dos sete anos que passaria sob a sentença de uma morte certa que nunca veio.
A percepção da aids como “câncer gay” elevou a homofobia a níveis belicosos durante os anos 80. Nos corredores dos hospitais, médicos e profissionais da saúde chamavam a doença de “Ira de Deus”, dizendo se tratar de um castigo pela “promiscuidade” dos gays. A sociedade praticamente declarou guerra contra a comunidade LGBTQIAP+, e, com uma guerra declarada, a Constituição não mais protegia Christiano de ser sentenciado. Foram sete anos que passou sob a sentença de uma morte certa que nunca veio.
“Detento com HIV diagnosticado
puxa cadeia dobrado,
Enquanto a imunodeficiência humana
ataca o imunológico sistema
o vírus Descasus Cronicús do Estado
ataca a enfermaria da hashtag
ergue sorriso, assiste atroz espetáculo.
Sobreviver até o alvará cantar é sorte
HIV na tranca é pena de morte.”[PENA DE MORTE – Kesley Rocha Dias]
Há 35 anos, a medicina já era capaz de identificar embriões com doenças genéticas antes mesmo da implantação na fertilização in vitro. Para quem tinha o HIV, porém, “naquela época era assim: pegou, morreu”, relembrou Christiano. O resultado de um teste de HIV — que hoje fica pronto em questão de segundos — demorava um mês para sair, porque a amostra precisava ser enviada ao exterior.
“Tive uma relação sexual desprotegida e fiquei com aquilo na minha cabeça. Estava passando por um posto de saúde perto da minha casa e resolvi fazer o teste. Era novembro, assim”, explicou. “Dezembro, eu fui para o Rio passar um mês na casa de uma tia minha e esqueci que tinha feito o exame. Esqueci completamente. Aí, lá no Rio, falando com minha mãe, ela me disse: ‘meu filho, tem um centro de saúde, um hospital ligando aqui todo dia dizendo que você precisa comparecer lá urgente’. Era algo tão distante da minha realidade que eu nem me liguei. Falei pra ela: ‘Ah, quando eu chegar em Brasília, eu vejo isso’.”
Ao retornar à capital, foi ao posto de saúde imaginando que seria rápido: chegar, pegar o resultado e voltar para casa. “Cheguei lá e comecei a notar algo estranho. Quando chamavam o nome das outras pessoas, entregavam o exame e a pessoa ia embora. Na minha vez, pediram minha identidade. Aí eu comecei a perceber que tinha dado alguma coisa errada”, lembrou.
A voz meio embargada e engolida tomou a forma de um desdém vestido de risada ao contar que a médica se posicionou rente à parede, no fundo da sala, à maior distância física possível, para anunciar para ele a sentença. “Ela não queria ficar na mesma direção da minha respiração com medo de pegar”, lamentou. Começavam, oficialmente, os sete anos que Christiano passou sob a sentença de uma morte certa que nunca veio.
Aos 56 anos, já grisalho, não precisa ouvir uma pergunta até o final para saber como respondê-la. Nem vai. Não importa. A resposta só vem, atropelando vírgula, aposto ou interrogação. Só vem, como quem tem pressa, pressa de viver. “Adoro festa de música eletrônica, eu sou um velho novinho”, sorriu enquanto se lembrava de segredos que aqui não poderiam ser compartilhados.
“Elixir da vida”
O adoecimento veio em 1994, após os sete longos anos sob a sentença de uma morte certa que nunca veio. Por dois, Christiano chamou de casa o Hospital Golden Garden — atual hospital Brasília —, no Lago Sul. A nova vida não se tratava de uma das festas de que tanto gosta, mas era regada a coquetel e drogas. “Eu chamo o coquetel de ‘elixir da vida’. Parou de tomar? Um abraço”, contou.
No hospital, ganhou de volta o sentido de família, a quem nunca soube como contar sobre sua condição. Para os pais, estava com suspeita de câncer. Qualquer coisa parecia melhor que a verdade. “Meu filho, seja qual for o apelido da sua doença, Deus irá te curar” — as palavras do pai lhe soaram como uma profecia bíblica. “Naquele instante, me senti com a coragem de um guerreiro e decidi que iria lutar pela vida com todas as minhas forças.” A sentença de morte, depois de sete anos, dava lugar à incessante luta pela vida.
Há 24 anos, Christiano preside a ONG Amigos da Vida, fundada pelo pai. São, em média, 250 atendimentos por mês, atuando na promoção de direitos humanos para pessoas com HIV e seus familiares. O trabalho multidisciplinar envolve assessoria jurídica, apoio médico, acompanhamento psicológico, psiquiátrico e nutricional.

Hoje, é reconhecido como um dos principais expoentes do ativismo da luta contra o HIV e a aids. A intensa jornada o inspirou a escrever um poema, emoldurado em um grande quadro e exposto na sede da Amigos da Vida:
“Eu pedi força…
E Deus me deu dificuldades para me fazer forte.
Eu pedi sabedoria…
E Deus me deu problemas pra resolver.
Eu pedi prosperidade…
E Deus me deu cérebro e músculos pra trabalhar.
Eu pedi coragem…
E Deus me deu perigo para superar.
Eu pedi amor…
E Deus me deu pessoas com problemas para eu ajudar.
Eu pedi favores…
‘E Deus me deu oportunidades.
Eu não recebi nada do que pedi…Mas tudo que precisava.”
[Christiano Ramos]
Vivências em versos virais
A arte carrega também consigo significados além daquilo que vemos em primeiro plano. As palavras trazem em si sentimentos. Vivências. Em “Tente entender o que tento dizer”, Ramon Nunes Mello escreveu: “A linguagem é o verdadeiro vírus”.
O real perigo da doença não são os efeitos colaterais nem os medicamentos, mas sim o preconceito. Durante o processo de confecção do livro, Ramon recebeu uma troca positiva do público que procurava para formar o que, tempo depois, viria a ser um livro de poesias sobre o HIV, a aids e a soropositividade. Existia um tabu na literatura brasileira em relação ao tema. “Isso me surpreendeu. Pessoas de várias gerações diferentes enviando poemas”, contou o escritor.
O resultado não foi outro senão uma obra carregada de simbolismos e histórias. Um conjunto de sentimentos que não têm cor e nem gênero definido, assim como a soropositividade. “As pessoas estão entendendo a intenção do livro de que, estética e literariamente, a gente consegue abordar um tema que ainda é muito espinhoso socialmente. De que forma a arte, a literatura e a poesia podem ajudar a formatar uma nova linguagem em torno do tema? De que maneira o vírus infecta o poema?”.
Vivente do que retrata no livro, Ramon foi diagnosticado soropositivo em 2012. “Demorei três anos para elaborar e poder falar isso publicamente. Eu nem falo ‘assumir’, mas sim abrir a sorologia abertamente”, contou. Depois da descoberta, levou anos para conseguir conversar sobre o assunto, devido a todo o preconceito que rodeia o tema.
“O diagnóstico de HIV é associado a um forte estigma. Quando a gente lida diretamente com a soropositividade, infelizmente, ainda se associa a muitas sobras que perduram, mesmo depois de 40 anos do surgimento da aids”. A notícia chega primeiro à pessoa, que muitas vezes ainda tem que lidar com seu próprio preconceito em relação ao vírus. Ramon lembrou que, antes de abrir o assunto publicamente, teve de abordar a situação junto à família.

“Não é uma notícia que uma família espera receber. Mas meus pais são pessoas esclarecidas e sabiam que as pessoas com HIV conseguiam ter uma qualidade de vida. Mas eles tinham muito medo do preconceito”. O receio da exposição se entrelaçou aos tabus que cercam o HIV. “Era uma decisão muito íntima. Eu trabalho com poesia, literatura. Eu achava que abrir minha sorologia, de uma certa maneira, me traria uma libertação a não ficar preso a nenhum tipo de medo. Foi, pessoalmente, a melhor opção que eu tive na vida”.
“Infelizmente, o imaginário em torno do HIV ainda é muito relacionado aos anos 80, no sentido do medo que existe pela desinformação”. Ramon Nunes vê que o diagnóstico traz consigo uma consciência da finitude muito presente. “Quando a gente tem uma doença que é considerada incurável mas que existe tratamento, a gente passa a ter um entendimento diferente da vida”.
Apesar da mudança de foco, ainda há muitas pessoas que morrem de aids no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, em 2022, 10.994 pessoas morreram em decorrência do HIV/aids. O órgão calculou 30 mortes por dia em razão do vírus. O recorte racial escancara ainda mais o problema segmentado no país. Do total de óbitos, 61,7% foram registrados entre pessoas negras (47% em pardos e 14,7% em pretos) e 35,6% entre brancos.
“Infelizmente, por falta de informação e de acesso à medicação, essa população é a mais afetada. Existe um trabalho social que ainda deve ser feito principalmente com articulação do governo para que isso não aconteça”, comenta o escritor e poeta.
Bandeira de esperança
Em contrapartida, os avanços medicinais no tema levantam uma bandeira de esperança dentro de um cenário ainda complicado em que o Brasil vive. “Em paralelo, existem avanços, e eu sou fruto desses avanços”, ressaltou Ramon Nunes. Em sua experiência, o escritor vê que existe uma transformação tanto no perfil da epidemia de HIV como no sentido e na forma como o assunto é lido e narrado. “Nesses 12 anos de diagnóstico eu aprendi muito”, reafirmou Ramon.

A médica infectologista Sônia Maria Barbosa explicou que os avanços da medicina, nesses últimos 35 anos, trazem uma melhoria na qualidade de vida de pessoas soropositivas que praticamente eliminam qualquer impacto do vírus no organismo. Os medicamentos anti-retrovirais — antes chamados de coquetel devido à quantidade de pílulas que deveriam ser ingeridas em conjunto — foram conjugados pela indústria farmacêutica em dois simples comprimidos.
Além disso, Sônia ressaltou que o cumprimento do tratamento de forma rigorosa por um período mínimo de seis meses garantirá a qualquer paciente com HIV o status de “indetectável”. “O indetectável é intransmissível, ele não passa para outras pessoas. Então, a pessoa pode ter o sonho de ser mãe, de ser pai, de fazer todas as coisas que as outras pessoas fazem”, destacou.
A infectologista explicou, ainda, que os métodos de profilaxia contra o HIV também passaram por grandes avanços. “Há maneiras de se evitar, mesmo não sendo só o preservativo. Hoje, o indetectável pode até transar sem camisinha que ele não passa, mas também tem o PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), que é a profilaxia. A pessoa que vive com uma pessoa com HIV, ela pode tomar diariamente e ela não vai pegar nada”.
Para a médica, devido ao acompanhamento médico mais frequente, pessoas soropositivas podem vir a ter menos doenças do que as não-portadoras do vírus. “A pessoa tem tudo para ser muito melhor cuidada. Se ela aproveitar tudo isso, ela pode ter uma qualidade de vida boa e viver até mais do que as outras pessoas na mesma faixa etária que não têm, até porque fica se cuidando constantemente. Então, se ela tiver um câncer, por exemplo, ela vai conseguir descobrir mais cedo. Coisas assim”, ressaltou.
Apesar dos avanços positivos sobre o HIV/aids, o escritor argumentou que, como se trata de uma IST, o tema está envolvido de estigmas. “Sexo é um tabu. Existe um discurso moralista e preconceituoso de parte da população que acha que a aids é uma questão apenas homossexual”, ressaltou Ramon. A comunicação se torna um utensílio que combate a discriminação, o preconceito. “É, sobretudo, trazer o assunto para o dia a dia. É falando sobre isso de cabeça aberta”. A exposição das novas formas de prevenção e contraceptivos, como a PEP, PrEP e, sobretudo, mostrando que as pessoas soropositivas vivem de forma saudável, como qualquer outra pessoa. “Essas informações ajudam a desconstruir esse imaginário. A grande ferramenta para que a gente consiga fazer do mundo um lugar melhor é o diálogo”, avalia Ramon.
Mesmo escrito em 2018 — antes da pandemia de covid-19 — o livro também aborda uma época epidêmica. “Em uma epidemia de HIV, as pessoas não iriam na internet falar ‘eu peguei um diagnóstico positivo’. Ninguém faz isso. Mas durante a covid fizeram. Embora sejam doenças graves, uma lida com preconceitos, com relação, com sexo”, reafirmou Ramon. O vírus do HIV não escolhe cor, gênero ou sexualidade.
“A melhoria da qualidade de vida, consequentemente, mudou a narrativa e o imaginário em torno da doença. Não se fala somente sobre a morte, mas fala sobre o amor, sobre relação com o tempo, com a memória”
“A minha vida”
O estalar da muleta no chão ficou mais rápido enquanto andava mancando. O motor era o sorriso. Eufórico e orgulhoso, estendia o celular com a foto de um jovem. “Esse aqui é o Paulo Felipe. É o mais velho. Tá vendo ele com a doma? Ele é chefe de cozinha, trabalha em Águas Claras! Inteligente pra caramba, ele!”, disse, orgulhoso. Deslizou o dedo na tela e mostrou outra foto, ainda com um sorriso no rosto. Dessa vez, um rapaz ainda mais jovem. “Esse aí é o Pedro Ruan, meu caçula. Falou que vai ser da área da medicina! As mães dos dois já são falecidas”, contou.
Reginaldo estava no semáforo da 413 Sul, ao lado do Big Box. Vestia uma camiseta escrito “Projeto Vida. Você não precisa ter AIDS para se informar. Use camisinha”. Em uma das mãos, equilibrava um panfleto do Projeto Vida — com dados para contato e chave PIX — e um pote de paçocas, enquanto a outra o apoiava em sua muleta. Aos 65 anos de idade, convive com o HIV há mais de 20. Não soube dizer, porém, em que ano pegou. Nunca tratou o diagnóstico como uma sentença de morte. “Eu sempre gostei de viver, na realidade. Sempre gostei de viver e vou viver até quando Deus quiser, por aí, e bola pra frente. Eu tiro de letra até hoje.”
Em dia com suas medicações, Reginaldo Marques está indetectável. Apesar de não se lembrar do ano do diagnóstico, lembra exatamente de como recebeu a notícia. “Nessa época, eu aprontava. Tava preso por furto, lá na 11ª, no Núcleo Bandeirante. Chegou um policial e perguntou ‘Reginaldo, você conhece uma tal de Adriana?’ Era o nome da minha companheira. Eu disse que sim. Ele falou que ela tava no hospital com pneumonia, e não disse mais nada. Depois de um mês, me chamaram de novo, me disseram: ‘Reginaldo, infelizmente a Adriana não resistiu. Ela morreu com o vírus HIV’ e tal. Foi aí que eu soube que eu também tinha. Eles logo me colocaram em uma cela isolada”, contou.
Para Reginaldo, a maior preocupação era o filho que tinha com Adriana, Paulo Felipe. Foi um alívio quando descobriu que o menino estava livre do vírus. Assim também foi com o mais novo, Pedro Ruan. “Eu falei ‘pô, Deus, meu filho não. Pode me levar agora, na hora que você quiser, mas deixa meu filho, que ele seja sadio.’ Aí Deus escutou. Fizeram o exame dele e deu que ele era sadio. Não tinha nada, sadio que nem um coco, como diz o ditado lá do Norte”, contou o manauara.
Reginaldo trabalha com o Projeto Vida há mais de 10 anos, buscando conscientizar e sensibilizar motoristas parados no sinal sobre a importância do uso do preservativo e sobre o preconceito contra pessoas soropositivas. Em troca, vende paçocas e arrecada doações para manter o Projeto. A muleta o acompanha há oito, após ter reagido a um assalto.
“Ele veio pra pegar um dinheiro do meu bolsinho aqui, eu segurei. Ele não teve sucesso em pegar meu dinheiro e me jogou no chão. E o que ele fez, chutou em cima do meu fêmur, eu caído, ele deu um monte de chute e quebrou. Ele tava dependente, aqueles caras obstinados, aquelas coisas tudo. São pessoas muito orgulhosas, só pensam nelas, infelizmente. Era capaz até de matar a pessoa para possuir o que não é dele”, lamentou. Após 103 dias internado, recebeu uma prótese de plástico no quadril, que o faz mancar até hoje.
Foi Alexandre quem criou o Projeto Vida e o apresentou a Reginaldo. “Alexandre já se foi, já. Ele era portador há mais de 20 anos, mas ele foi um cara que não se cuidou, né? Vivia bebendo, de vez em quando usava drogas e tal. Conheci ele lá na Transformer, uma casa de apoio que tinha no Lago, na Dona Cláudia, onde ficavam as pessoas soropositivas para fazer tratamento”, contou.
A resposta mais surpreendente veio após ser questionado sobre quantas pessoas eram ajudadas pelo Projeto Vida. “O Projeto Vida não ajuda várias pessoas. O Projeto Vida é a minha vida.”, respondeu Reginaldo. Por meio das doações e da compra das paçocas, “as pessoas me ajudam a me alimentar melhor, a pagar o aluguel, a poder comprar uma roupa, ajudam eu e minha cachorrinha”, explicou. Em troca, leva para as pessoas conhecimento e conscientização.
“a linguagem
não apenas marca o guardanapo
ou o som
ou o silêncio
é a vida, um vírus, um contágio
que se desenrola no devir dos dias
para traduzir o invisível
em trocas”
[SOBRE COMPARTILHAR – Ana Paula Simonaci]
Reginaldo espera juntar dinheiro suficiente para trocar a prótese do quadril por uma de titânio. Nas costas da camisa que veste, é possível ler “Aids. Não dê as costas para essa luta”. Ele continua visitando os semáforos da Asa Sul diariamente, levando o Projeto Vida para cada vez mais brasilienses.

Sobre duas pernas, vida nova
Ao final do processo de apuração desta reportagem, em junho, Reginaldo ainda juntava dinheiro para realizar a cirurgia de artroplastia de quadril — substituir a prótese de polietileno (plástico) por uma de titânio. Há mais de dois anos, havia aberto um processo junto à Defensoria Pública do Distrito Federal para a realização do procedimento de forma gratuita, para o qual aguardava resposta.
“Eles me pediram três orçamentos. Como é uma prótese num valor acima de R$100 mil, onde for mais barato é onde costumam fazer. Eu consegui fazer dois [orçamentos]. No hospital particular, [o procedimento] estava no valor de R$135 mil, e tinha mais um negócio de anestesia que era uns R$8 mil. Então, ia dar mais ou menos uns R$140 mil no total”, contou.
À tarde do último dia 18 de agosto, domingo, Reginaldo recebeu um telefonema. A pessoa se identificou como sendo do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (IgesDF), e disse procurar o senhor Reginaldo Marques para falar sobre a realização de uma cirurgia de artroplastia de quadril. “Nesse momento, eu já percebi que não era trote. Eu tenho muita fé, sou cristão, e fiquei muito esperançoso”, contou. O pedido junto à Defensoria Pública resultou em uma determinação judicial, e Reginaldo teria sua prótese substituída no Hospital de Base do DF ainda naquela semana.
Chegou ao Hospital de Base no sábado, 24 de setembro, às sete da manhã. Foi internado e, durante o dia, passou por algumas preparações para o procedimento. Na manhã do domingo, entrou na sala de cirurgia. Após quase cinco horas, voltou para o quarto, já com a prótese de titânio. A operação de Reginaldo foi um sucesso!
Reginaldo está com a fisioterapia marcada para dezembro. Já voltou a andar, por enquanto com auxílio de uma das muletas. Segundo o médico, deverá abandonar o uso delas assim que se adaptar à fisioterapia. A dor, já gravada em sua mente por ter lhe acompanhado por tanto tempo, não existe mais.
“Eu pensava que eu ia sentir aquela dor pro resto da vida. Ficava em pânico quando eu ia vestir uma roupa, quando fazia a posição de ‘pisar no freio’. Pensava comigo mesmo ‘ô meu Deus, quando é que vou ficar bom?’, e agora eu já estou dando conta! Puxa, rapaz, estou agradecendo a Deus toda hora! Estou muito feliz, sou uma nova pessoa!”, disse animado.
Por Henrique Fregonasse, Marina Dantas e Maria Eduarda Fava
Sob supervição de Luiz Claudio Ferreira