Eram 2 horas da madrugada de uma sexta-feira em 2007 quando Gabriel ouviu um barulho, vindo da janela do quarto de sua filha Sarah. Por sorte, o cômodo estava vazio naquela noite e a garotinha de 7 anos dormia profundamente na cama dos pais, junto com o irmão Lucas, de 3. Quando a esposa ouviu o ranger das portas do armário, o maior medo do casal se concretizou: havia ladrões dentro de sua própria casa.
No desespero, o jeito que o empresário achou de proteger as crianças foi escondê-las no closet. Permaneceu com a porta trancada e a postos bem no meio do quarto. Se arrombassem a porta, o pegavam primeiro. De joelhos, orava a Deus para que os invasores fossem embora. Lembrou de um amigo que era bombeiro e ligou para ele pedindo ajuda, quando percebeu que a agitação só aumentava e que seu carro estava sendo roubado. Poucos minutos depois, a polícia batia à porta escancarada da casa no bairro Flamboyant, em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro.
Talvez esse tenha sido o fator determinante para que Gabriel Rangel, hoje aos 47 anos, fizesse as malas e saísse do Brasil para morar nos Estados Unidos. Ou talvez tenham sido os três assaltos à mão armada que sofrera dentro do escritório da empresa, em anos anteriores. Ou ainda quando testemunhou, com sua família, uma perseguição e troca de tiros entre uma moto e uma viatura no trânsito de domingo, quando dirigia para assistir ao culto das 10 horas da manhã.
Aliás, costumava lembrar da Terceira Igreja Batista de Campos como um lugar de segurança e proteção, mas até mesmo isso deixou de ser, depois que a esposa Karen recebeu uma arma na barriga em troca de um cordãozinho de ouro no portão de entrada.
Segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP), foram registrados quase nove mil casos de roubo de rua na capital do estado no primeiro bimestre de 2023. No mínimo, 10 armas de fogo são retidas todos os dias. A cada hora, pelo menos 2 carros são roubados ou furtados. O município de Campos dos Goytacazes registrou o mês de março mais violento nos últimos quatro anos, em se tratando de homicídios.
“Até hoje me lembro perfeitamente da pressão que o cano de aço da pistola fazia contra a minha cabeça, quando o assaltante me fez abrir o cofre da empresa que tinha com meu pai. Queriam me levar de refém por eu ser o mais novo dali, eu estava com vinte e poucos anos. Mas algo os fizeram desistir e decidiram somente levar os carros mesmo”, recorda Gabriel que, a essa altura da vida, já perdeu as contas de quantas vezes esteve na mira de uma arma.
Desde os 12 anos, ele segue os passos do pai, um conhecido e antigo comerciante de Campos. Filho mais velho de 11 irmãos, Rangel é sucateiro e sempre foi responsável por ajudar a levar comida para a mesa todos os dias. A convivência entre pai e filho, com direito a muito trabalho braçal e viagens de caminhão pela movimentada estrada entre a cidadezinha de interior e o Rio, ensinou Gabriel a se virar muito cedo.

Começou com os bicos
Quando adolescente, conciliava os estudos, os bicos que fazia para o pai e o namoro com Karen, que começou quando ambos tinham 13 anos em meados de 1989. “Ele vinha me paquerar com os dedos todos sujos de graxa, aparecia na porta de casa sempre cheirando mal. Mas vinha tão exausto que deitava no meu colo e dormia a noite inteira, às vezes a gente nem conseguia conversar”, relembra ela.
A rotina agitada se manteve nos tempos de faculdade, mas ao invés de trabalhar com sucata, Rangel se encontrou no empreendedorismo. Logo após se formar em Direito na Universidade Gama Filho, em 2000, teve a ideia de abrir uma empresa de locação de equipamentos e máquinas com um amigo. Essa foi a porta de entrada para que se tornasse empresário e abrisse diversas sociedades desde então, principalmente nos ramos de mineração e locação de máquinas.
Antes disso, contudo, veio o casamento. “Quando eu era jovem, aprontava muito, era festeiro e gostava de beber. Queria aproveitar esses dias, mas sempre soube que queria me casar com Karen e que era ela quem me daria a vida que eu buscava”, afirma Gabriel a respeito da esposa, que não aceitara a união até que ele se convertesse ao cristianismo.
“Minha conversão veio ao longo dos nove anos de namoro e convívio com a família de Karen, porque tudo que faltava na minha, eu via na dela. Eu olhava aquela união e presença de Deus que enchia a casa e só conseguia pensar no quanto eu queria aquilo para mim também”.
E essa grande decisão espiritual, que mudaria sua vida para sempre, também veio com uma leve ajuda de mais uma experiência de quase-morte. Na folia do carnaval de 1997, Rangel sentia apenas desconforto, uma sensação de não-pertencimento àquele lugar e de urgência para ir de encontro à namorada o mais rápido possível.
A 170 km/h em um Uno, não sabe bem dizer se foi a bebida ou algo sobrenatural que o fez desviar de um carro em uma manobra aparentemente impossível de ser feita nas condições em que estava, mas as quatro horas que se seguiram de choro e arrependimento entre Niterói e Campos consolidaram a decisão. Converteu-se e casou-se no fim do mesmo ano.
Desde então, não há nada mais importante para Gabriel do que sua família. É por isso que, diante da sensação de impotência naquela noite, na qual não somente ele e a esposa mas também os filhos eram marcados por uma experiência traumática, fez outra escolha decisiva e se mudou para Orlando, nos Estados Unidos, em 2015.
“Na marra”
Encantados pelos relatos sobre a cidade americana do guia turístico brasileiro que os acompanhou em passeios por Paris, durante o aniversário de 15 anos de Sarah, a família Rangel deixou tudo para trás e começou uma nova vida no país estrangeiro. Sem saber uma palavra de inglês, Gabriel novamente teria que se virar “na marra”, assim como aprendera com o pai.
Os quatro viveram, inicialmente, da renda proveniente da venda de um terreno com uma pedreira, que o empresário possuía graças à empresa de mineração que precisou fechar. Hoje, acumula o patrimônio de 10 empresas exportadoras de máquinas nos Estados Unidos e no Brasil, que respondem à holding SL Patrimonial.

Gabriel Rangel emprega a esposa, os dois filhos, o marido de Sarah e alguns outros parentes que, aos poucos, também estão se mudando para Orlando em busca de melhores condições de vida.
“Trazer todos eles para o ramo foi algo natural, até porque começaram a me ajudar nas finanças e na língua inglesa. Treino meus filhos para me sucederem, mas também para que eles nunca precisem voltar para a violência do Rio de Janeiro e passar pelo que eu passei. Tenho traumas que irei carregar para toda a vida.”
Por Giovanna dos Santos
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira