Perfil: treinador de basquete do Vizinhança começou no taekwondo

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O despertador tocava antes mesmo que o frio matinal pudesse ser dissipado pelos primeiros raios de sol. Eram 6h em Piedade, no interior de São Paulo, e Márcio já estava de pé. No campo, entre pés de morango e cerejeiras, o jovem de 20 anos dobrava o corpo, enchia caixas e deixava para trás as últimas lembranças da Ceilândia que carregara na mochila.

Filho de um pedreiro e de uma dona de casa, Márcio Humberto Lima de Souza aprendera cedo o valor do esforço. Começou no taekwondo aos 12 anos, dividindo o tempo entre a escola e os treinos. Aos 14, pedalava quilômetros da 503 Sul até Ceilândia para economizar o dinheiro da passagem para o colégio, e, como ordenara seu pai, trabalhava para não pesar no orçamento da família: “Meu pai dizia: ‘Se não trabalhar, você vai acabar tirando dinheiro das suas irmãs’”, recorda, com um sorriso.

Hoje, Márcio é coordenador e treinador de basquete do Vizinhança, em Brasília. No ginásio, ensina jovens a canalizar disciplina, força e estratégia. Mas ele sempre foi mais do que um rosto conhecido nas quadras de Brasília. Divertido, cativante, carismático e de uma simpatia que ilumina qualquer ambiente, ele conquista quem cruza seu caminho com uma facilidade que parece natural. Sua filha, Maria Luiza, descreve: “Apesar da postura profissional séria, meu pai sempre conseguiu ser um pai carinhoso, amoroso e compreensivo”.

Fonte:Arquivo pessoal

Mas antes de trabalhar com basquete, Márcio trilhou uma história de esforço silencioso — uma história que passa, especialmente, por uma pequena cidade chamada Piedade, no interior de São Paulo.

Lá, Márcio recebeu o convite para atuar como lutador e treinador de taekwondo, e foi acolhido por uma família local em um arranjo semelhante aos intercâmbios estudantis dos Estados Unidos: casa, comida e estrutura para se manter no esporte.

“Nunca passei fome, nunca passei miséria, nem em Brasília e nem em Piedade. Lá eu tinha teto, comida e tudo que eu precisava, mas o esforço era todo dia”, lembra.

Acordava cerca de 6 da manhã para colher morangos, após a jornada de trabalho nos campos, vinha o treino. E depois do treino, correria para casa. O dono da residência era rígido: apagava as luzes ao anoitecer e trancava a porta sem esperar quem se atrasasse. “Depois do treino, tinha que sair correndo pra casa, senão ficava do lado de fora!”, conta, rindo com uma mistura de incredulidade e saudade.

Márcio já era faixa-preta quando se mudou para a pequena cidade paulista. Entre a rotina exaustiva de trabalho e treinamento, encontrou espaço para sonhar, mesmo sem saber ao certo onde aquilo tudo iria levá-lo. Trabalhou em sorveterias, foi diretor de palco para bandas e fez diversos outros pequenos bicos. “Eu já fiz de tudo um pouco. Tudo para juntar um dinheirinho e conquistar minha independência”, diz. Era uma vida de luta invisível, silenciosa, longe dos holofotes.

Luciana, sua esposa — que se tornou namorada aos 23 — conta: “O Márcio sempre teve uma força silenciosa. Ele nunca foi de reclamar. Ele fazia o que tinha que ser feito, fosse catando morango, lutando ou treinando. Ele é daqueles que, mesmo na dificuldade, nunca deixava a esperança morrer.”

Essa força foi também a base sobre a qual construiu sua família. Ao lado de Luciana, criou seus filhos com a mesma disciplina que moldara sua própria juventude. “Mais importante do que formar jogadores de basquete, é formar pessoas de caráter”, resume sua filha Maria Luiza. “Ele acredita que, mesmo que nem todo menino se torne um atleta profissional, sua missão é dar a cada um as ferramentas necessárias para crescer como ser humano e como homem.”

A história de Piedade é mais do que uma lembrança: é parte da raiz de sua identidade. Ali, entre frutas vermelhas e noites trancadas, Márcio aprendeu que o sucesso se constrói nas madrugadas frias, na constância dos pequenos gestos, na resistência silenciosa. “Você aprende a respeitar o caminho”, diz ele. “Na dificuldade, cada conquista vira um pedaço de 

Assim, ele construiu a própria bandeira de orgulho: a de um garoto que transformou o suor — colhido no campo e no dojô — em vitória. Valores como disciplina e respeito, que ele trouxe dessa trajetória, moldaram não apenas sua carreira, mas também a maneira como criou seus filhos.  “Meu pai sempre valorizou muito a disciplina e o respeito em casa, valores que ele trouxe de sua trajetória como atleta e treinador”, conta a filha do treinador.

A cidadezinha de atmosfera japonesa, as estradas de terra, a rigidez do cotidiano — tudo isso forjou um homem que hoje transforma realidades nas quadras de Brasília. Com disciplina, respeito e amor, os mesmos valores que o mantiveram em pé nas madrugadas frias, ele guia novos atletas para que encontrem, também eles, o próprio caminho de vitórias.

Fonte: Arquivo pessoal

Por Henrique Valente

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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