Pessoas com deficiência relatam dificuldade para estagiar

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Embora exista lei que destina 10% das vagas de estágio para pessoas com deficiência, a realidade não é tão simples quanto se imagina

(Arte: Gabriella Tomaz)

Júlia Franco, 25, é psicóloga e se formou no final de 2020. Diego Veiga, 23, concluiu a sua graduação em jornalismo recentemente, no primeiro semestre de 2021. Ambos possuem deficiência e, além do uso da cadeira de rodas, os dois têm mais em comum. Embora existam plataformas que oferecem vagas de estágio para estudantes com deficiência, Júlia e Diego, ao longo da vida acadêmica, nunca conseguiram um estágio que fosse acessível para eles por esses caminhos.

Conforme a Lei n° 11.788 de 25 de Setembro de 2008, uma em 10 vagas oferecidas em processos seletivos para estágio, seja ele voltado para ensino médio ou superior, deve ser destinada exclusiva e obrigatoriamente para pessoas com deficiência (PcD). Entretanto, não basta apenas ofertar vagas, o local concedente precisa estar apto, tanto em estrutura quanto em conhecimento sobre as deficiências, para atender às necessidades que os estagiários demandam.

É um dos fatores que Júlia reforça. Para a psicóloga, a maior dificuldade está relacionada à locomoção para o local do estágio, uma vez que a maioria exige a utilização de transportes públicos. A psicóloga criticou a acessibilidade dos veículos, e ainda citou exemplos de empresas que não oferecem o benefício do vale transporte. “Na concepção deles (das empresas), é melhor que a gente não demande tantas adaptações na estrutura geral da companhia de transporte”.

Júlia Franco acrescenta que, em sua grande maioria, o mundo organizacional não está preparado para lidar com a diversidade, e isso vem, na opinião dela, de uma construção capacitista de muitos anos atrás. Ela acusa que algumas empresas, campos de estágio, buscam selecionar, dentro das vagas destinadas às pessoas com deficiência, os seus “preferidos”. “Eles fazem isso de uma forma discreta. A maioria das empresas pede para colocar o CID 10 no currículo, buscando filtrar o candidato pela sua deficiência ou adaptar o ambiente de trabalho ao estagiário que possa vir a ser contratado. Porém, o segundo caso faz parte da minoria”.

Por essa perspectiva, Diego aponta outro problema, que surgiu junto com a pandemia de covid-19: o trabalho em casa. “O modelo híbrido não é o ideal para nós. Pela perspectiva do mercado de trabalho, a lei de cotas existe, mas o home office abriu espaço para as empresas evitarem nos receber. ‘Pode ficar em casa, trabalha de home office. Não precisa vir para cá, mas, por conta disso, agora você vai ganhar um salário menor’, eles dizem. Se isso continuar, vamos acabar ficando cada vez menos presentes nos ambientes de trabalho”, desabafou.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) salienta que ambos os casos conferem discriminação e, portanto, são passíveis de denúncia pelos estagiários. De acordo com a coordenadora nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do MPT, Adriana Reis de Araújo, esse tipo de prática discriminatória é vedada por lei (art. 7o, XXXI, CRFB, art. 1o da Lei 9.029/95, art. 28, XIII e art. 34, § 1o da Lei 13.146/2015) e ofende a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD). As queixas podem ser feitas através do site do MPT na aba “Fale com o MPT”.

Embora o cenário apresentado seja preocupante, Veiga pensa que tais atitudes são fruto da ignorância, mais do que preconceito de fato. “Pressuponho que as pessoas não conheçam a nossa realidade”. E enxerga o “antes” do estágio como uma das soluções possíveis para as adversidades encontradas pelas pessoas com deficiência. “A questão da acessibilidade vai além desse âmbito (do estágio). Só para entrar na universidade, a pessoa com deficiência já precisa superar dificuldades. Às vezes, falta qualificação por carência de oportunidades ou por outros fatores, e a empresa precisa estar preparada para isso, saber os contextos que rodeiam a realidade da pessoa com deficiência”.

Perspectivas

Giulia Passoni, 20, também é cadeirante e sonha fazer o curso de letras. Ela comprova, através de experiências próprias, a opinião de Diego. Segundo a jovem, no ensino médio ela tinha dificuldades até para usar o banheiro, porque o acesso se dava por uma escada. “Tinha que usar o banheiro das tias da limpeza ou o da cozinha”. Não para por aí, outro contratempo enfrentado por Giulia incluiu sua sala de aula. “Minha turma iria mudar de uma sala para outra, que também tinha o mesmo empecilho dos degraus. Esqueceram que eu não conseguia ir para a nova sala, e tiveram que nos transferir novamente”.

Segundo ela, esses detalhes seriam resolvidos se as pessoas com deficiência fossem uma pauta constante em debates. Assim, a possibilidade de quebrar o preconceito dos que simplesmente desconhecem a situação seria maior. “O fato das pessoas se inteirarem sobre o assunto já melhora muito a capacidade da nossa inclusão”.

Da esquerda para direita: Júlia, Diego e Giulia. (Fotos: Arquivos pessoais)

Júlia corrobora com esse pensamento. Atualmente, na empresa em que trabalha, algumas modificações foram feitas através de demandas que foram sugeridas pelos próprios funcionários. “Precisou que eu e outras pessoas que trabalham comigo e que possuem alguma deficiência falassem e exigissem algumas pequenas adaptações. Eu dei sorte de trabalhar em uma empresa que é totalmente aberta a escutar seus colaboradores”. Contudo, a psicóloga sabe que isso foi um ponto fora da curva, porque a maioria não abre essa via de escuta para seus funcionários. Por fim, ela volta a enfatizar a importância das empresas serem acessíveis para um local mais rico em diversidade de pessoas.

Por Gabriella Tomaz e Thiago Quint
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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