Profissionais de jornalismo afirmam que Clarice Lispector é inspiração para carreira

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Além de escritora, Clarice Lispector foi jornalista. Nas conversas com entrevistados, tinha empatia. Colocava-se, de fato, no lugar também de quem respondia. Ela fazia as perguntas para entrevistados e para si mesma, como na conversa com Jece Valadão, em 1977: 

“Clarice: – E hoje, o que significa o cinema para você?

Jece:  – Hoje, para mim, cinema é oxigênio, sem o qual não consigo respirar. 

(Qual é o meu oxigênio? – pergunto-me eu e a resposta é um silêncio desolador.).”

Nas temáticas, tinha compromissos com causas como a liberdade feminina. Em Brasília, mulheres jornalistas inspiram-se na consagrada escritora para traçar a carreira. 

                                

Carteirinha do Sindicato dos Jornalistas de Clarice Lispector

Voz das Marias

“Eu nunca li algo que me arrebatasse como Clarice”, conta-me a jornalista Mara Régia, de 69 anos, com mais de quatro décadas de carreira, enquanto a gente conversa sobre toda a complexidade e intensidade da escritora. Mara é publicitária, jornalista e radialista, e tem um programa de rádio chamado “Viva Maria” que está no ar há 38 anos.

“Infelizmente, eu tive um pai agressor por causa da doença do alcoolismo (…) Foi muita dor, muito sofrimento. Um dia eu fechei os olhos e falei: eu quero crescer para fazer alguma coisa para que as mulheres nunca mais tenham que apanhar”, desabafa

Ler e ouvir as matérias da Mara, me dá esperança e me inspira para continuar seguindo o caminho do jornalismo.

Mara nasceu no Rio de Janeiro e diz que, quando chegou a Brasília, ficou tão perplexa quanto Clarice ao chegar na capital. A escritora registrou: “Quero esquecer de Brasília, mas ela não deixa. Que ferida seca. Ouro. Brasília é ouro. Jóia. Faiscante”. Clarice tinha uma relação enigmática com a capital. Já para a Mara, ela diz que não escolheu Brasília, mas que “foi escolhida” por ela.  “A Clarice é como se fosse um energético, uma poção mágica. Ela te faz beber a energia que você precisa para continuar”, afirma Mara Régia.

“Eu acho que o futuro é preto” 

Quem me falou essa frase foi a jornalista Fran de Paula, de 34 anos, que é negra. A Fran me contou que o preconceito começou logo na faculdade. “Eu lembro de uma professora me falar que eu ia ter que alisar o cabelo para fazer telejornal. Eu nunca tive interesse em trabalhar na TV, pensando hoje, eu não sei se isso foi uma forma de me auto proteger de mais comentários como esses”. 

Fran defende fazer matérias usando as minorias como fonte: “a visão branco masculina está em quase tudo. Acho que é um exercício importante a gente fazer essa busca por novos olhares”. Apenas 37% dos jornalistas no Brasil são mulheres, segundo o IBGE. Mas, Fran vê o futuro com otimismo. “Eu acredito que a gente vai criar nossos espaços. A gente vai criar nossas formas de fazer notícia”. 

Poesia no texto

 A jornalista Leilane Menezes, de 33 anos, trabalhou na Record, no Correio Braziliense e hoje em dia, morando em Portugal, escreve para o Metrópoles. Mas assim como a maioria dos iniciantes, ela começou a escrever na editoria Cidades, cobrindo acontecimentos “pequenos”, mas ela não os via dessa forma. A jornalista sempre procurou ver a poesia nos eventos diários. Ela lembra de uma reportagem do início da carreira sobre a beleza da trivialidade: “Uma matéria que era sobre um passeio do Lar dos Velhinhos para a Água Mineral. Eu cheguei ali e achei aquilo tão bonito, tão poético. Os bombeiros no auge da saúde e eles ajudando aqueles velhinhos, eu achei um contraste tão grande de duas partes da vida tão diferentes”.

Leilane ouviu elogios dos colegas mais antigos na redação, de que aquilo seria um “respiro” diante de todas as matérias duras do cotidiano.

Leilane, que tem 12 anos de carreira, testemunha que, a redação, pode ser um ambiente hostil para uma mulher, incluindo um episódio de um concurso de “Musa da Redação”. “Horrível. Os homens votavam nas musas e era separado por categorias: eram categorias peito e bunda”.

Eu mesma já ouvi vários relatos de colegas da faculdade que se demitiram do estágio porque eram assediadas constantemente no ambiente de trabalho. O Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal (SJPDF) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) estimulam que profissionais mulheres denunciem assédio sexual e moral. Ainda há temor em denunciar com receio de retaliações.

“As fontes que você escolhe para a sua matéria dizem muito sobre o trabalho que você quer entregar”, afirma Leilane Menezes.  Peguei uma aula com a Clarice e fui introspectiva, olhei para minhas fontes e pensei: “que sorte a minha poder falar com essas mulheres”. Mulheres jornalistas, que assim como a Clarice, escreveram suas reportagens como forma de lutarem por uma causa e se manterem eternas. Mulheres que correram para que nós pudéssemos começar a andar.

 Por Luisa Barmell

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

 

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