Agressões de todo tipo, ações excludentes e machismo por todos os lados têm feito com que mulheres busquem redes de apoio em projetos sociais de cunho feminista. Assim, as participantes conquistam um lugar em que possam se sentir mais seguras e importantes. Iniciativas, que partiram de mulheres brasileiras, como o “Temos que falar sobre isso”, “Parto Para Mim” e “Eu vejo flores em você” têm despertado novas perspectivas para pessoas que viram direitos básicos negados.
De acordo com a psicóloga Bianca De Franco, iniciativas como essas tornam-se espaços para a mulher falar e ser ouvida, falar e não ser julgada. “A troca de experiências permite o autoconhecimento. A partir do momento que melhoramos o nosso autoconhecimento, a gente consegue criar estratégias mais eficazes para lidar com situações que não conseguimos mudar do dia para noite”, explica.
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A antropóloga Elisa Matos, mestre em Estudos da Mulher, relata que as mulheres recebem tratamentos diferenciados em decorrência de gênero, nos mais diversos âmbitos: trabalhista, sexual, afetivo, saúde, cultura, educação, entre outros. Ela enfatiza que “o momento tecnológico que estamos possibilita maior expressão das pluralidades, mas isso não significa que nós somos mais lutadoras que as mulheres de antigamente”.
Para a cientista política Laísa Cardoso, as mulheres mostram-se com maior conscientização. “A Teoria Política Feminista vem ganhando força, nos últimos anos, como complemento e resultado da luta de mulheres por posições de sujeito mais equânimes”, diz. Para a especialista, as iniciativas feministas aumentam as possibilidades e incentivos de se mobilizar política e socialmente. “Isso é fundamental para qualquer processo de mudança”.
“Quase toda mulher que se rebela contra a norma é excluída e julgada por quem devia lhe dar apoio. Daí a importância de organizações que promovem o empoderamento feminino como rede de apoio, não só como instrumento de enfrentamento direto”, completa Laísa Cardoso.
Apoio para a mãe

A Parto Para Mim é uma rede de apoio e promoção de bem-estar entre mulheres em diferentes fases da vida, com acompanhamento durante a gravidez, parto e período posterior a ele. A equipe é formada por quatro pessoas: Carla Gomes, Lorena Sales, Natália Carvalho e Victória Palmerston. Elas se conheceram em um curso de doulas, e logo desenvolveram uma grande afinidade.
A iniciativa teve início com o intuito de oferecer assistência humanizada, centrada no protagonismo feminino, no período do parto e nascimento. No entanto, as integrantes decidiram ir além do serviço de doula, e passaram a realizar rodas de conversa gratuitas: mensais, para gestantes; e quinzenais, para puérperas. As integrantes também realizam pinturas de barriga e acompanhamento psicológico de mulheres.

Sobre a assistência de forma humanizada, Bianca De Franco diz que quanto mais humanizar e naturalizar isso, melhor. “O parto humanizado é menos traumático para a gestante, para o bebê, para o irmão, para o pai. A família participa de modo bastante ativo no processo inteiro”, completa a psicóloga.
“As rodas têm sido muito gratificantes. Nós sentimos que existe uma demanda muito forte por espaços em que essas mulheres possam dar vasão para o que estão sentindo, sem medo de julgamento”, relata Victória Palmerston. No futuro, a Parto Para Mim pretende expandir as rodas para mulheres no geral e, também, trabalhar com adolescentes e participantes na menopausa.
“Essas rodas têm um papel muito importante na minha vida como mulher e mãe, porque elas são um espaço seguro de troca. A gente troca desde questões coletivas, da nossa vida como mãe e do desenvolvimento dos nossos filhos, até questões mais subjetivas e desafiadoras. É um espaço de empoderamento”, relata Luana Souza, participante das rodas de conversa para mulheres que já têm bebês, que ocorrem quinzenalmente.
Na página da Parto Para Mim, são tratados temas como sexualidade e empreendedorismo feminino, além da divulgação de trabalhos e serviços executados por mulheres. Para acompanhar as realizações da rede, basta acessar o facebook. O site está em processo de construção.
Relatos anônimos
O projeto “Temos que falar sobre isso” é uma plataforma anônima que recebe relatos de mães que enfrentaram dificuldades no parto, gravidez e período puerperal. Tem como intuito a promoção do empoderamento feminino, por meio da criação de um espaço em que as mães possam dar depoimentos sem serem julgadas e, por conseguinte, encontrarem uma rede de apoio composta por mulheres que enfrentaram situações semelhantes às delas.

A fundadora Thais Cimino passou por problemas pós-parto e dificuldades na amamentação. “A partir da minha experiência pessoal, entendi a importância de haver uma rede de acolhimento para as mulheres, em que elas pudessem falar sobre as dores e desafios durante a gestação, parto e pós-parto. Mães são criticadas sem piedade e acabam se isolando em silêncio com suas dores”, conta. Por essas razões, ela criou o blog “Temos que falar sobre isso”, em maio. Já foram recebidos mais de 200 desabafos anônimos.
Além de realizar amparo às mães, a iniciativa feminista fornece informações especializadas ao público, por meio de artigos, matérias e respostas de colaboradores atuantes nas áreas psicológica, médica e jurídica. Também indicam locais de apoio presencial, próximos às mulheres que entram em contato com a equipe, composta por mais de 20 profissionais que trabalham voluntariamente.
Para a psicóloga Bianca De Franco, a recomendação primordial para essas mães é conversar sobre o assunto. “A gente precisa que essas mulheres falem, exponham os seus dramas e sofrimentos e, principalmente, se encontrem. Uma vez entendendo, você pode conversar sobre [a situação] e a coisa fica muito mais leve”, declara.
“É normal você não querer ficar grávida, perder o filho; ele nascer e você não sentir aquele amor absurdo, que relatam no primeiro olhar”, afirma Bianca. A psicóloga acredita que esses grupos de apoio para mães têm sido a frente para tratar sobre os problemas decorrentes do período da gestação, parto ou posterior a ele, em vista da dificuldade que as mulheres têm em tratar sobre o tema.
De acordo com Thais, o “Temos que falar sobre isso” tem superado todas as expectativas. “Deixou de ser um projeto pessoal para ser uma construção coletiva. O carinho, a empatia e o acolhimento que encontramos são a prova de que estamos no caminho certo”, comenta.
Sobre as perspectivas, a fundadora e gestora do projeto conta que está agendada uma participação em uma conferência mundial de saúde coletiva, em 2016. No mesmo ano, a iniciativa começa a realizar a formação de alunos sobre a identidade feminina, em faculdades de medicina. Também passa a fazer parte de uma coluna mensal, em uma revista nacional sobre maternidade. Elas estão em processo de estabelecimento de parcerias, de modo a atuar também fora do mundo virtual.
Quem tiver o interesse de acompanhar o “Temos que falar sobre isso” e/ou escrever relatos pessoais, deve acessar a página do facebook e o blog, respectivamente. Caso haja vontade de colaborar como profissional, basta entrar em contato com a equipe, que avalia a relevância dos temas abordados por ele, em afinidade com o projeto.
Cartas especiais
Outro exemplo de projeto de cunho feminista é o “Eu vejo flores em você”, que consiste no recebimento de cartas feitas de mulheres para mulheres. Elas são individualmente ilustradas e impressas (ou, caso a remetente prefira, datilografadas em uma máquina de escrever) pela equipe e, depois, enviadas para a destinatária via correio, de forma gratuita.
O projeto visa auxiliar na melhora da autoestima feminina e fomentar redes de apoio entre mulheres. “Queremos incentivar a exposição da admiração que já existe entre nós [mulheres]”, declara Daniela Duarte, idealizadora da iniciativa. A equipe é composta por cerca de 50 voluntárias, tanto ilustradoras quanto parte da organização.
“O projeto ‘Eu vejo flores em você’ contribui para a consciência da rede entre mulheres e a possibilidade de solidarizar entre nós. É muito importante, se consideramos como o sistema patriarcal insiste em destruir estes vínculos, com noções primárias de que as mulheres competem entre si e são sempre inimigas”, comenta a antropóloga Elisa Matos.
“Me sinto muito mais forte desde que comecei a participar do projeto. Não simplesmente pela minha participação, mas pela proporção que ele tomou e pela quantidade de mulheres envolvidas. Sinto a união entre nós e a desmistificação da ideia de que devemos ser sempre rivais. Cada manifestação de admiração, amor e carinho, que tenho acesso, é como um alimento quando chego em casa de um dia cansativo, repleto de competição”, conta Helena Barbieri, que participa como ilustradora e organizadora desde o início da iniciativa.
Desde o início do projeto, que ganhou força em fevereiro deste ano, já foram recebidas mais de 350 cartas. Elas servem como forma de fortificar os laços existentes entre as remetentes e destinatárias. “Quase todas as destinatárias choram ao lerem suas cartas pela primeira vez. Sempre recebemos mensagens dizendo que as cartas provocaram fortes emoções, e então, viraram quadros ou foram coladas nas portas dos guarda-roupas”, acrescenta Daniela.
“Foi uma surpresa deliciosa! Fiquei muito emocionada e feliz! Me senti muito bem e gratificada. Senti um amor enorme e recíproco da minha filha”, conta Viviane Aronowicz, que recebeu uma carta da filha. As cartas são enviadas independente da natureza da relação, como mães, avós, netas, filhas, namoradas e amigas.

Em abril, o “Eu vejo flores em você” realizou a campanha “Flores em Cristiane”, destinada à Cristiane Damacena. A jornalista foi vítima de ataques racistas no próprio perfil do facebook, o que a fragilizou. Após tomar conhecimento da situação, a equipe do projeto abriu um canal para o recebimento de mensagens positivas, por pessoas de ambos os gêneros, destinadas a ela. Depois, foi realizada a confecção de um livro de capa dura, que foi entregue a Cristiane.
Ouça aqui entrevista de Daniela Duarte sobre a campanha
“O projeto chegou na minha vida em um momento muito especial. Eu estava devastada, com toda a repercussão das ofensas racistas que recebi na internet, e ver todas aquelas mensagens e imagens, organizadas de forma tão carinhosa, fez eu me sentir abraçada por todas aquelas pessoas”, declara Cristiane Damacena.
Já em agosto, foi feita a campanha “Flores em Gisele”, como forma de apoio à Gisele Santos. A jovem sofreu agressões realizadas pelo companheiro, que resultaram na amputação das próprias mãos e pés. Estes foram reimplantados, mas declarou-se a necessidade de próteses para substituir as mãos. A equipe do projeto feminista novamente se mobilizou para receber mensagens de suporte, além da elaboração do livro. Também auxiliaram na divulgação do financiamento coletivo, criado pela família da vítima, para arcar com as despesas médicas.
Ouça aqui entrevista de Daniela Duarte sobre a campanha
“Estamos à procura de patrocinadores para tornar nossa iniciativa mais profissional e começar ideias que já estruturamos, mas que precisam de investimento”, declara a idealizadora do projeto. Como parceiros, o “Eu vejo flores em você” já conta com a Parto Para Mim, ANIS (Instituto de Bioética), Balaio Café e Instituto Sabin.
Daniela Duarte destaca que pretende expandir o projeto, para atingir públicos mais marginalizados. Também relata a vontade de atuar em meios como salas de aula, realizar rodas de conversa e participar de outros eventos que propaguem formas de apoio entre mulheres.
Para participar como remetente, é necessário acessar o site e entrar na sessão “Envie sua carta”. Mulheres que tenham o interesse de ser voluntárias, devem enviar um e-mail para projvejoflores@gmail.com, com o motivo de quererem fazer parte da iniciativa. Para saber mais sobre o projeto e acompanhar as novidades, basta acompanhar a página do facebook.
(LEIA AS CARTAS CLICANDO DUAS VEZES NAS IMAGENS)
Por Deborah Novais







