Racismo online: brasilienses denunciam crimes nas redes sociais e pedem mais justiça

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Imagem: Arquivo pessoal

Foram duas violências. Gabriel Avellar, de 25 anos, recorda que os ataques racistas que sofreu moldaram sua identidade e sua perspectiva de vida. Em diferentes épocas de anos atrás, o estudante de artes cênicas avalia que suas experiências dolorosas vividas virtualmente o deixaram cada vez mais forte para preparar e proteger sua irmã, Maria Clara de 11 anos.

Em pleno século 21, ainda somos obrigados a conviver com o veneno do racismo e da homofobia, agora amplificados pelas redes sociais. O relato do estudante de artes cênicas é um exemplo de como essa onda de intolerância ganhou força em 2018, com o aval do próprio governo.

Na época das eleições de 2018, o universitário explica que se expunha mais no Instagram e certa vez sofreu uma ameaça de morte por parte de uma mulher, que ele não conhecia, que lhe mandou uma mensagem porque ele se manifestou contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, devido a suas declarações homofóbicas e racistas. 

“Essa mulher me mandou uma mensagem no direct do Instagram (mensagem por rede social) respondendo um story (postagem que dura 24 horas), em que eu me posicionava contra o Bolsonaro em relação às declarações super homofóbicas e super racistas que ele fazia e falou que um viado, preto e afeminado que nem eu, tinha que morrer apanhando na rua, e que com o novo governo isso aconteceria.”

O discente completou ao afirmar que a mulher o ameaçou mais uma vez, dizendo que sabia onde ele residia e que ele deveria ficar atento. “Ela disse que eu precisava tomar cuidado, que sabia onde eu morava, com quem eu morava, meus dados pessoais e coisas do tipo.”

Após postar fotos em abril de 2020 no Twitter o novo “X”, de um ensaio fotográfico que havia feito de calcinha, Gabriel recebeu comentários de cunho racista e nazista em seu perfil. “Então, quando eu passei pelo primeiro episódio de ataque racista foi pelo Twitter, em que, na realidade, fui atacado por perfis nazistas.”

O estudante desabafa que os perfis nazistas o atacaram devido à sua sexualidade, por ele ser uma pessoa preta e homossexual. “Os comentários eram que um preto, viado desse teria o perfil perfeito para viver dentro de uma câmara de gás, que sentiam saudades da época dos campos de concentração de Auschwitz e como eu combinaria com a decoração do ambiente.”

Imagem: Arquivo pessoal

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Contra o ódio

Gabriel ficou profundamente abalado após os ataques racistas e homofóbicos que sofreu online, próximas as eleições de 2018, mas não viu outra forma de se defender a não ser denunciar e bloquear o perfil que o intimidava.  “Em relação ao ataque do Instagram, eu simplesmente denunciei e bloqueei.”

O medo se instalou de verdade, quando foi agredido virtualmente pela segunda vez, pelos perfis nazistas. Foi quando uma amiga, Vitória Pannunzio, quem o ajudou a encontrar um caminho para lutar, para não ficar refém do terror psicológico. Ela mostrou como denunciar crimes cibernéticos, a partir de um boletim de ocorrência virtual.

“Eu fiquei com muito medo em relação a questão do perfil nazista. Minha amiga Vitória Pannunzio, “printou” tudo e me deu todos os prints, me ensinou o caminho para fazer o boletim de ocorrência online de um crime cibernético”, finalizou.

A frustração em busca por justiça

“Isso aí eu peguei e fiz essa denúncia. Só que no final não aconteceu nada”, declarou o estudante. 

Gabriel, vítima de ataques racistas no Instagram, decidiu denunciar o crime de forma online, acreditando que esse seria o primeiro passo para obter justiça. No entanto, semanas se passaram sem qualquer retorno, tanto da polícia quanto da própria plataforma, o que gerou nele uma profunda sensação de frustração e impotência.

“É como se ninguém se importasse. A gente denuncia, espera uma resposta, mas o silêncio é o que acaba prevalecendo”, desabafou Gabriel.

Ele esperava que as autoridades ou a equipe da rede social agissem rapidamente, seja rastreando os responsáveis ou adotando medidas para evitar novos episódios.

No entanto, a falta de ação de ambos os lados deixou Gabriel indignado. “A plataforma não parece preocupada em combater o racismo de forma séria, e a polícia trata esse tipo de crime como se fosse irrelevante”, afirmou.

O descaso com que a questão foi tratada reforçou para Gabriel a impressão de que a internet se tornou um ambiente onde o racismo e outros tipos de violência permanecem impunes, deixando as vítimas sem apoio ou qualquer perspectiva de justiça.

“Eu não sou culpada pelas violências que sofro”, afirmou convicta.

“Sou responsável por mim e pelas minhas ações.” Essa clareza mental, que combina com sua maturidade emocional, é uma conquista significativa para Gabriel. “Hoje em dia, me sinto muito mais maduro e resiliente. Não queria ter passado pelo que passei, mas aprendi com isso.

No final, tudo é experiência.” As palavras de Gabriel ressoam como um testemunho de superação, mostrando que, apesar das dificuldades, há sempre um caminho para a esperança e o crescimento.

Imagem: Arquivo pessoal 

“Estar com pessoas que vivenciam situações semelhantes a mim me fortalece, mas nós não somos apenas nossas dores, somos muito mais do que isso”.

Ele reconhece a luta contínua que enfrenta, ao demonstrar uma profunda preocupação com sua irmã de 11 anos, Maria Clara, uma menina negra que, aos poucos, começa a se confrontar com a realidade de um mundo real e virtual racista.

“Eu já estou calejado. Quando olho para ela, vejo que, como uma menina negra, ela também enfrentará desafios por ser mulher. Ela está se descobrindo, e a primeira questão que surgiu para ela foi a da negritude. Antes de tudo, ela é negra”.

Essas palavras carregam um peso emocional, uma consciência aguda do que significa crescer em um mundo que frequentemente marginaliza as vozes e experiências de jovens como Maria Clara.

Maria Clara está em plena fase de formação de identidade, lidando com questões de autoestima e pertencimento.

Gabriel, ciente das pressões externas, preocupa-se com o impacto que essas questões podem ter em sua irmã.

“Minha irmã já perguntou porque há tão poucas personagens negras em desenhos animados e por que as protagonistas são, na maioria das vezes, brancas. Isso me mostrou como ela busca representatividade e pertence a um mundo mais amplo.”

“Preciso ser um modelo de resiliência e determinação”, reflete Gabriel, reconhecendo que a jornada de formação e apoio à irmã não será fácil, mas é crucial.

Ele sabe que cada conversa e cada momento de vulnerabilidade compartilhada é uma oportunidade para equipá-la com as ferramentas necessárias para enfrentar o racismo sem perder sua dignidade. “Quero que ela saiba que não está sozinha e que há uma rede de pessoas negras que a apoia”, acrescenta.

Legislação

De acordo com o advogado especialista em direito digital, Lucas Karam, de 30 anos de idade, os ataques racistas no mundo virtual têm se tornado cada vez mais recorrentes, e as vítimas enfrentam um violento cenário nas redes sociais. Ele esclarece que existem leis brasileiras que protegem e orientam os cidadãos sobre como proceder diante dessas agressões.

“Os ataques racistas nas redes sociais são regidos principalmente pela Lei nº 7.716/1989, conhecida como a Lei do Racismo, que tipifica crimes resultantes de preconceito de raça ou cor”.

Karam também mencionou que o Código Penal Brasileiro aborda a questão da injúria racial no artigo 140, §3º, que “se refere a ofensas à dignidade ou ao decoro de uma pessoa, utilizando elementos relacionados à sua raça, cor, etnia, religião ou origem”.

Além disso, ele explicou que, em casos de perseguição, o crime de stalking pode ser aplicado, conforme o artigo 147-A do Código Penal. “Essa tipificação é importante, pois aborda comportamentos de assédio e perseguição que podem ocorrer nas redes sociais, agravando a situação da vítima”, afirmou.

O advogado destacou ainda a relevância da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que protege dados pessoais sensíveis, incluindo informações sobre origem racial ou étnica. “Se essas informações forem utilizadas de forma ilícita em ataques racistas online, a vítima pode buscar reparação e responsabilização do agressor”, explicou. Ele enfatizou que a LGPD possui um princípio de não discriminação, visando proteger os indivíduos de qualquer forma de discriminação relacionada ao tratamento de seus dados pessoais.

Para as vítimas de ataques racistas, Karam recomenda que “é essencial preservar todas as evidências do ataque, como capturas de tela, URLs e dados do agressor”.

Boletim de Ocorrência

Em seguida, ele sugere registrar um Boletim de Ocorrência em uma delegacia especializada em crimes cibernéticos ou discriminação racial. “Essa ação é crucial para documentar o crime e iniciar o processo legal”, acrescentou.

Em relação à coleta de provas, Karam sugere que as vítimas realizem capturas de tela das mensagens ofensivas e salvem os endereços, registrando data e hora das publicações. “Se possível, autenticar essas provas em cartório com ata notarial ou utilizar ferramentas que certificam digitalmente o conteúdo pode garantir a integridade das evidências”, orienta.

Sobre como denunciar esses crimes, Karam explica que a denúncia deve ser feita às autoridades policiais por meio de Boletim de Ocorrência, e também é importante notificar a plataforma de rede social. “Denunciar a postagem e solicitar a remoção do conteúdo é fundamental, pois ambas as ações aumentam a eficácia da resposta ao crime”, afirma.

Ele também aborda a possibilidade de denúncias anônimas, que podem ser feitas através de canais como o Disque 100. “Embora seja possível, é importante ressaltar que denúncias anônimas podem limitar a profundidade da investigação e a possibilidade de reparação direta à vítima”, alerta.

Em contrapartida, ele afirma que denúncias formais permitem maior engajamento das autoridades e acesso a medidas legais de proteção.

As vítimas podem buscar medidas cautelares, como a remoção imediata do conteúdo ofensivo e a proibição de contato com o agressor. “Essas medidas são essenciais para garantir a segurança da vítima”, diz Karam. Ele ressalta que a remoção de conteúdos ofensivos pode ser feita diretamente à plataforma, e, se a solicitação não for atendida, é possível obter uma ordem judicial.

Karam também esclarece que as vítimas têm o direito de resposta, que permite a publicação de uma retratação ou esclarecimento em um espaço equivalente ao da ofensa. “Esse direito pode ser negociado com a plataforma ou o agressor, e, se necessário, pode-se recorrer judicialmente para garantir sua efetivação”, explica.

As vítimas têm direito a pleitear indenização por danos morais, e o valor da indenização é definido pelo juiz, levando em conta a gravidade da ofensa e a repercussão do caso.

“É fundamental que as vítimas saibam que têm o direito de buscar reparação”, enfatiza.

Karam destaca a responsabilidade das plataformas de redes sociais em moderar conteúdos racistas. “Elas têm o dever de remover conteúdos ilícitos após notificação, e, se não o fizerem, podem ser responsabilizadas civilmente pelos danos decorrentes dessa omissão”, alerta.

Para prevenir ataques racistas, ele sugere que as redes sociais implementem filtros de conteúdo e políticas claras contra discriminação. “Promover campanhas educativas e incentivar o debate sobre diversidade e inclusão são ações essenciais para criar um ambiente digital mais seguro e acolhedor para todos”, conclui.

O papel das autoridades

Imagem: Ana Carolina Miranda 

No Brasil, o racismo é uma chaga profunda, manifestando-se de maneiras variadas e abrangendo não apenas a cor da pele, mas também etnias, origens nacionais, sexualidade e identidade de gênero.

Em uma entrevista com a delegada adjunta Cyntia de Carvalho, da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa , ou por Orientação Sexual, ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin), a complexidade desse problema ficou evidente, especialmente no contexto das redes sociais, onde os ataques racistas proliferam com facilidade.

Cyntia destacou que a maioria das ofensas raciais ocorre no ambiente cibernético. “As interações sociais estão se dando mais via internet. As ofensas de cunho racial têm se intensificado nestas plataformas”, afirmou.

Embora a legislação tenha evoluído para incluir a injúria racial na lei do racismo, ela reconhece que os desafios persistem.

“A legislação é boa, mas o que precisamos é que o sistema de justiça funcione”, disse, ressaltando que a aplicação das leis muitas vezes esbarra na cultura racista que permeia a sociedade, refletindo-se nas próprias instituições.

Agressores

Uma das questões que emergiu durante a conversa foi a dificuldade em identificar um perfil específico para aqueles que cometem racismo online. “Qualquer pessoa pode ser racista na internet. Não existe um padrão, uma ‘característica’ que define esses indivíduos”, explica Cyntia. 

A delegada observa que até mesmo pessoas idosas estão envolvidas, destacando que “os canais também envelhecem”. Essa ausência de um perfil definido torna mais complicado o trabalho de identificação e punição dos responsáveis.

Atendimento

Quando as vítimas se apresentam na Decrin, frequentemente chegam atordoadas e inseguras. “Muitas vezes, elas não se enxergam como vítimas”, explica a delegada.

“Precisamos acolhê-las e mostrar que elas têm o direito de se sentir ofendidas. Muitas já sofreram tanto que se culpam pelo que aconteceu”.

O acolhimento é uma etapa crucial, pois a delegacia se esforça para legitimar a dor das vítimas. “Registrar um boletim de ocorrência pode ser doloroso, pois a pessoa tem que reviver o trauma”, continua Cyntia.

“Então, muitas vezes, o que elas realmente precisam é de um espaço para falar e serem ouvidas.”

O procedimento na Decrin começa com o registro do boletim de ocorrência, seguido da coleta de informações sobre as versões das partes envolvidas.

“Depois, fazemos um relatório final e enviamos ao Ministério Público, que decide se haverá ou não uma denúncia e, consequentemente, um processo penal”, esclarece a delegada.

Racismo

Para combater o racismo nas redes sociais, a DECRIN realiza campanhas de conscientização e trabalha em conjunto com ONGs e movimentos sociais. Cyntia enfatiza a importância da educação digital.

“O mundo digital é o reflexo do mundo real. Não é uma terra sem lei só porque estou atrás de um teclado. As pessoas precisam entender que podem ser responsabilizadas por suas ações online”, enfatiza.

Além disso, a delegada fala sobre a colaboração da mídia na disseminação de informações sobre os canais de denúncia.

“O papel da comunicação é essencial para informar a sociedade sobre como e onde denunciar. Precisamos que as pessoas saibam que existem recursos disponíveis e que a polícia está disposta a acolher e resolver esses casos”, ressalta.

Sensibilização

Imagem: Ana Carolina Miranda 

A DECRIN também se empenha em campanhas de sensibilização e formação, buscando mudar a percepção da sociedade sobre o racismo. “Nós queremos trazer uma nova geração que entenda que esse tema é importante. É um avanço, e temos que continuar nessa direção”, afirma Cyntia.

A delegada menciona que a colaboração com movimentos sociais é fundamental, pois muitos não procuram a polícia como primeiro ponto de apoio devido ao estigma de que a polícia é violenta. “Estamos tentando mudar essa imagem”, diz, “e mostrar que aqui nós acolhemos e resolvemos os casos.”

A luta contra o racismo nas redes sociais é um desafio coletivo que exige a participação ativa de todos os setores da sociedade. Somente com um esforço conjunto, que inclua educação, acolhimento e responsabilização, será possível transformar o ambiente digital em um espaço mais seguro e respeitoso para todos. “A educação é fundamental, tanto para as vítimas quanto para os agressores”, conclui Cyntia.

“Precisamos trabalhar juntos para construir uma sociedade que respeite a diversidade e combata a discriminação em todas as suas formas.”

“Os racistas não olham pros seguidores, olham pra cor da pele ”

Imagem: Arquivo pessoal

Aos 24 anos, a influencer e multiartista Sophia Dinis também viveu na pele a crueldade do racismo e da discriminação, alimentados por um ambiente virtual que deveria ser espaço de conexão e criatividade. A violência chegou via Instagram.

“Eu ouvi que só estavam me dando espaço para crescer em meio às redes sociais, só por ser uma cota para tal marca, e não por ter talento para criar aquele conteúdo e divulgá-lo”.

Suas denúncias escancaram o impacto devastador de ataques odiosos que não apenas impedem sua trajetória profissional, mas também feriram profundamente sua saúde mental.

Sophia, que se divide entre arte e moda em Brasília, onde estuda Design de Moda e mantém parcerias com diversas lojas, viu seu trabalho como influencer ser brutalmente sabotado pela constante torrente de mensagens racistas. Essas ofensas vinham de perfis anônimos, criados apenas para destilar ódio.

Imagem: Arquivo pessoal

Imagem: Arquivo pessoal

“A pessoa pegava meu post, encaminhava para mim no direct e falava o que queria, me atacava por causa da minha cor”, relata. Sophia não hesita em apontar a covardia dos agressores: “Ninguém tem coragem de dar as caras e usar o próprio perfil. São sempre contas fakes que vêm me diminuir.”

Imagem: Reprodução/Arquivo pessoal

Imagem: Reprodução/Arquivo pessoal

O ódio vinha de maneira direta, visceral, como quando alguém, ao ver seu rosto, ofendia sua aparência ou enviava emojis de macacos acompanhados de insultos. “Sua gengiva é preta, sua macaca”, diziam, como se isso fosse motivo para atacar e desumanizar. 

A estudante de design de moda descreve essa violência como uma agressão sem motivo, gratuita, nascida do racismo mais vil. Ela só tentava compartilhar o seu dia, apenas dar um bom dia, e o retorno que recebia era esse peso do preconceito sem razão, sem fim, que tornava sua simples presença online um alvo.

Segundo a influenciadora, ignorar as agressões online não é uma tarefa fácil, e o impacto psicológico é avassalador. “A gente tenta aguentar, mas machuca. No final do dia, desmotiva”, confessa. 

Ela recorda que a pressão era insuportável, e a decisão de se afastar das redes sociais foi uma tentativa de autopreservação. Mas fugir do ódio virtual não elimina a discriminação do dia a dia.

“No ônibus, no trabalho, na faculdade… Sempre tem algo. E aí, nas redes, onde eu tentava achar conforto, onde eu achei uma outra forma de renda, uma outra forma de tentar crescer com meus conteúdos, vem mais disso. É desestabilizador.”

Sophia tentava denunciar, bloquear os perfis que a atacavam. Mas esses agressores surgiam sempre de novo, numa maré incessante e sufocante de ódio. E o cansaço ia se acumulando, o desgaste se tornava uma segunda pele. 

Além das palavras racistas

A hipersexualização aparecia, súbita e cruel, transformando sua presença online em algo vulnerável e distorcido. Esses momentos eram como golpes inesperados, atingindo-a em seu espaço, onde ela apenas desejava ser ouvida e respeitada.

Aos poucos, o ânimo de compartilhar sua vida sumia, a voz que antes ocupava o espaço da internet, cheia de força, começava a desaparecer. Ela postava menos, sua presença se apagava, enquanto o racismo tentava triunfar, como uma sombra que insistia em sufocar sua essência e silenciar sua voz.

Quando Sophia Dinis foi questionada sobre procurar a polícia para denunciar essas agressões online, ela explicou por que nunca seguiu por esse caminho. Para ela, o racismo já se tornou uma parte tão recorrente de sua vida que parece quase “normal”,  algo que ela infelizmente, se habituou a enfrentar diariamente. 

Mesmo quando pensou em tomar uma atitude, a descrença na seriedade das autoridades pesou.

“Eu sei que também não vai acontecer nada se eu for para a delegacia”, desabafou, deixando claro o cansaço e a resignação. Ir à delegacia, e fazer uma denúncia,  para Sophia, parecia apenas uma formalidade vazia, uma ação sem efeito real. 

Ela descreve essa sensação com tristeza, sabendo que, mesmo denunciando, o racismo que enfrenta será provavelmente tratado como só mais um caso sem repercussão, sem justiça.

“Esse cansaço emocional acaba tornando o racismo parte do meu cotidiano, uma dor que eu “aceito” e engulo seco, por mais que me destrua um pouco mais a cada ataque”.

Com uma visão pessimista, a artista sabe que tudo vai se repetir, que os ataques vão acontecer de novo, e que sua única defesa é se endurecer para não desmoronar, mesmo com o coração dolorido.

Sophia disse não conhecer a Decrin.

“Eu não sabia que isso existia, que existe uma forma de sermos acolhidos e protegidos.” Ela percebeu como a existência de uma delegacia especializada em crimes de discriminação racial, religiosa e contra minorias parecia escondida, quase inacessível. 

Ela refletiu sobre a falta de visibilidade dessa instituição e sobre a escassez de informações para quem mais precisa desse suporte. “É como se ninguém realmente soubesse para onde ir”, comentou, indignada com o fato de que, em uma sociedade que tanto fala sobre igualdade, esses recursos de proteção permanecem à margem. 

Para a influenciadora, esse silêncio em torno da DECRIN reflete uma falta de curiosidade e esperança compartilhada pela própria sociedade, que, muitas vezes, não se sente motivada a buscar ou divulgar esses caminhos de defesa. Ela mesma não conhecia o recurso e se questionava por que nunca lhe falaram,ou ela mesma nunca teve a curiosidade de ir atrás disso antes.

“Por que ninguém fala sobre isso? Quantas pessoas já passaram pelo que eu passei e nem sabem que podem ter ajuda?”.

Para ela, é injusto que tantos vivem no isolamento de suas dores, sem conhecer as ferramentas de defesa disponíveis.

O racismo enfrentado pela influenciadora não se limita às ofensas anônimas. Ele está ligado no mercado de influenciadores também. A multiartista expõe as discrepâncias nos pagamentos entre influencers brancos e negros, revelando o racismo estrutural que permeia a publicidade digital. 

“Uma pessoa branca com três mil seguidores ganhava mais que eu com nove mil. Isso deixa claro como a desigualdade é normalizada”.

Ela explica que grandes empresas também perpetuam essa exploração ao oferecer permutas em vez de pagamentos justos, especialmente para influencers negros. “Um produto não é pagamento. É uma ferramenta de trabalho. Essa prática é um desrespeito.”

“Outras pessoas pretas que trabalhavam com internet na época aqui em Brasília recebiam os mesmos ataques.”

E ela não poupa palavras ao descrever a exaustão dessa luta diária: “A gente combate o racismo todo dia, mas, na internet, ele cresce e cansa.”

A artista não quer apenas relatar sua dor; ela quer despertar consciências. Seu apelo é urgente, sua revolta é legítima, e sua história é um chamado para que a sociedade encare, sem desculpas, o abismo de desigualdade que persiste por trás de perfis anônimos no espaço virtual.

“A internet se transformou em uma verdadeira “terra de ninguém”, onde agressões e discursos de ódio ocorrem sem qualquer temor de consequência”, finaliza a influencer.

Ela observa que os ofensores, protegidos pelo anonimato e pela sensação de impunidade, se sentem cada vez mais à vontade para disseminar preconceito, certos de que “nada acontece com eles”.

Sem medo de represálias, esses ataques apenas aumentam em volume e intensidade, tornando o ambiente virtual um espaço cada vez mais hostil. A sensação de que a internet se tornou um lugar sem limites nem justiça não só assusta Sophia, mas também a faz questionar até quando essa liberdade sem controle vai durar.

Desprotegidos

Imagem: Arquivo pessoal

O caso de Laryssa Schneider, uma influenciadora digital, estudante do quinto semestre de Publicidade e Propaganda e social media do Conselho Federal de Contabilidade, também expõe os desafios enfrentados por pessoas pretas no ambiente virtual.

“É muito importante trazer o ponto de que nós, pessoas pretas, nunca estamos protegidos. Sendo pessoa preta, nunca estamos protegidos em lugar nenhum. Isso é algo que carrego comigo desde o início”, diz Laryssa.

Apesar de ser uma figura pública que inspira muitas pessoas, ela carrega histórias marcantes de ataques que refletem a dura realidade enfrentada por muitas pessoas pretas na internet.

“A verdade é que sempre estaremos expostos. E, muitas vezes, não recebemos o suporte necessário, seja da sociedade ou das próprias plataformas onde ocorrem as violências online, para enfrentar isso”, desabafa a estudante de publicidade e propaganda.

Primeiros ataques

Desde que começou sua trajetória como criadora de conteúdo, há quase sete anos, a influenciadora foi alvo de ataques racistas em diferentes momentos de sua trajetória.

Ela relembra que os ataques começaram cedo, antes mesmo de se tornar influenciadora. Em 2015, enquanto usava uma rede social popular na época, chamada Ask.fm, onde foi alvo de uma onda de mensagens anônimas que criticavam seu cabelo e sua aparência. 

Na época, a influenciadora não entendia o impacto dessas discriminações online que recebia e achava que a melhor forma de lidar era apagar e ignorar os comentários maldosos feitos. “Eu recebia constantemente comentários anônimos sobre seu cabelo. Comentários como ‘para de alisar esse seu pixaim’”, relembra a social media.

Ignorar ou reagir?

A estudante de publicidade cresceu em um lar formado por um casal interracial: seu pai, um homem preto, e sua mãe, uma mulher branca. Apesar de ter encontrado apoio dentro de casa, especialmente em relação à aceitação de sua identidade, Laryssa relata que foi ensinada a ignorar situações de racismo.

“Meu pai, que já sofreu muito com o racismo, por muito tempo, acreditou que a melhor forma de lidar com os ataques era ignorar. Ele sempre dizia: ‘Deixa isso de lado, isso não dá em nada’”. 

Mas ela percebia que esse silêncio só fortalecia os agressores, ela notava que quando não havia uma reação, os racistas virtuais poderiam continuar atacando. Esse ensinamento inicial marcou sua infância, mas, ao longo dos anos, ela decidiu que não ficaria mais calada diante das injustiças. “ Com o passar do tempo percebi que o silêncio só empodera os agressores”, conta.

O segundo ataque

Laryssa foi alvo de ataques racistas pela segunda vez em 2022,  quando Larissa defendeu uma amiga que havia sido vítima de violência sexual. A situação escalou, e uma influenciadora adversária incentivou seus seguidores a atacarem Larissa.

“As mensagens que recebi foram brutais, com insultos cruéis que questionavam sua própria existência”. 

Nesta situação, as agressões foram alimentadas pelas outras mídias sociais que a estudante havia discutido, que incentivaram seus próprios seguidores a atacá-la.

“Foi uma chuva de mensagens racistas. Me chamaram de ‘macaca’, e uma mensagem que nunca vou esquecer de uma menina disse que a maior raiva dela era a Princesa Isabel ter dado liberdade para os pretos. Ler aquilo foi devastador. Era como se minha existência fosse um erro”, desabafa.

Toda essa confusão levou a uma denúncia específica, feita por suas agressoras ocorrida na época da faculdade, Laryssa relembra o processo: “Eu me envolvi em uma discussão, e a outra parte abriu um boletim de ocorrência por ameaça. Fui prestar esclarecimentos e, junto com testemunhas, expliquei o ocorrido. No entanto, o boletim foi arquivado, tanto o meu quanto o da outra pessoa, porque consideraram que foi uma troca de ofensas motivada.” Ela destaca que a denúncia foi feita em uma delegacia comum e não especializada em crimes raciais. “O processo nem chegou a virar um processo. Foi arquivado.”

Medidas extrajudiciais

Com a ajuda de sua advogada, Larissa tomou medidas legais para responsabilizar os agressores. Algumas notificações extrajudiciais foram enviadas, mas a maior parte dos agressores se escondia atrás de perfis falsos, dificultando a identificação. 

“Uma das mensagens que mais me marcaram, da menina falando da Princesa Isabel, veio de um perfil falso. Nunca conseguimos localizá-la, mas é meu sonho um dia encontrar essa pessoa e responsabilizá-la pelo que fez. Não foram poucas mensagens, foram muitas. Era um ataque coordenado.”

Laryssa Schneider relata, com muita sinceridade, como foram os processos legais decorrentes dos ataques racistas que sofreu. Ela explica que, embora algumas pessoas tenham sido notificadas extrajudicialmente, a punição efetiva foi limitada.

“Punidos a ponto de pagar um serviço comunitário? Não. Mas eles foram notificados extrajudicialmente de que estavam sendo citados no processo e que isso poderia acarretar em sanção. Porém, não acompanhei os desdobramentos. Conhecendo o Judiciário, acredito que não tenha acontecido nada além da notificação”, admite.

Dor à luta

Mesmo com apoio profissional e da família, Laryssa enfrentou uma crise emocional grave.

“Cheguei a tentar o autoextermínio. Foi um momento muito difícil, mesmo com acompanhamento psiquiátrico. Era uma sensação de não pertencimento, de não ter para onde correr. Foi a partir desse ponto que eu percebi que precisava mudar, que precisava aprender a me proteger de verdade.”

Esses episódios afetaram profundamente a saúde mental da social media, levando-a a buscar afastamento das redes e apoio psicológico.

Apesar das dificuldades, Larissa transformou sua dor em luta, denunciando os agressores, promovendo conscientização e compartilhando estratégias para enfrentar o racismo online. Os ataques a fizeram refletir sobre como o racismo opera em diferentes níveis. 

“Era impressionante perceber como as críticas ao meu cabelo eram sempre direcionadas a mim, enquanto pessoas brancas que alisavam os cabelos nunca enfrentaram essa retaliação. Isso mostra como o racismo está entranhado até nos padrões estéticos.”

Na época, a influenciadora digital já fazia tratamento psicológico, o que a ajudou a lidar com o impacto dos ataques. No entanto, ela precisou se afastar das redes sociais por duas semanas. “Eu não conseguia mais. Tive que sair. Minha irmã assumiu minhas redes, apagou as mensagens e filtrou tudo. Eu precisava de tempo para me recompor. Durante esse período, eu apaguei todos os aplicativos do celular e usava o aparelho apenas para ligações e mensagens. Foi uma tentativa de sobrevivência.”

Empoderamento

Hoje, Larissa usa sua experiência para conscientizar outras pessoas sobre a importância de não se calar diante do racismo. “Aprendi que silenciar só fortalece os agressores. Precisamos denunciar, falar, expor. O racismo online não é só uma ofensa, é um crime. Não podemos normalizar isso.”

Apesar dos entraves legais, Laryssa acredita na importância de agir. “Nunca ache que, por menor que seja a ofensa, ela deve passar despercebida. Se você se sentir ofendido, denuncie. Mesmo que o processo seja arquivado, o simples fato de movimentar o sistema já é um ato de resistência. Um oficial de justiça na porta da pessoa já é um aviso de que aquilo não vai passar impune.”

Ela também compartilha dicas práticas para proteger a saúde mental e as redes sociais: “Primeiro, é importante ter uma rede de apoio. Eu tive minha irmã e minha psicóloga. Além disso, configurei minhas redes para bloquear palavras ofensivas e filtro de mensagens. Isso ajuda muito. Mas o mais importante é saber que não estamos sozinhos.”

A influenciadora também compartilha conselhos valiosos para quem enfrenta situações semelhantes:  “Fortalecer a sua rede de apoio é essencial. Muitas vezes, estamos cercados de pessoas que não entendem nossa dor. Para mim, cercar-me de pessoas pretas foi fundamental.” Laryssa enfatiza a importância do suporte psicológico, destacando como foi transformador buscar profissionais pretos. “Já tive psicólogas que questionavam minha percepção sobre racismo, e isso só me fez sentir mais isolada. Ter uma psicóloga preta que entende minha vivência foi essencial para me sentir compreendida e acolhida.”

Além disso, ela incentiva o consumo de conteúdos que fortaleçam a autoestima e identidade das pessoas negras. “Buscar influenciadores e criadores de conteúdo pretos ajuda a reafirmar nossa identidade. Muitas vezes, consumimos conteúdos que não nos representam, e isso afeta como nos enxergamos. É importante acompanhar pessoas que nos façam sentir quistos, bonitos e dignos de amor.”

Resistência

Apesar das dificuldades, Larissa continua usando sua influência para lutar contra o racismo e inspirar outras pessoas. “Hoje, vejo que minha presença nas redes sociais é um ato de resistência. Quero que outras pessoas pretas saibam que não estão sozinhas e que há formas de enfrentar isso. Não é fácil, mas é possível.”

Sua história é um lembrete poderoso de que, mesmo diante de tanto ódio, é possível resistir, lutar e transformar a dor em força para construir um ambiente digital mais justo e igualitário. “Estamos aqui para ocupar todos os espaços, inclusive os digitais. E não vamos nos calar.”

Laryssa encerra com um recado inspirador. “Onde eu estiver, vou usar minha voz para amplificar as de outras pessoas pretas. Somos como cavalos de Tróia na internet, entrando onde só tem brancos para abrir espaço e fazer com que mais pessoas sejam ouvidas. Isso fortalece nossa identidade e nos lembra que somos dignos de amor e respeito.”

Educação e conscientização

Imagem: Arquivo pessoal

Os ataques racistas nas redes sociais configuram um dos grandes desafios do mundo contemporâneo. Para Ayla Viçosa, socióloga, licenciada em ciências sociais e professora de sociologia na Secretaria de Educação do Distrito Federal, compreender e enfrentar esse problema requer ações integradas de conscientização, educação e mobilização política.

Segundo Ayla, a educação tem um papel central na conscientização sobre o racismo online e suas consequências.

“Eu acredito que é necessária uma política combinada. Por um lado, precisamos reforçar a mensagem de que as redes sociais não são uma terra sem lei. Isso significa aplicar legislações mais rigorosas, criar mecanismos de fiscalização eficientes e promover a distribuição de materiais informativos em escolas, ambientes de trabalho e outros espaços sobre os crimes virtuais”, afirma.

Entretanto, a socióloga destaca que essas medidas não são suficientes sem um trabalho mais amplo de educação antirracista.

“É essencial que a gente faça um trabalho específico de combate ao racismo, conscientizando sobre o que realmente foi a escravização, a falta de reparação histórica e a necessidade de avançar em políticas públicas. Sem isso, o esforço nas redes sociais ficará opaco, incompleto”, ressalta.

A professora de sociologia acredita que o investimento em educação é uma solução transversal para muitos problemas sociais. “Em quase todas as entrevistas sobre problemas da sociedade, a solução sempre retorna ao mesmo ponto: investir em educação. É pela educação que conseguimos transformar mentalidades e estruturas.”

Proteção e reação

A socióloga também reflete sobre como as vítimas de ataques racistas podem reagir, tanto legalmente quanto psicologicamente. Ela enfatiza a importância da denúncia e do engajamento coletivo:

“É fundamental denunciar nos espaços disponíveis, mesmo sabendo das limitações desses mecanismos. Nada na história se transforma sem cobrança e engajamento. Além disso, é essencial que as populações diretamente afetadas por esses crimes, como os movimentos negros, estejam ativamente engajadas em elaborar propostas legislativas e cobrar políticas mais duras contra o racismo online.”

Do ponto de vista psicológico, Ayla reconhece os desafios enfrentados pelas vítimas. “É uma situação muito injusta, porque a pessoa que está sofrendo a violência já está em uma posição de fragilidade, mas precisa ser forte para reagir e denunciar. Por isso, acionar redes de apoio é crucial. Movimentos como o Movimento Negro Unificado (MNU) e a Coalizão Negra por Direitos têm desempenhado papéis históricos e podem oferecer suporte fundamental às vítimas.”

“Terras sem lei”

A socióloga aborda com firmeza a ideia de que a internet muitas vezes é tratada como uma “terra de ninguém”, especialmente quando se trata de crimes de ódio como o racismo. “Muitas pessoas acreditam que o espaço virtual está isento de regulamentações e que suas ações ali não terão consequências no mundo real”. 

Segundo ela, isso cria um terreno fértil para a disseminação de discursos racistas, especialmente porque as plataformas oferecem a possibilidade do anonimato. “O anonimato funciona como uma máscara para esses agressores, permitindo que eles expressem seus preconceitos mais cruéis sem medo de serem identificados ou punidos”, explica Ayla.

De acordo com Ayla, a sensação de impunidade é um dos maiores problemas relacionados aos ataques racistas na internet. “Quando as pessoas percebem que podem cometer crimes virtuais, como o racismo, sem que suas identidades sejam reveladas ou que elas sejam responsabilizadas, o ódio cresce e se normaliza nesses espaços”, afirma. 

A professora também destaca que essa percepção de liberdade irrestrita está diretamente ligada à ausência de regulamentação mais dura e ao descaso de algumas plataformas em monitorar e punir esse tipo de comportamento. “Os algoritmos das redes sociais priorizam o engajamento, mesmo quando ele é gerado por discursos de ódio. Isso, na prática, transforma a própria lógica das plataformas em cúmplices desse tipo de crime”, critica.

Ayla reforça a necessidade de mudanças estruturais para combater esse cenário. “Precisamos deixar claro que o espaço virtual não é uma zona livre de regras. A legislação precisa ser mais rigorosa e as plataformas devem investir em mecanismos que identifiquem e punam imediatamente os agressores”, defende. 

Além disso, ela acredita que a educação também é essencial nesse processo. “As pessoas precisam entender que o que é dito ou feito na internet tem consequências. Não podemos continuar tratando o espaço virtual como algo separado da realidade, porque os impactos do racismo online, para quem sofre, são tão graves quanto os do racismo presencial”, ressalta.

Ela ainda aponta que há um descaso histórico com o problema, o que perpetua a impunidade. “Hoje, é raro ver um racista que foi realmente responsabilizado por seus crimes virtuais. Isso passa uma mensagem perigosa: de que o racismo na internet é tolerado ou que não vale o esforço de ser combatido”, analisa. 

Para Ayla, a solução está em uma abordagem conjunta: fortalecer a legislação, garantir ferramentas eficazes de denúncia e, ao mesmo tempo, promover uma cultura antirracista. “A luta contra o racismo online precisa ser coletiva e integrada. Do contrário, continuaremos vendo a internet ser usada como um terreno fértil para o ódio.”

Redes sociais mais moderadas

A socióloga Ayla Viçosa ressalta a importância de cuidar dos espaços digitais frequentados pelas vítimas de violência online.

“É complicado abordar esse tema porque pode parecer que estamos limitando a liberdade da vítima. Porém, no cenário atual, em que as opressões são assumidas de forma aberta, é essencial priorizar a saúde mental. Denunciar com firmeza e se proteger de ambientes tóxicos é fundamental.”

No Distrito Federal, Ayla aponta como exemplo positivo o trabalho da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa, presidida pelo deputado Fábio Félix (PSOL), que acolhe e encaminha casos de crimes cibernéticos raciais. “Essa atuação demonstra que, mesmo em instâncias não diretamente focadas no racismo ou nos crimes cibernéticos, é possível criar caminhos para acolhimento e justiça”, reflete a socióloga.

Um futuro mais justo

Para a cientista social, o combate ao racismo online deve ser parte de um esforço mais amplo para transformar a sociedade brasileira.

“O racismo nas redes sociais reflete estruturas históricas e conjunturais que moldam nossa sociedade. Denunciar, educar e mobilizar são passos fundamentais para enfrentar esse problema. Mas, acima de tudo, precisamos investir em uma mudança estrutural que garanta justiça e igualdade para todos.”

Com essa visão, Ayla reforça a importância de um engajamento coletivo para enfrentar o racismo online e construir um futuro mais justo e inclusivo, tanto no mundo digital quanto fora dele.

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Por Ana Carolina Miranda

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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