Guerra, mortes e lágrimas. Essas são as lembranças mais vivas da família Nadyk da Síria, país natal. Refugiados em Brasília há quatro meses por causa da guerra civil no país árabe, pai, mãe e dois filhos buscam um recomeço. Nadyk, 42, era advogado em Damasco, capital síria. Hoje desempregado e com dificuldades de falar português, tenta reconquistar tudo que perdeu: casa própria, carro, emprego e uma vida confortável. Com a ajuda do filho mais velho, R. Nadyk, ele contou o drama familiar. “A guerra começou e ficou muito difícil ficar lá. Não tínhamos segurança para fazer nada, até a escola das crianças era perigosa. Decidimos então ir para o outro país”, descreveu.
Ele relata também que, em seu país, faltava tudo – desde comida até água potável. Havia poucos restaurantes e lanchonetes que serviam algum alimento, mas o preço alto e qualidade não tão boa. Na esperança de uma vida mais digna, atravessaram nove países e vieram para o Brasil. As dificuldades, porém, não diminuíram. “Ficamos um tempo na própria embaixada até conseguirmos alugar uma casa. Não foi tão fácil porque as pessoas achavam que não iríamos pagar e porque estrangeiro não pode alugar casa no próprio nome”, disse.
A família, de classe média alta na Síria, tinha algum dinheiro guardado e pagou coiotes para os levarem para a Europa, onde desembarcaram no sul da Itália. De lá, pegaram um avião até São Paulo e gastaram os últimos centavos viajando à Brasília. Sem mais recursos e sem diploma, que ficou no país árabe e que não teria validade em território brasileiro, S. Nadyk e a esposa, M. Nadyk, 38 anos, decidiram vender comidas sírias na cidade.
Recomeço
Na Síria, M. Nadyk era dona de casa, já que em países mulçumanos a maioria das mulheres enfrentam obstáculos sociais e religiosos para trabalhar. Entretanto, ela sempre foi prendada e faz vários salgados e doces típicos de seu país. Graças a isso, hoje a família tem uma renda média de R$ 1,5 mil. Morando em Taguatinga em apartamento com aluguel de R$ 800, a família se vira como pode, como narra a filha mais nova, T. Nadyk, 17 anos. “Minha mãe prepara as comidas, meu pai procura os clientes e cuida das encomendas, mas não tem salário fixo. Todo mês temos que rezar a Alá para que nos proteja e nos permita viver”, contou emocionada, em bom português.
A jovem estuda em um colégio público próximo ao centro de Taguatinga e é ajudada por professores e colegas com a questão do idioma e da cultura. Mas no começo não foi tão fácil como parece. “Nos primeiros dias foi difícil porque ainda não sabia falar nada em português, me comunicava por gestos e por desenhos. Os outros colegas achavam estranho e não entendiam nada. Depois fui me adaptando e tudo melhorou, inclusive as notas”, disse.
Aos poucos, a família Nadyk está se reconstruindo na capital federal, mas a saudade da terra natal ainda fala mais alto. “A gente tinha casa, carro, amigos e familiares. Soubemos dois dias depois de deixar a Síria que nossa casa foi explodida por uma bomba e doze vizinhos nossos morreram. Graças a Alá conseguimos escapar de uma tragédia maior. Aqui no Brasil, estamos sozinhos e não temos certeza do que vai acontecer daqui para frente”, explicou a mãe, M. Nadyk.
Para S. Nadyk, o maior desejo nos dias de hoje é voltar para a Síria. Mesmo com o negócio dos quitutes tendo uma boa saída, o salário é três vezes menor em relação ao que a família tinha. “A família estava sempre por perto e agora não temos com quem contar. Perdemos vizinhos, amigos e conhecidos, dá uma tristeza só de lembrar. Mesmo assim, queremos muito voltar, lá nos sentimos bem e acolhidos”, sonha ele.
Guerra
A guerra na Síria começou com manifestações pró-democráticas que desencadearam em um dos piores conflitos armados desde a Segunda Guerra Mundial. A situação empurrou 68% da população local à pobreza extrema. Além disso, mais de 220 mil pessoas morreram nas hostilidades. Antes desta crise, a Síria ficava na categoria de países de renda média, a grande maioria de habitantes tinha uma vida decente, praticamente todas as crianças estavam escolarizadas e o nível de alfabetização era de 90%, segundo dados da Embaixada da Síria.
Segundo dados do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), órgão ligado ao Ministério da Justiça, o fluxo de refugiados ao Brasil tem aumentado desde 2011. Hoje o país abriga 7.289 refugiados de 81 nacionalidades distintas. Os principais grupos provêm da Síria, Colômbia, Angola e República Democrática do Congo. Segundo o órgão, entre 2011 e agosto deste ano, 2.077 sírios receberam o status de refugiado no Brasil. O número é superior ao dos Estados Unidos (1.243) e de países no sul da Europa que estão na rota de refugiados e migrantes que buscam as nações mais desenvolvidas do continente.
Por Tácido Rodrigues