“Regulação de mídia é diferente de censura”, afirma pesquisadora

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A regulamentação e a regulação da mídia foram assuntos em pauta durante a última campanha eleitoral. Com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os temas devem aquecer as discussões no Executivo, no Congresso Nacional, no Judiciário e também nas redes sociais.

Uma das dúvidas permanentes quando se toca nesses assuntos é se regulamentar ou regular teria relação com censura.

“Quando se associa censura a regulação, você está agindo de muita má fé”, analisa a pesquisadora da área de comunicação, Gisele Pimenta.

Segundo ela, trazer regras de regulamentação de uma forma clara fortalece a democracia, porque, assim, é permitido que mais pessoas, grupos e segmentos tenham espaço em ambiente de radiodifusão, que é um setor extremamente concentrado e pouco democrático.

A pesquisadora ainda destaca que o discurso evocado pelos grandes grupos comerciais de que há limitação nas atuações de empresas com censura é errôneo.

“Regulação não é a mesma coisa que censura. Regular é você determinar como isso vai funcionar. Censura é você calar os veículos.”


Regulamentação está na Constituição, diz advogada


Segundo a advogada Ana Carolina Felix, a leitura desses dispositivos constitucionais permite o entendimento de que são inadmissíveis quaisquer obstrução e censura ao pensamento, à criação e à expressão.

Os artigos 220 e 221 da Constituição Federal de 1988 dispõem que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão restrição, com foco na liberdade de comunicação, ou seja, o conjunto de direitos que possibilitam a difusão de informação.

Ela reforça que a regulamentação da mídia tem caráter constitucional e que tem como foco a liberdade de expressão dos cidadãos.

Na Constituição está prevista, ainda, a proibição da concentração sem limites de canais de rádio e TV e prevê o equilíbrio entre o sistema público e privado.

No entanto, para a advogada Ana Carolina, como a imprensa é liderada pela grande mídia, o modelo comercial é diferente de como deveria ser.

“Hoje, no Brasil, cerca de 50% da mídia é controlada por apenas cinco famílias. E esse número certamente não reflete a pluralidade necessária para que exista verdadeiramente um Estado democrático”, afirma.

Regulação e regulamentação

Uma das maiores confusões é sobre a diferença entre os termos “regulação” e “regulamentação” da mídia.

A pesquisadora Gisele Pimenta esclarece que a regulação é algo mais abrangente. Tem ligação com marcos regulatórios, da criação de um sistema que prevê uma fiscalização para um sistema de obrigações, de deveres e de regras desse serviço que é prestado para a população.

BIE – Banco de imagens externas – Computador portátil com acesso à internet. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado


Já a regulamentação é mais específica. Está na lei, como considera a pesquisadora em comunicação.

“Vou dar um exemplo. A Constituição diz que a mídia, como serviço de radiodifusão, tem que respeitar critérios, uma proporcionalidade regional de mídia independente”. Ela identifica que a programação tem que reservar espaço para grupos independentes.

“Regulamentar esse critério é determinar o que é mídia independente, o que é programação regional, quais são os critérios, como é que vai funcionar a fiscalização. Essa é a pequena diferença que é importante destacar”, afirma.

Ela entende que, quanto mais claras forem essas regras, melhor o setor vai funcionar, em função de haver parâmetros e diretrizes. “Vamos ter instituições fiscalizadoras com poder para isso”, completa Gisele Pimenta.


Concessões da mídia


A jornalista Gisele Pimenta explica que, atualmente, o número de concessões de rádio e TV do país é limitado devido ao espaço eletromagnético, que é encarregado de viabilizar as transmissões, que chegam a rádios e a canais abertos de TV, de forma gratuita.

Sendo, assim, o serviço se torna limitado. Por isso, cabe ao Estado conceder a grupos (empresas ou instituições) o uso desse espaço. “Como é da sociedade, tem que ter regras, um conjunto de orientações, diretrizes e leis que vão determinar como será o uso desse espaço”, diz .

Gisele Pimenta destaca ainda que países da Europa Ocidental começaram uma tradição pública dos veículos. Isso significa que quem explorava e quem prestava esse serviço para população era o Estado. “Então, nesses países, o sistema de rádio e o sistema de televisão começaram com essa inserção forte do Estado. Isso é diferente do que acontece aqui no Brasil, onde a rádio e televisão adquiriram muito rapidamente um caráter comercial.”

“Então você alimenta um sistema que é extremamente desrespeitoso com essas características de diversidade, de pluralidade, de interesse público.”

Ela explica que essa questão faz diferença porque emissoras de rádio e de televisão são instrumentos de exercício de diversos tipos de poder.

“É um poder político e econômico que determina padrões”. Gisele Pimenta ressalta, ainda, que quem determinou isso de uma forma muito efetiva no país foram as grandes emissoras, com destaque para a Globo, pelo monopólio que tem historicamente no país.


Famílias da grande imprensa


A regulamentação da mídia, de acordo com o que explica a advogada Ana Carolina Felix, é mal vista pelos grandes polos midiáticos. “Para a grande mídia, não é interessante a regulamentação porque vai gerar uma ampla competitividade para o setor, já que a regulamentação da mídia vai estimular a produção local de conteúdo”.

Paralelo a isso, o pesquisador de comunicação Guilherme Strozzi defende que o monopólio da informação compromete e manipula a pluralidade de informações.

“É importante que mais emissoras de televisão apareçam para o telespectador e que também sejam tratados assuntos variados para que não ocorra uma concentração de conteúdos feitos por uma única entidade ou única matriz ideológica.”


Desafios


Quando se fala em regulamentação midiática, as opiniões são divergentes. A advogada Ana Carolina Félix explica que essa diferença em torno da regulamentação da mídia ocorre por causa da desinformação.

“As pessoas recorrem a informações muito precárias que são disponibilizadas pela grande mídia e que não refletem a realidade do plano de regulamentação”, afirma.

O jornalista investigativo do site Metrópoles, Guilherme Amado, acredita que a regulação da mídia é fundamental.

“Isso pode afetar o nosso trabalho negativamente se a regulamentação for feita da maneira errada e pode afetar positivamente se ela for feita na medida certa. Para os comunicadores pode significar muito mais mercado de trabalho”.

Paralelo a isso, Guilherme Strozzi defende que as dúvidas se dão por não existir uma definição clara do projeto para implementar a regulamentação midiática.

“Apesar das muitas ideias para um marco legal único existem dúvidas na população sobre como precisa ser essa regulação no Brasil. Isso ocorre porque ainda não há um projeto definido para funcionar como texto regulatório do setor de comunicação.”


Pelo mundo

A regulamentação da mídia já é uma realidade em alguns países desenvolvidos como nos Estados Unidos, na Inglaterra, no Canadá, na Alemanha, Espanha e Suécia.

No entanto, países como Cuba e Venezuela utilizaram da implementação da mídia de forma autoritária, para controlar a imprensa.

Durante a campanha, inclusive, Lula disse que vai integrar a sociedade civil no debate sobre o assunto, mas que vai buscar uma inspiração da regulação nos moldes de países desenvolvidos e não no modelo que existe em Cuba, por exemplo.

Por Ana Clara Neves, Danyelle Silva, Luana Nogueira e Mayara Mendes
Supervisionado por Isa Stacciarini e Luiz Claudio Ferreira

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