Representatividade LGBT na TV dobra nos últimos 18 anos

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O primeiro beijo entre homens gays em novela das 21h. O primeiro beijo em horário vespertino. O primeiro personagem trans em horário nobre. Cada vez que a televisão trata do afeto entre homossexuais, em pleno século 21, se torna uma espécie de marco histórico, e ainda motiva, pasmem, a intolerância da audiência brasileira. Discurso da diversidade sexual e de gênero toma  frente na mídia brasileira, mas o quanto esse fator interfere na comunidade LGBT?

De acordo com uma pesquisa feita em 2014 pelo IBGE, a principal forma de acesso a informação dos brasileiros é pela televisão (63%) e não é segredo que as telenovelas no Brasil fazem sucesso com uma grande parcela da população. Com isso os assuntos tratados por elas se tornam parte do discurso nacional e entram no consciente do público. A diversidade está cada vez mais sendo discutida nesse meio, principalmente quando se trata da comunidade LGBT.

Conservamos com algumas pessoas que fazem parte da comunidade LGBT para saber que personagens e séries marcaram suas vidas, além de que tipo de clichês e estereótipos estão cansados de ver na mídia. Confira abaixo

 

Em uma coletânea divulgada pela revista Mundo Estranho, com dados dos sites Memória Globo e Teledramaturgia, foi verificado que, nos últimos 18 anos, dobrou o número de personagens LGBT (total de 127 desde o ano 2000) nas telenovelas brasileiras em comparação ao período de 1970 a 2017, desde a aparição do primeiro personagem gay, Rodolfo Augusto, vivido por Ary Fontoura em Assim na Terra Como no Céu (1970, em pleno período de ditadura militar). O detalhe é que palavras como “gay” ou “homossexual” não eram pronunciadas na novela. Os dados apontam como as figuras LGBT têm uma longa história na TV, mas alguns se destacam mais que outros. O levantamento mostra que desses personagens 57,8% são gays, 18,9% são bissexuais, 15,5% são lésbicas e 7,8% são trans.

Ary Fontoura interpretou Rodolfo Augusto, em 1970. Foto: Divulgação / Globo

Com o aumento da representatividade nos últimos anos, 66 personagens desde o ano de 2010,  houve também um número inédito de beijos homoafetivos na mídia: o total de 7 “selinhos” (beijos de boca fechada) desde o primeiro em 2014 em Amor à Vida, entre Félix e Niko, vividos pelos atores Matheus Solano e Thiago Fragoso. O acontecimento visto por milhões de brasileiros foi motivo para a colocada de um telão na Campus Party,  o maior evento de tecnologia do mundo, em São Paulo, para que os participantes pudessem assistir o capítulo final da trama.

O casal Félix e Niko ganharam os telespectadores depois de o personagem de Matheus Solano passar de vilão a protagonista da novela, Viver a Vida. Foto: Divulgação / TV Globo

Respeito, igualdade e esperança

O Brasil está na lista de países com maior número de casos de violência contra a comunidade LGBT sendo que, de acordo com o Grupo Gay da Bahia,  houve 445 mortes apenas em 2017. No Distrito Federal através do disque 100 (serviço criado em 2003 para atender denúncias de violação de direitos humanos) foram denunciados nesse mesmo ano, 52 casos de violência contra a comunidade, sendo esse o primeiro aumento de ligações desde de 2012, onde houve 243 casos denunciados.

De acordo com os dados do Ministério dos Direitos Humanos, esse número de casos coloca o DF como líder no ranking de denúncias a cada 100 mil habitantes. A situação é precária para a comunidade porém a representatividade na mídia pode ajudar, em parte, o problema. “Somos seres sociais. Aprendemos através do convívio, somos influenciados e influenciamos nosso meio social toda hora”, explica a psicóloga Carolina Camargo.

Especializada em saúde da população LGBT, ela explica que  se uma criança tem contato, desde pequena, com pessoas, desenhos ou livros LGBTs que abordem o tema com a naturalidade, a chance que ela cresça com ideias igualitárias e não preconceituosas são muito maiores. A psicóloga explica que, quando bem feitas, essas representações podem possuir um caráter educativo e ajudam a quebrar preconceitos. “Por exemplo, durante a exibição de ‘A Força do Querer’ (2017) ouvi relatos de famílias de pessoas trans que passaram a ser mais empáticas e compreensivas após assistir a novela”.

Mas apenas as representações midiáticas não são o bastante para melhorar o quadro brasileiro. O desenvolvimento de políticas públicas, ações educativas nas escolas, oportunidades de emprego e escolarização são tão – ou mais – importantes que o discurso da mídia. Carolina explica que um bom exemplo seria a integração de uma educação pela cultura de respeito e paz em programas escolares que com isso podem gerar benefícios “como a diminuição do bullying homofóbico e da violência e o aumento da auto-estima entre os jovens. Infelizmente, com o ataque conservador às escolas, como a proposta do Escola Sem Partido, essas iniciativas se tornam de cada vez mais difíceis de serem  implementadas”, explica a psicóloga.

Tirando nossas capas de invisibilidade

Mas não é apenas na visão da sociedade que personagens LGBT na televisão brasileira podem ajudar. Uma representação na mídia pode afetar de forma negativa ou positiva um indivíduo, especialmente se tratando de minorias que possuem um número limitado de modelos na grande mídia. De acordo com a psicóloga Carolina Camargo, as representações midiáticas podem afetar a autoestima e autoconfiança. “Se elas costumam reforçar narrativas baseadas em estereótipos e preconceitos, a pessoa pode internalizá-las, causando grande sofrimento psíquico”. Essa internalização de preconceitos pode fazer com que essa população sofra mais com casos de depressão, ansiedade e, em última instância, tentativas de suicídio.

As representações negativas, em geral, acabam por ser utilizadas como um instrumento para a propagação de diversos tipos de preconceito como homofobia, transfobia e lesbofobia. “Por muito tempo, por exemplo, programas humorísticos retrataram e ainda retrata pessoas da comunidade de forma muito caricata e isso não é representatividade. (…) Com isso se tem a perpetuação de um  ciclo de violência”, alerta a psicóloga Flávia Lacerda.

Esses modelos expostos na mídia porém não afetar a todos da mesma maneira. “Quando a pessoa já se compreende como LGBT+ e já tem uma rede de apoio formada, é mais fácil não se abater tanto pelo que é retratado na mídia”, explica a psicóloga. Com isso o prejuízo maior acaba sendo com pessoas em situações mais fragilizadas:  quem está começando a se perceber como LGBT+ e que não tem uma rede de apoio.

Por Louise Velloso

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