Resistência Teko Haw: desigualdade no acesso à saúde e à educação

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A segunda parte desta reportagem se debruça sobre as graves desigualdades que a comunidade Guajajara da aldeia Teko Haw enfrenta no acesso a dois direitos fundamentais: saúde e educação. Em um contexto onde a promessa de uma vida digna e igualitária está garantida pela Constituição, os Guajajara veem esses direitos como metas distantes, constantemente negligenciadas por políticas públicas ineficazes e pela falta de estrutura básica. 

A realidade nos postos de saúde e nas escolas da região evidencia um ciclo de exclusão, em que a distância física, a escassez de recursos e a falta de profissionais capacitados são apenas algumas das barreiras que a comunidade enfrenta. Apesar de tudo, a comunidade continua a buscar soluções alternativas para garantir a saúde, a educação e a preservação cultural das novas gerações.

Saúde

A realidade enfrentada pelos Guajajara na aldeia Teko Haw destaca a desigualdade que permeia o acesso aos serviços de saúde no Brasil, especialmente para populações indígenas. Embora a Constituição Federal garanta o direito à saúde a todos os cidadãos, as condições vividas pela comunidade mostram que esse direito ainda é uma promessa distante para muitos. 

Cacique Francisco no salão de convívio do Teko Haw. Crédito: Otávio Mota

“A Secretaria Especial de Saúde Indígena não funciona aqui em Brasília, no Distrito Federal. E não é só para os Guajajara”, afirma o cacique do Teko Haw.

A falta de estrutura adequada nos postos de saúde, somada à escassez de profissionais treinados para lidar com as particularidades culturais da população indígena, perpetua um ciclo de exclusão. Esse cenário se agrava em um contexto onde as condições de vida são desfavoráveis e onde muitos moradores dependem de uma renda precária para sustentar suas famílias.

A distância de postos de saúde, a falta de transporte regular e a ausência de um atendimento especializado direcionado à população indígena tornam a situação alarmante. Para muitos, doenças tratáveis acabam se agravando por falta de acompanhamento médico adequado.

“Só vem na hora de vacina e na hora que eles vem fazer uns exames. Não temos acesso ao medicamento, não trazem, né? Só dá a receita e aí, ‘não, esse [remédio] daqui não vai ter pra você, vai ter que comprar por fora'”, disse o Cacique Francisco.

A escassez de serviços médicos na região é um reflexo de um problema maior: a falta de políticas públicas eficazes para populações indígenas que vivem em áreas urbanas. A demora no atendimento acaba criando um círculo vicioso de doenças que poderiam ser prevenidas ou tratadas de maneira simples, mas que se agravam pela negligência estatal.

Tradição

Um aspecto crucial que precisa ser abordado é a necessidade de uma saúde integrativa que respeite e valorize o conhecimento tradicional dos Guajajara. As práticas de cura que envolvem o uso de plantas medicinais e rituais espirituais são parte fundamental da identidade cultural da comunidade. 

O desprezo por essas práticas por parte do sistema de saúde convencional não só deslegitima o saber ancestral, mas também afeta a adesão da população indígena ao tratamento médico oferecido. 

A situação torna-se ainda mais crítica quando se trata de saúde mental. O estresse causado pela luta diária por direitos básicos, como o acesso à terra e educação, aliado ao deslocamento geográfico e ao preconceito que enfrentam, têm afetado a saúde psicológica da comunidade. Entretanto, a assistência em saúde mental é praticamente inexistente. Sem psicólogos ou programas de apoio específicos para indígenas, muitos acabam sofrendo em silêncio, agravando ainda mais a situação de vulnerabilidade.

Diante desse cenário alarmante, os Guajajara não se rendem à precariedade. A luta por políticas públicas eficazes e pelo reconhecimento de seus direitos continua. Essa resistência é um exemplo da força e resiliência da comunidade, que, apesar das dificuldades, busca alternativas e soluções para assegurar o bem-estar de seus membros. 

Educação

A educação é um direito fundamental garantido a todas as crianças, mas na aldeia Teko Haw, a realidade é bem diferente. As crianças e jovens Guajajara enfrentam uma série de dificuldades para acessar uma educação de qualidade, refletindo a negligência do sistema educacional em relação às especificidades culturais da comunidade.

Escola construída pelos Guajajara na aldeia Teko Haw. Crédito: Otávio Mota

“Aqui que é a escolinha, só o que está faltando é funcionar. A gente conseguir um professor aqui para poder dar aula, seria bom pra nós”, explica o Cacique Francisco.

A educação na aldeia é um reflexo das dificuldades que as comunidades indígenas enfrentam em todo o Brasil. O acesso a uma educação de qualidade, que respeite e valorize a cultura e a língua, é um direito que ainda precisa ser efetivamente garantido. A educação, quando considerada de maneira integral e respeitosa, pode ser um poderoso instrumento de transformação social e cultural para os Guajajara.

As dificuldades começam com a falta de recursos e materiais pedagógicos, que são essenciais para garantir um aprendizado eficaz. Os educadores que atuam nas escolas próximas à aldeia muitas vezes não estão preparados para lidar com as particularidades culturais dos alunos indígenas, o que dificulta ainda mais o processo de ensino-aprendizagem.

Luta diária

“O ônibus escolar não entra aqui para buscar as crianças de dentro da aldeia, ele só passa lá pista”, afirma o Cacique Francisco.

Além disso, a percepção dos Guajajara sobre o sistema educacional de Brasília é marcada por um sentimento de exclusão e desinteresse. Para muitos, a educação convencional é vista como um reflexo de uma cultura que não respeita suas tradições e conhecimentos.

Sobre esse tópico, a Secretaria de Estado e Educação informou em nota que “Salienta-se ainda que todos os Coordenadores Intermediários que acompanham as escolas dessa Regional em tela receberam em 2024 formação sobre o acolhimento e atendimento culturalmente sensível aos migrantes internacionais e indígenas.”

Um dos aspectos mais preocupantes da educação para os Guajajara é a preservação da língua e cultura indígena. Embora o ensino da língua materna seja fundamental para a identidade dos alunos, a maioria das escolas não oferece um currículo bilíngue que respeite essa necessidade. As crianças são frequentemente forçadas a conciliar o aprendizado da língua portuguesa com a sua língua nativa, o que pode gerar dificuldade de expressão. 

Material doado para a escola. Crédito: Otávio Mota

A distância entre a aldeia Teko Haw e as instituições de ensino também impacta significativamente a frequência escolar. Muitas vezes, as crianças enfrentam longos trajetos a pé ou dependem de transporte irregular, o que desestimula a ida à escola. Essa realidade provoca um alto índice de evasão escolar.

“No verão é poeira. Agora no inverno, é lama. Às vezes, as crianças não querem nem sair, vê que está chovendo e não vai querer se molhar pra sair”, expõe o cacique.

Também em nota, a SEDF afirmou que  “Há transporte escolar destinado ao percurso dos estudantes indígenas às escolas da rede e que os estudantes dessa etnia específica se encontram todos matriculados em Unidades Escolares da Regional de Ensino mais próxima à aldeia.”

Teko Haw é a escola

Apesar das adversidades, a comunidade Guajajara tem buscado formas de contornar esses desafios educacionais. Iniciativas internas têm surgido, como projetos de educação alternativos que visam complementar o ensino formal. Um exemplo é a criação de um espaço de aprendizado onde a comunidade ensina a história, as tradições e a língua tupi às crianças. Essas iniciativas mostram a resiliência da comunidade em preservar sua identidade e promover a educação de maneira integrada à sua cultura.

“Nós mesmos, cada pai repassa [a língua e os costumes]. Por isso que a gente quer uma escola, assim como nas outras aldeias, com professor indígena”, afirma Francisco Guajajara.

Para garantir uma educação de qualidade, a comunidade Guajajara decidiu tomar a iniciativa e construiu sua própria escola dentro da aldeia Teko Haw. Com muito esforço, conseguiram doações de materiais e recursos, contando com a solidariedade de aliados. 

Livros doados para as crianças Guajajara. Crédito: Otávio Mota

Contudo, apesar de terem conseguido criar o espaço físico, a realidade da escola ainda é desafiadora: a falta de professores qualificados para ministrar as aulas impede que as crianças tenham acesso ao conhecimento a que têm direito. Essa situação evidencia a necessidade de formação e disponibilidade de educadores que compreendam e valorizem a cultura indígena, assim como o conhecimento de tupi.

A educação tem um papel crucial na formação de futuras lideranças dentro da comunidade. Com a crescente necessidade de representação política e social dos Guajajara em Brasília, é essencial que os jovens recebam uma educação que os prepare para assumir esses papéis. A inclusão de temas relacionados à política, direitos indígenas e cidadania pode empoderar os alunos, proporcionando-lhes as ferramentas necessárias para lutar por seus direitos e reivindicar melhorias para sua comunidade. 

Leia mais desse especial sobre o Teko Haw aqui

Por Alexya Lemos, Juliana Weizel e Otávio Mota

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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