Na terceira parte desta reportagem, vamos adentrar na luta dos Guajajara pela demarcação do território na aldeia Teko Haw, um movimento que transcende as questões jurídicas e políticas, sendo também uma resistência cultural e ambiental.
Em um cenário onde o crescimento urbano de Brasília ameaça a preservação das áreas de relevante interesse ecológico, a comunidade indígena se vê, mais uma vez, à margem dos processos decisórios.
“Isso é o que mais afeta o nosso direito. Se a área for regularizada, se for reconhecida publicamente, aí é outro coisa, porque assim pode chegar verba, pode chegar qualquer tipo de ajuda para nós”, explica o Cacique Franscisco.
A disputa pela terra é, para os Guajajara, uma questão de sobrevivência não apenas física, mas também espiritual e identitária. A falta de reconhecimento territorial não só coloca em risco suas tradições e modos de vida, como também expõe a fragilidade ambiental da região.
Exploramos as conexões entre a luta indígena, a conservação ecológica e os desafios enfrentados por um povo que, em meio a especulação imobiliária, tenta preservar a própria essência e o futuro de seu território.
O processo de demarcação territorial é muitas vezes complicado, repleto de barreiras burocráticas e políticas que dificultam o reconhecimento oficial dos territórios indígenas.
Essa luta é uma das questões mais cruciais para os povos indígenas no Brasil, especialmente em um contexto urbano como o de Brasília, onde a aldeia Teko Haw está situada
Disputas e dinheiro
Embora a Constituição Brasileira de 1988 tenha garantido o direito à terra para os povos indígenas, a prática é frequentemente marcada por disputas judiciais, lobby de interesses privados e a morosidade de órgãos governamentais.
No caso dos Guajajara, a busca pela demarcação de Teko Haw enfrenta uma série de entraves, que vão desde a falta de vontade política até a pressão de empreendimentos imobiliários que desejam expandir suas áreas de atuação.
“Por isso que eu entrei na justiça, cobrando isso, para resolver esse problema que a gente está tendo aqui hoje”, declara o Cacique Francisco Guajajara.
A ausência de terras demarcadas têm impactos profundos na vida da comunidade. Sem um reconhecimento legal do território, os Guajajara vivem sob a constante ameaça de despejo e violência, gerando um clima de insegurança jurídica que afeta o seu cotidiano.
Esse cenário de vulnerabilidade leva à deterioração das condições de vida e à dificuldade em promover atividades econômicas e sociais que assegurem o sustento da comunidade.
Além disso, a falta de demarcação territorial intensifica os conflitos com os moradores da região e as autoridades locais. Muitas vezes, os Guajajara se veem em situações de tensão, sendo alvo de discriminação e preconceito, que se manifestam em tentativas de expulsão ou em ações de repressão quando buscam defender seu território. Essa relação conflituosa gera um ambiente de constante vigilância e resistência.
“Eles vêm pra bater e trocar bala de borracha, e ficam com medo da flecha, mas eles que são mais perigosos, porque andam com arma de fogo”, desabafa o cacique sobre a força policial.
Em resposta a esses desafios, a comunidade Guajajara tem se mobilizado em um movimento de resistência pela demarcação. As articulações políticas e as ações judiciais são estratégias utilizadas para pressionar o governo a reconhecer oficialmente a aldeia Teko Haw.
A luta pela demarcação territorial é, portanto, um reflexo das injustiças históricas que os povos indígenas enfrentam no país.
A cada dia, os Guajajara reafirmam seu compromisso com a terra que habitam, não apenas como um espaço físico, mas como um lugar sagrado que abriga sua cultura, tradições e a preservação do cerrado.
Neste contexto, a expansão imobiliária no Setor Noroeste de Brasília é um fenômeno que tem gerado controvérsias e tensões entre interesses econômicos e a preservação ambiental.
Antes de tudo, proteção ambiental
Localizada na Região Administrativa Plano Piloto – RA I, a Área de Relevante Interesse Ecológico Cruls foi criada pelo Decreto nº 29.651, de 28 de outubro de 2008, como uma tentativa de proteger uma região que compõe um corredor ecológico essencial para a conexão entre o Parque Nacional, o Ribeirão Bananal e o Lago Paranoá.
Essa área, com 55 hectares, desempenha funções cruciais para a conservação da biodiversidade e a infiltração das águas pluviais, prevenindo sobrecargas nas redes de drenagem do bairro.
Entretanto, a crescente pressão por novas construções e empreendimentos imobiliários no Noroeste representa uma ameaça direta a essa preservação. A Terracap, empresa responsável pela administração de terras públicas no Distrito Federal, tem se mostrado mais preocupada com a lucratividade e a ocupação urbana do que com as diretrizes de conservação estabelecidas para a ARIE Cruls.
Se não fosse pela presença da comunidade indígena Guajajara e sua luta por demarcação territorial, é provável que a Terracap ignorasse as características ecológicas da área, priorizando o desenvolvimento econômico em detrimento da preservação ambiental.
A presença dos Guajajara e a sua luta contra a expansão imobiliária funcionam como uma barreira contra a degradação ambiental, já que eles defendem a conservação da vegetação nativa e a integridade dos ecossistemas.
Mais prédios, menos árvores
Além disso, a exploração imobiliária na área pode trazer consequências graves não apenas para a flora e fauna locais, mas também para a própria dinâmica hídrica da região, comprometendo a infiltração de águas pluviais e exacerbando os riscos de enchentes. Essa situação é ainda mais preocupante quando se considera a já frágil infraestrutura de drenagem do Setor Noroeste, que pode não suportar o aumento populacional e a urbanização desenfreada.
“Eu cheguei aqui antes do Noroeste. A gente batalhou muito para não entrar o Noroeste aqui dentro do território indígena”, afirmou o cacique do Teko Haw.
Portanto, a luta dos Guajajara e o reconhecimento da ARIE Cruls representam não apenas a defesa de um território, mas uma resistência à lógica de desenvolvimento que ignora a necessidade de um equilíbrio entre o crescimento urbano e a preservação ambiental.
É fundamental que os interesses da comunidade indígena sejam levados em conta nas discussões sobre o futuro do Noroeste, reconhecendo a importância da biodiversidade e da cultura indígena como componentes essenciais para a construção de uma cidade mais sustentável e justa.
Luta pela demarcação
A comunidade Guajajara de Teko Haw representa uma interseção complexa entre cultura, história e luta por direitos em Brasília, uma cidade que, embora projetada para ser um símbolo do progresso, ainda perpetua invisibilidades, como a das populações indígenas.
Essa invisibilidade não é apenas uma questão de falta de reconhecimento, mas uma negação histórica da contribuição e do papel dos povos originários na formação da identidade nacional.
A luta pela demarcação territorial, o acesso à saúde e à educação de qualidade, bem como a preservação de sua cultura e modos de vida, evidenciam a necessidade urgente de políticas públicas que considerem a pluralidade e a diversidade cultural que compõem o Brasil.
Enquanto a cidade avança com seus projetos de urbanização e desenvolvimento, a comunidade Guajajara permanece à margem, lutando para garantir seus direitos fundamentais.
A Secretaria de Saúde Indígena do Ministério dos Povos Indígenas, o Ministério dos Povos Indígenas e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) foram procuradas a respeito da comunidade Teko Haw, mas não obtivemos respostas. O espaço segue aberto para posicionamento.
Acesse aqui a primeira parte da reportagem.
Parte 2
Por Alexya Lemos, Juliana Weizel e Otávio Mota
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira