Taguatinga: Centrad é um elefante branco de 7 anos sem solução à vista

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Há sete anos, o Centro Administrativo do Distrito Federal (Centrad) não está funcionando. O complexo construído em Taguatinga tem 182 mil metros quadrados, quatro edifícios com 15 andares e dez com quatro andares, 3 mil vagas de estacionamento e tinha como objetivo abrigar, em um único local, a sede do governo do Distrito Federal e seus 13 mil servidores. E, até o momento não passa de um grande elefante branco após R$ 1,5 bilhão em investimentos.

Complexo Centrad em Taguatinga-DF. Crédito: João Victor Rodrigues, junho 2021

O plano de colocar vários órgãos públicos do Distrito Federal em um mesmo lugar teve início em 2009, quando o ex-governador José Roberto Arruda firmou um contrato de parceria público-privada (PPP) entre o Governo do DF e as empreiteiras Odebrecht e Via Engenharia. Desde então, as edificações nunca foram ocupadas e o Governo de Ibaneis Rocha (MDB) promete resolver, mas a solução ainda está longe de sair do papel.

De acordo com o contrato, a concessionária Centrad construiria o complexo com recursos e financiamentos próprios. Depois disso, o governo poderia explorar toda a estrutura de serviços pelo prazo de 22 anos, pagando, em contrapartida, uma parcela de R$ 22 milhões por mês para a concessionária. Parte desse valor seria destinado ao pagamento pela infraestrutura construída e outra parte, pelos serviços prestados. Ao fim dos 22 anos, o governo do DF desembolsaria cerca de R$ 6 bilhões pelo Centro Administrativo, a nova sede do governo local.

Com o fim do mandato de Arruda (DEM), em 2010, por cassação pelo Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF), o governador Agnelo Queiroz (PT) eleito em 2010, assumiu o projeto e inaugurou o Centro Administrativo do Distrito Federal no fim de seu mandato, em 2014, mas o complexo nunca foi ocupado. Rodrigo Rollemberg (PSB), que assumiu o poder após Agnelo, em 2015, engavetou o projeto de ocupação do Centrad. O atual governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), buscou retomar o processo de ocupação do complexo, mas essa iniciativa ainda está pendente por questões jurídicas. Essa reportagem traz um perfil de como o complexo foi tratado pela administração pública do DF.

Estrututura

Após passar por inúmeros processos administrativos e judiciais, a obra do Centrad só começaria em 2013. No ano seguinte, em 31 de dezembro de 2014, o ex-governador, Agnelo Queiroz, no último dia de seu mandato, foi até o Centrad e inaugurou o complexo sem haver qualquer tipo de estrutura de escritório disponível como: mobília, rede de telefonia ou equipamentos de informática. Além disso, Agnelo, em seu penúltimo dia no governo, nomeou Anaxímenes Vale dos Santos, como novo administrador de Taguatinga, que, em apenas um dia, analisou o procedimento de mais de 4 mil e 700 páginas e concedeu a carta de Habite-se, permitindo a inauguração do Centrad.

Ex-governador Agnelo Queiroz inaugura Centrad. Crédito: Kleber Lima/Jornal de Brasília – Arquivo

Em virtude dessa situação, Agnelo foi condenado em 2017 por improbidade administrativa pela inauguração do Centro Administrativo do Distrito Federal. De acordo com o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT), em 2014, o ex-governador teria editado o Decreto nº 35.800/2014 para retirar a exigência do Laudo de Conformidade e do Relatório de Impacto de Trânsito (RIT), documentos necessários para a concessão do Habite-se. Diante da necessidade de apresentação desses documentos, Agnelo editou um novo decreto de nº 36.061/2014 (ver print de tela abaixo), o qual declarava o Centrad como obra de interesse social, com direito à dispensa de apresentação do Laudo de Conformidade para obtenção do Habite-se.

Decreto que dispensa apresentação de Laudo de Conformidade para o Habite-se. Fonte: Captura de Tela/Sistema Integrado de Normas Jurídicas (SINJ-DF)

Em 18 de abril de 2017, por meio da Portaria nº 42, a Controladoria-Geral do DF criou o Grupo de Ações Integradas de Controle (GAIC), para avaliar e propor ações quanto aos ilícitos administrativos ocorridos no âmbito do Governo do Distrito Federal, tornados públicos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por conta da Operação da Lava-Jato. De acordo com o documento do GAIC, o Anexo II – Matriz de Responsabilidade, o ex-governador Agnelo Queiroz também tem envolvimento com caixa 2, pois: “autorizou doações vinculadas ao empreendimento Centrad com recursos de caixa 2 de 1 milhão de reais no ano de 2010”.

Elefante esquecido

Assim que assumiu o poder em 2015, o ex-governador, Rodrigo Rollemberg (PSB), passou a criticar os termos do contrato firmado com as empreiteiras e a entrega da obra. Em janeiro de 2015, uma liminar da 4.ª Vara de Fazenda Pública do DF suspendeu a carta de Habite-se do empreendimento e travou os pagamentos que o governo começaria a fazer para a concessionária Centrad.

No mês seguinte, o Habite-se foi declarado nulo, por causa da “ausência de execução de medidas mitigadoras dos impactos no trânsito da região”. A concessionária Centrad chegou a conseguir uma decisão favorável, em julho de 2015, para que o governo começasse a pagar as mensalidades, mas nada foi a ela repassado.

Também em 2015, o MPDFT ajuizou uma ação civil pública contra o Distrito Federal no intuito de impedir que ele realizasse repasses financeiros à concessionária construtora do Centrad. Segundo o MPDFT, o empreendimento não possuía os equipamentos necessários para receber os servidores e não foram realizadas as obras necessárias para o trânsito diário no complexo, e a inauguração precipitada feita pelo ex-governador Agnelo, teria sido apenas uma tentativa injustificável de antecipação da entrega de obra bilionária para atribuir o feito ao governo, no sentido de liberar as cotas de pagamento.

Porém, em julho de 2015, a liminar que suspendia os pagamentos à concessionária foi cassada pela 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que emitiu Acórdão determinando a reforma da decisão cautelar que suspendia a realização de desembolsos por parte do Governo do Distrito Federal ao Consórcio Centrad.

Sem receber as mensalidades desde janeiro de 2015, a concessionária Centrad decidiu, em outubro de 2016, propor uma “rescisão amigável” do contrato. Nas contas da empresa, havia cerca de R$ 1,4 bilhão a receber do GDF, sendo R$ 1 bilhão relativo aos gastos com as obras e outros R$ 400 milhões ligados a custos com financiamento e os dois anos de mensalidades da parceria público-privada.

Porém a concessionária não conseguiu a rescisão do contrato com o governo e apelou para a Câmara Arbitral do Distrito Federal. O processo ficou sob análise até 2017, quando o GAIC recomendou a nulidade do contrato de concessão firmado com o consórcio responsável pela obra.

Em abril de 2017, o deputado distrital Robério Negreiros, na época ligado ao partido PSDB, através da Indicação N° 10267/2017, sugeriu o recebimento do Centrad e a transformação em um hospital do Sistema Único de Saúde (SUS) para atender os moradores de Taguatinga, Ceilândia, Samambaia e as comunidades adjacentes, mas nada foi feito.

Indicação para transformar Centrad em Hospital do SUS. Fonte: Captura de Tela/Câmara Legislativa do Distrito Federal

A nulidade do contrato de concessão também foi recomendada, em novembro de 2017, por uma Auditoria Especial da Controladoria Geral do Distrito Federal (CGDF) que analisou a legalidade do contrato de Concessão Administrativa, entre o GDF e a concessionária Centrad.

“Considerando o acórdão transcrito, a julgar pelas ilegalidades indicadas no presente documento e os indícios de benefícios propiciados indevidamente às empresas que constituem a concessionária Centrad, identificados mediante as provas advindas de investigações da operação ‘Lava Jato’, entende-se que há elementos suficientes para o Poder Público concluir pela declaração de nulidade do contrato celebrado, em que pese as provas terem sido apresentadas em fase instrutória de processo judicial.”

 Iniciativa de ocupação

Após assumir o poder, o governador Ibaneis Rocha (MDB) disse que o Centrad seria ocupado em abril de 2019, “de um jeito ou de outro”. No entanto, recuou da ideia após questionamento do Ministério Público de Contas do DF (MPC-DF), sobre quão vantajosa seria a mudança do Palácio do Buriti para o Centro Administrativo do Distrito Federal, do ponto de vista econômico.

Em 2020, o juiz Roque Fabrício Antônio de Oliveira Viel, da 4ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal, proibiu novamente o Governo do DF de repassar recursos ao consórcio responsável pela construção e manutenção do Centrad.

No início deste ano (2021), o governador Ibaneis através do Decreto n° 42.007 instituiu a comissão especial para avaliar a ocupação do Centrad. A comissão é formada pelo secretário de Economia, André Clemente; o consultor jurídico do gabinete do governador, Rodrigo Frantz Becker e pelo chefe da assessoria de projetos especiais também do gabinete, Marcelo Lavocat Galvão. A comissão tem autonomia para solicitar informações a órgãos e instituições do DF relacionadas ao contrato de concessão do Centrad.

A equipe de repórteres da Agência de Notícias UniCEUB entrou em contato com o secretário de Economia, André Clemente, para obter informações sobre a comissão especial e conhecer quais são os avanços no processo para a ocupação do Centrad. Não obtivemos resposta. Por duas vezes, cada um dos repórteres entrou em contato por meio de e-mails com a Assessoria de Comunicação da Administração Regional de Taguatinga, mas também não obtivemos resposta para nossos questionamentos acerca da situação do Centro Administrativo do Distrito Federal.

Para averiguar de perto como está a situação atual, a equipe de repórteres decidiu ir até o local e observar o movimento no complexo. Observamos que o fluxo de carros que entram e saem do edifício é pequeno e que há apenas agentes de segurança no local. Alguns vendedores ambulantes, que ficam próximos ao Centrad, nos contaram que nunca viram aquele prédio sendo utilizado e que nem sabem para que serve.

Como construímos nossa reportagem

A pauta se desenvolveu a partir da observação do espaço urbano e seus monumentos construídos e vazios. Começamos a desenvolver a reportagem após encontrarmos registro jornalístico de 2017 sobre o Centro Administrativo do Distrito Federal. A partir daí começamos a procurar por documentos a respeito do Centrad, consultando o site da Câmara Legislativa, o Diário Oficial do Distrito Federal e o site do Centrad. Nessa busca, encontramos documentos que nos permitiram sustentar a narrativa.

Além da busca por provas documentais, decidimos visitar o complexo do Centrad e conversar com os vendedores ambulantes que ficam próximos ao local, para saber como é o movimento dentro e ao redor do complexo. Buscamos também pelas fontes oficiais, mas não obtivemos sucesso pois não responderam a nossos e-mails. Também entramos em contato com a concessionária Centrad para saber sobre os pagamentos que o Governo do Distrito Federal nunca fez ao consórcio e sobre os custos de manutenção com o local. O site do consórcio , que havíamos encontrado vários documentos, se encontrava fora do ar. Quando tentamos acessá-lo novamente em 28 de junho de 2021, como canal que nos pudesse levar a falar com os construtores do complexo.

Com os documentos em mãos e as informações que conseguimos, inclusive com a visita de campo, decidimos organizar a reportagem em uma linha do tempo. Destacamos cada uma das gestões dos governadores eleitos desde a assinatura do contrato e como lidaram com o problema do elefante branco do Centrad, que continua sem solução à vista.

Por Gabriel Campos e João Victor Rodrigues

Supervisão de Mônica Prado

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