A operação deflagrada pela Polícia Civil do DF (PC-DF), que desmontou o sistema de pirâmide financeira disfarçada como uma empresa de moeda digital, ocorreu no mesmo período que uma comissão na Câmara dos Deputados avaliava um projeto de lei sobre a regulamentação das negociações com moedas virtuais. A dificuldade de definir o que é moeda digital, crescimento expressivo e início de regulações em outros países levantam o debate entre empresas, órgãos financeiros e governo.
A empreendedora Carolina Andrade, 24, teve o primeiro contato com bitcoin quando um amigo que estava no exterior precisava transferir dinheiro para o Brasil. Ela já tinha ouvido falar na moeda digital, mas não notava as vantagens até aquele momento. Sem as burocracias e dificuldades da operação ser feita por um banco normal, a bitcoin facilitou o caminho. “A bitcoin traz muitas possibilidades. Ela tem flexibilidade e é descentralizada”
A experiência de Carolina com empresas de exchange (troca) de bitcoins a fez abrir uma empresa com Diego Nunes, a GlobalMoney Trading. Os dois começaram a trabalhar com um atendimento personalizado, com as transações P2P. Esse tipo de transação é quando um usuário quer vender suas moedas digitais para outra pessoa. A empresa serve para garantir que essa compra e venda seja feita. Hoje, querem aumentar mais a dimensão do uso da bitcoin e de outras moedas virtuais através de um projeto onde lojas físicas teriam a oportunidade de receber os pagamentos em bitcoin. “Com isso, o cliente não precisa entender a criptomoeda para fazer uma compra. A tecnologia é segura, mas muito complexa”, explica Diego Nunes.
Os dois têm receio de uma regulamentação, mas concordam que algo que garanta a segurança do usuário é importante. “Eu sou contra uma regulamentação sobre a moeda. Agora, sou a favor de uma para proteger os usuários ou uma regulação sobre as empresas de exchange ou sobre os bancos”, diz Diego. Por se tratar de universo digital, golpes de hackers e ataques de pirâmides financeiras podem ocorrer e Carolina alerta que o consumidor precisa estar atento. “Com a bitcoin, você é responsável pelo seu dinheiro. Por isso é preciso pensar duas vezes antes de comprar ou vende porque é irreversível”.
Projeto de lei
A PL 2303/2015 propõe que as moedas virtuais sejam inseridas como “arranjos de pagamento” e supervisionada pelo Banco Central. Já participaram da comissão, o Banco Central (BC), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e representantes do mercado de criptomoedas – no caso, a empresa convidada foi a CoinBr.
Apesar do debate, ainda não há consenso sobre o projeto de lei, mas todos concordam que uma regulamentação sobre moedas digitais é necessária. Segundo o BC, a moeda virtual não pode ser considerada como moeda no sentido concreto. “Essas chamadas moedas virtuais não têm garantia de conversão para a moeda oficial, tampouco garantidos um ativo real de qualquer espécie”, afirma em nota.
Entenda a diferença de uma moeda normal para uma criptomoeda abaixo
Para que a moeda virtual seja convertida em uma moeda emitida pelo banco seria necessário “credibilidade e confiança que os agentes de mercado possuam”. O órgão vê que esse fator não existe no espaço da criptomoeda já que não existe nenhum mecanismo governamental que garanta seu valor, pois sua cotação está sob total controle dos usuários. Mesmo assim, o Banco Central reconhece os riscos que a moeda traz como: perda do dinheiro, através de golpes de hackers, e do envolvimento com atividades ilícitas.
A dificuldade em definir o que é moeda virtual foi mencionada pelos outros órgãos. A Comissão de Valores Mobiliários percebe que a moeda digital “não é valor mobiliário, mas pode ter característica de um”, o que dificulta uma regulamentação e uma ação da comissão. A Coaf – que tem como principal dever prevenir a lavagem de dinheiro – tem o interesse em participar de uma regulamentação, mas as características marcantes da moeda virtual dificultam sua participação, como o anonimato, como definir o estoque e o e-fluxo e como garantir transparência.
Empresas vêm a necessidade de uma regulamentação
Regulamentar a moeda virtual é uma necessidade para garantir a segurança do usuário, mas, segundo empresas de câmbio que lidam com essa tecnologia, a atual proposta não terá resultados eficientes. Rocelo Lopes, fundador da CoinBr, vê dificuldades para implementar uma regulamentação sobre as criptomoedas no Brasil, especialmente porque a natureza da moeda é de não ter uma autoridade central e o governo não está preparado para isso. “Daqui a dez ou quinze anos vai ter um primeiro rascunho de uma possível regulamentação que vai dar errado na primeira vez”.
Segundo ele, a ciência por trás da criptomoeda pode ajudar muito, mas os órgãos “não querem a tecnologia porque é muito difícil de entender, é muito complexa”. Seu receio é que ao invés de se tentar regulamentar, uma proibição seja imposta, o que não é o caminho. “Se não regulamentar, a bitcoin pode ser utilizado pelo mercado negro e vai lucrar muito mais, igual a China”.
A Bussiness Strategy and Developer da Foxbit, Natália Gárcia, enxerga outro problema na regulamentação discutida. “Quando você olha para criptomoedas tem um problema em enquadrar nessa lei. Ela não é necessariamente um ativo financeiro, não necessariamente uma commodities, nem um ativo com valor mobiliário. É algo no meio de tudo isso”.
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A bitcoin – moeda que a Foxbit trabalha – é diferente de uma moeda normal. “A bitcoin funciona como fração e não tem equiparação com o real. Hoje, 1 bitcoin vale em torno de R$ 14 mil reais. Em relação à criptomoeda, não acredito que seja a melhor saída enquadrá-la na lei de arranjos de pagamento”.
Se uma proibição não é ideal, uma regulamentação rígida também prejudicaria o mercado de criptomoedas, segundo Rodrigo Batista, CEO da MercadoBitcoin. Ele cita a regulação restritiva de cidades como Nova Iorque, que criou uma licença especial para empresas de criptomoedas, mas se tornou uma regulação mais exigente que de bancos tradicionais. “Na prática, essas regras expulsaram as empresas de moedas digitais de Nova Iorque para lugares mais abertos como o estado da Califórnia ou até mesmo outros países como a Suíça”.
Rodrigo acredita que o projeto de lei não traz informações sobre que tipo de regulamentação será adotado no Brasil. “O projeto existente na câmara dos deputados apenas atribui ao Banco Central a responsabilidade de controlar os mercados de moedas digitais e pontos de fidelidade. Caberia ao BACEN definir a forma com quer o mercado de moedas digitais vai funcionar”.
Operação Patrick
A moeda digital Kriptacoin pertencia à empresa Wall Street Corporate, que era, na realidade, um esquema de pirâmide financeira. Os acusados praticavam estelionato, lavagem de dinheiro e uso de documentos falsos. A promessa era que quem investisse ganharia 1% de lucro ao dia. Os envolvidos prometiam que em até seis meses, os investidores ganhariam R$1 milhão. No início, a empresa permitia o saque de até R$600. Com o tempo, as vítimas tiveram dificuldades para o resgate e muitas foram coagidas e ameaçadas.
Por Larissa Lustoza
Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira