EJA: pandemia impõe dificuldades para alunos adultos

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Os alunos da rede pública de ensino, em diferentes segmentos de Educação de Jovens e Adultos ( EJA ), que têm aulas disponibilizadas exclusivamente no formato virtual desde junho deste ano, foram impactados pela falta de recursos para estudar nesse formato. O Distrito Federal tem mais de 47 mil alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) (saiba mais sobre matrículas). Esses dados são do censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) do ano de 2018.

“A pandemia trouxe problemas para todo mundo, de modo geral, na educação. Sobretudo na escola pública. Agora, se pensarmos no EJA, isso se acentua um pouco, porque geralmente os alunos das escolas para jovens e adultos vêm da parcela da população mais pobre”, afirma a professora Maria Amábile Mansutti, coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC), organização civil que promove pesquisa e metodologias em apoio à educação pública.  

“Então, essas dificuldades, que já foram para todos, se tornam mais acirradas para esses que devem ter pouquíssimas condições de recursos necessários para educação a distância”.

Saiba mais sobre educação de jovens e adultos ( EJA)

Para o professor Rodrigo Medeiros, diretor do Centro de Ensino Fundamental 20 (CEF 20), localizado em Ceilândia Norte, a realidade da pandemia impôs uma nova didática de ensino e aprendizagem, com a plataforma de Sala de Aula do google.

É difícil: são pessoas que veem a escola como um meio de socialização. E a partir do momento que você não tem um colégio aberto, o aluno distancia-se”, afirma Medeiros.

Segundo o diretor, existem outros meios que usam para tentar uma proximidade maior, como o uso do whatsapp para sanar dúvidas.

Impedimento ao acesso

Para Eduardino Junior, professor de história e geografia que trabalha com o segundo segmento do EJA (equivalente ao fundamental II no ensino regular), o desinteresse dos alunos não vem da ideia de não aprendizagem, mas sim do impedimento ao acesso.

Dessa forma, apesar do uso do whatsapp ter facilitado a comunicação, existem outros obstáculos, como a dificuldade de manusear aparelhos eletrônicos. 

Um computador para 23 alunos de EJA

O professor aponta que a desigualdade de idade do ensino regular em comparação ao do EJA, onde pessoas ficam anos sem estudar e até sem contato com o mundo virtual é um problema prático do dia a dia.

Segundo dados do censo escolar do Inep de 2018, são disponibilizados pouco mais de dois mil computadores para os alunos de 117 escolas do DF que oferecem o EJA.

Se formos contabilizar os mais de 47 mil alunos dessa modalidade de ensino, isso significa que, para cada 23,5 alunos é disponibilizado um computador. Esses aparelhos, no entanto, ficam nas escolas e não podem ser usados pelos alunos nessa época devido à pandemia. 

“Temos estudantes sem acesso à informática, que não sabem manusear um aparelho eletrônico ou concluir um comando simples, como responder um e-mail. Um dos maiores problemas com o ensino remoto é justamente a questão do acesso e uso da internet”, comenta o professor.

Ele explica que existem interesses diversos em relação às motivações dos alunos do EJA. “Alguns estudam para ter uma posição melhor no mercado de trabalho, outros por questões religiosas. Tenho uma aluna de 68 anos e o objetivo dela é entender os textos bíblicos. Por esse motivo, nosso trabalho é tão importante para essa categoria marginalizada pela sociedade, as pessoas de mais idade.”

Chance de evasão

De acordo com a Secretaria de Educação do DF, mais de 2 mil pessoas estão cadastradas originalmente no ensino a distância de modalidades do EJA no DF. A professora Maria Amábile Mansutti teme que possa haver um “abandono enorme” no retorno às aulas porque o distanciamento pode ter desvinculado alunos do ensino formal, sobretudo os mais vulneráveis. 

A estudante do EJA Joana dos Santos, de 44 anos, testemunha essa dificuldade desde que a pandemia abateu o interesse de muitos colegas de turma que desistiram das aulas por não saberem usar a plataforma eletrônica. “É difícil se orientar no Google Sala de Aula porque são muitas matérias para achar. Também é mais complicado acompanhar as aulas, já que na turma presencial, cara a cara com o professor, ele explica uma, duas, três vezes se necessário, enquanto virtualmente o contato é trabalhoso”.

Aprendizagem

A professora Maria Amábile Mansutti contextualiza que antes, quem organizava o tempo de estudo, as aulas e tarefas, era a própria escola e os docentes. Ela entende que, para quem já  é mais velho e tem muitas outras responsabilidades, esse distanciamento pode ter desorganizado as atividades estudantis.

“Sejam jovens ou adultos, mas principalmente os adultos, eles têm toda uma bagagem cultural, intelectual, uma vida profissional, pessoal, familiar de responsabilidades, uma pluralidade de segmentos de vida que os coloca em uma posição muito diferente de uma situação das crianças ou mesmo dos adolescentes nessa questão de aprendizagem”, diz a especialista.

A pesquisadora defende que, para os alunos do EJA terem o máximo de aproveitamento na aprendizagem, é preciso de uma abordagem metodológica específica.

“Adultos que não são alfabetizados têm pouquíssimas experiências com textos  escritos. Eles têm toda uma forma de comunicação oral. Então, o diálogo é fundamental, antes dos registros, para haver uma comunicação entre o professor e esses estudantes”,destaca. 

As aulas agora são separadas entre síncronas e assíncronas, ou seja, aulas “ao vivo”, feitas por reuniões em vídeo e aquelas onde o conteúdo da aula é gravado e disponibilizado ao aluno.
A professora defende que os alunos da educação de jovens e adultos têm dificuldades em ambas as modalidades. “Até as atividades assíncronas serão difíceis para eles porque eles precisam funcionar meio como autodidatas e também, os adultos têm pouquíssima familiaridade com o celular e computador para de uma hora pra outra poder usar”, afirma.

“A grande consequência disso é não ter o direito de aprender garantido, agora esse direito foi ferido fortemente”.

Educação, um direito de todos

A Constituição Federal de 1988 (CF), garante, no artigo 205, que a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família. 

Outros artigos afirmam que a educação é um direito social e que o acesso ao ensino público obrigatório e gratuito é direito público subjetivo, e, assim, importa responsabilidade da autoridade pública se o mesmo não for oferecido ou for oferecido de maneira irregular. 

Para Nara Ayres Britto, mestre em ciências jurídicas, a falta de aulas presenciais na pandemia está dificultando o acesso e o aprendizado dessas pessoas que fazem parte do EJA. “Ele existe na modalidade on-line e presencial, mas o perfil do aluno está ligado a pessoas que não têm, em sua maioria, um acesso pleno e eficaz à internet. Por isso que um dos motivos é que ele seja um programa com aulas presenciais”. 

Outras leis importantes para a educação brasileira, como, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), a Lei nº 10.172/2001, que aprova o Plano Nacional de Educação e a Lei nº 9.131/95, que criou o Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão com responsabilidade de auxiliar o Ministério da Educação na formulação e avaliação política nacional de educação.

Nara Ayres Britto também comentou que a Constituição Federal de 1988 tem como princípio básico e fundamento da República, o art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana. Então, tudo que vamos ler e interpretar da CF é em função desse princípio e desse direito. 

A volta às aulas do EJA

“A escola não vai voltar a ser o que ela era. O ensino híbrido veio para ficar. É irreversível”, acredita Maria Amábile . Por essa razão, a especialista também complementa que, no retorno às aulas presenciais, será preciso uma atenção maior aos alunos do EJA para que eles possam aprender aquilo que não tiveram condições durante a pandemia.

Segundo a especialista, para o retorno das aulas presenciais do EJA, será preciso muito mais do que cumprir os protocolos de segurança do governo. “Eles não têm acesso aos recursos e não sabem como usar, e ainda tem que ir buscá-los, porque eu acho que vai ter que ter uma busca ativa grande para fazer eles retornarem à escola” defende a professora. 

aria Amábile acredita que as aulas de jovens e adultos deveriam ser as primeiras a voltar para a modalidade presencial. “Alguns estados do Norte ou Nordeste estão preferindo voltar às aulas com os mais velhos antes das crianças, porque esses têm mais condições de se adaptar aos protocolos”, complementa.

Para a especialista, é preciso de estímulos e políticas públicas nessa área de educação de jovens e adultos para a volta às aulas. “o que precisaria ter é um programa, uma política voltada para os estudantes do EJA para capacitá-los a enfrentar o ensino dessa outra maneira que não é o presencial. Não estamos vendo isso sendo comunicado, alguma coisa focada mais nesse público do EJA, que certamente terá muita dificuldade no retorno às aulas. Quanto mais vulnerável, maior é a dificuldade”, afirma Maria Amábile Mansutti.

Por Bruna Rossi, Gabriela Zimovski e Nathália Guimarães

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

 

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