Cerrado: saúde nos quintais de casa e no recreio da escola

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A árvore que cresce no fundo de casa ainda brilha os olhos e o paladar de crianças e adolescentes em áreas de cerrado no centro-oeste. O desafio das famílias é fazer com que a moçada não exagere nas lanchonetes e nos industrializados que chegam cada vez mais perto, pela internet e telefone. Em casa ou na escola, isso pode interferir diretamente na saúde dos pequenos. 

Na casa da família da Amanda, de 3 anos de idade, que mora na fazenda, em Cristalina (GO), na qual o pai trabalha, o cuidado é para ela sentir o gostinho das frutas e verduras desde pequena. Nada de refrigerante.  A mãe, Luana Pereira, de 23 anos, comemora que a alimentação dela é bem equilibrada, por consumir tudo que é plantado na horta de casa.

A menina é ensinada a pegar diretamente no limoeiro. Foto: Ayumi Watanabe

“Amanda tem o privilégio de saborear frutas e verduras de acordo com cada época e costuma comer produtos naturais como abacate, maracujá, jabuticaba, graviola, mandioca, batata doce e abóbora”.

A mãe fica orgulhosa que a filha não é levada para consumir comidas de fast-foods. Ela explica que a família vai ao supermercado apenas quando realmente precisa. 

A nutricionista infantil Maiara Hollanda, em entrevista à Agência de Notícias Ceub, afirma que uma alimentação adequada para crianças é composta por macronutrientes como carboidratos bons, proteínas e gorduras e, também, micronutrientes como vitaminas e minerais, além do consumo adequado de água.

Alface e cebolinha fazem parte da dieta da menina de 3 anos de idade. Foto: Ayumi Watanabe

“Algumas besteiras” 

A 15 minutos da fazenda que a Amanda mora, crianças da Escola Municipal Manoel Gonçalves, também em Cristalina, recebem informações em sala de aula e em casa que os hábitos alimentares podem fazer a diferença hoje e amanhã.  Uma das mais entusiasmadas é Giovana Pol, de 10 anos.

Ela garante que consome verduras e frutas que são plantados na horta de sua casa. “Gosto muito de fruta. Lá em casa tem pé de siriguela, de acerola, de jabuticaba, de goiaba e, minha preferida, de framboesa. A gente faz suco, geleia e picolé com essas frutas”.

Giovana, apesar de manter uma alimentação saudável, relata que, de vez em quando, também consome algumas “besteiras”. “Para comer minhas comidas favoritas, que são pizza e sorvete, eu tenho que pedir para a minha mãe. Ela nem sempre deixa, nós só comemos em alguns finais de semana”. 

Assim como Giovana, Ingrid Maciel, 12, também tem uma alimentação balanceada, baseada nos alimentos plantados em sua horta. Ela costuma fazer suas refeições em casa. Normalmente, no café da manhã, gosta de comer pão de queijo e leite com achocolatado. No almoço, come arroz, feijão e salada. Às vezes, a família prepara uma macarronada acompanhada de sucos das frutas que são plantadas no quintal de casa. Mesmo assim, ela confessa que, às vezes, come salgadinhos, pizza e hambúrguer.

Baião, sem café e nada de salada

Já Walisson Monteiro, de 12 anos, relata que sua família tem o hábito de ir a supermercados sempre, apesar de também consumir o que é plantado em sua casa. Ele não costuma comer café da manhã, apenas o lanche da escola no intervalo. No almoço e jantar, come arroz, feijão e carne e, quando tem, se delicia com pratos que a mãe faz. “O que eu mais gosto é o baião de 3”. Ele diz que não gosta muito de salada. Prefere as “besteiras” que seus pais compram como batata frita, biscoito e chocolate.

A nutricionista conta que, apesar da maioria das crianças que moram no campo terem acesso a alimentos mais saudáveis, nem sempre essas crianças conseguem ter acesso a todos os alimentos necessários para seu desenvolvimento. “Pode ser que falte um ou outro alimento, uma ou outra vitamina, principalmente quando a fazenda não é auto-suficiente”, explica.

Maiara Hollanda também esclarece que a visão de crianças que moram no campo possuírem uma alimentação mais saudável do que as que moram na cidade nem sempre é correta. “Nem todos os alimentos plantados nas fazendas são saudáveis. Há alimentos ricos em agrotóxicos, que causam muitos danos à saúde”. Por outro lado, ela contextualiza que  há supermercados nas cidades que vendem produtos orgânicos.  

Influência da alimentação na saúde

Para a nutricionista Maiara Hollanda, a obesidade tem causas multifatoriais, que envolvem a alimentação.  “Não somente o lugar em que a pessoa mora. Estruturas como a casa da pessoa e a escola podem estar relacionadas com a obesidade. É como a família se alimenta. É importante a influência da família na alimentação”.

O dentista Ricardo Carneiro da Silva, 44 anos, avalia que a alimentação não saudável afeta não só a saúde bucal, mas principalmente o equilíbrio corporal. “A importância para crianças, adolescentes e para qualquer idade é manter o meio bucal limpo. A alimentação saudável é a base de tudo”. O profissional testemunha que a alimentação rica em açúcares e carboidratos tornam-se prejudiciais e propiciam a cárie.

Na cozinha da escola

Quando se trata da alimentação das crianças nos colégios, as merendeiras possuem um papel fundamental. No caso da Escola Municipal Manoel Gonçalves, Cecília Gomes e Elizete de Souza assumem essa função. 

Elizete e Cecília dizem que a alimentação na escola em Cristalina é reforçada. Foto: Ayumi Watanabe

Cecília, que trabalha há dez anos no colégio, diz que, normalmente, as opções oferecidas para os pequenos são pão com carne moída, galinhada, farofa de feijão, macarrão com frango, macarrão com carne moída ou biscoitos.

De bebida, ela conta que são oferecidos sucos, principalmente de maracujá, ou leite com achocolatado, dependendo do cardápio do dia. “Depende do que combina mais com a refeição, por exemplo, pão combina mais com suco, mas biscoito combina com leite”. 

Ela explica que a escola não fornece mais almoço para as crianças, já que o colégio deixou de ser integral. “Agora é oferecido, nos intervalos, apenas um lanche às 9h20 para as turmas do período matutino e às 14h30 para o vespertino”. 

Os alimentos da escola vêm da prefeitura de Cristalina, com exceção do leite, que é fornecido por uma empresa da cidade que atua no ramo agrícola em Cristalina, que possui parceria com o Ministério da Educação.

A merendeira segue um cardápio que já vem pronto da prefeitura. “Nós temos permissão para alterar o cardápio se algum alimento estiver com a validade próxima. Aí podemos colocar esse alimento para ser consumido antes”. 

Outra situação é se for necessário um preparo especial, como a necessidade de descongelamento da carne. 

As merendeiras explicam que deixam uma amostra do lanche servido no dia no congelador, para caso alguma criança passe mal, seja possível analisar a comida que foi distribuída no dia. 

Amostras das comidas do dia são separadas para conferência. Foto: Isabela Mascarenhas

“Se uma criança passa mal, tem uma intoxicação alimentar, a primeira coisa que os pais querem saber é o que a criança comeu na escola. Por isso, é tão importante tirar as amostras, para provar o que foi servido e não culparem a escola injustamente”. 

Sem geladeira

A 170 km de Cristalina, em outra área do cerrado, Fábio Harada, de 62 anos, é agricultor familiar em Brazlândia, conta que, quando era criança, grande parte de sua alimentação era de produtos plantados na fazenda. “Quando eu era menor, não tinha tanta facilidade para sair para a cidade. Então, eu comia mais do que era plantado na roça mesmo”. O que ele e sua família mais consumiam em seu tempo de infância eram frutas, principalmente morango e pêssego.

Ele recorda que, na infância, os pais não costumavam sair da roça, com frequência, para colocar a comida na mesa. “Meus pais iam ao mercado uma vez por mês e compravam vários alimentos para estocarmos. Nós não tínhamos geladeira. Então, comprávamos tudo salgado ou com muito açúcar para conservar”. Ele afirma que, hoje em dia, é mais simples a conservação dos alimentos. 

Fábio Harada lembra-se que não tinha acesso a comidas “fast food” quando criança e que, hoje em dia, permanece sem comer essas comidas, mas não por uma questão de falta de acesso e sim por não gostar, o que foi ensinado na infância . Ele acredita que atualmente as crianças comem “fast foods”, até as que moram em áreas rurais mais afastadas. 

A fazenda de Fábio fornece alimentos para as merendas de algumas escolas perto de sua região. Ele acredita que, ao fornecer frutas e verduras de sua fazenda, contribui para que as crianças desses colégios tenham uma alimentação mais saudável. 

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Por Isabela Mascarenhas e Ayumi Watanabe

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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