Em 13 de setembro de 1987, Goiânia foi o lugar do maior acidente radiológico do mundo fora de usinas nucleares.
Um aparelho de radioterapia abandonado em uma clínica desativada liberou partículas de Césio-137, substância altamente radioativa que causou 4 mortes e mais de mil pessoas afetadas pela radiação, segundo registros oficiais.
Como ocorreu
O acidente teve início quando dois catadores encontraram um aparelho de radioterapia abandonado em uma clínica de Goiânia e decidiram levá-lo para desmontar.
Dentro do equipamento estava a cápsula de Césio-137, cuja substância emitia um pó azul brilhante que despertou curiosidade e acabou sendo compartilhado entre familiares, vizinhos e amigos.
O material chegou a circular em diferentes casas e até em um ferro-velho, onde pedaços do equipamento foram manuseados e fragmentados.
Pequenas quantidades do pó radioativo se espalharam em roupas, móveis e utensílios domésticos, ampliando a contaminação para além do círculo inicial de contato.
Esse deslocamento do césio fez com que dezenas de pessoas fossem expostas sem que percebessem os riscos, aumentando a gravidade do desastre.
A Escala Internacional de Acidentes Nucleares classificou o acidente como nível 5, categoria que corresponde a ocorrências com consequências de longo alcance.
A escala vai de 0 a 7: o menor valor indica desvios sem relevância para a segurança, enquanto o nível máximo é reservado para desastres nucleares de grandes proporções, como os de Chernobyl e Fukushima.

Imagem: Freepik
Riscos
Segundo o professor de química Thiago Alexandre, o Césio-137 é um radioisótopo produzido pela fissão do urânio que é usado, de forma encapsulada, em tratamentos médicos e aplicações industriais.
“Ele se desintegra emitindo partículas beta e raios gama. Os raios gama, por serem muito penetrantes, atravessam tecidos e podem causar ionização celular, aumentando o risco de câncer. Já as partículas beta, em contato direto, provocam queimaduras locais. Se for inalado ou ingerido, o césio se distribui pelo organismo irradiando os tecidos de dentro para fora”, explicou.
O professor lembra que os sintomas variam conforme a quantidade. “Em casos de exposição aguda, como em Goiânia, podem surgir náuseas, vômitos, hemorragias, queda de cabelo e até morte.” ressaltou.
Repercussão
A partir desse episódio, foram adotadas diversas medidas com o objetivo de evitar que situações semelhantes se repetissem.
Entre as principais mudanças, destacam-se o reforço da legislação e das normas de segurança, que passaram a estabelecer regras mais rígidas para a posse, transporte, armazenamento, uso e descarte de materiais radioativos, além da aplicação de sanções mais severas em casos de descumprimento.
O pesquisador ressalta que o descarte desses materiais segue protocolos rígidos.
“Os resíduos precisam ser separados dos demais tipos de lixo hospitalar ou laboratorial, armazenados em recipientes blindados e devidamente identificados com o símbolo internacional de radiação. Dependendo da meia-vida do material, podem ser mantidos em áreas controladas até atingirem níveis seguros ou destinados a locais licenciados pela CNEN”, afirmou.
A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) reforçou suas funções de fiscalização ao implementar um registro nacional de fontes radioativas, estabelecendo critérios mais rigorosos para a concessão de autorizações e exigindo inventários detalhados e rastreáveis durante todo o ciclo de vida das substâncias.
Além disso, foram criados procedimentos específicos para garantir a desativação segura de instalações que utilizam radioisótopos, como clínicas, hospitais e indústrias.
Outra medida adotada foi a elaboração de planos de emergência radiológica, em níveis nacional e estadual, acompanhados de treinamentos para profissionais da saúde, bombeiros, policiais e defesa civil, visando prepará-los para atuar em situações de risco.
Além disso, foram estabelecidos protocolos de comunicação com a população em casos de acidente, e intensificadas campanhas de conscientização para o público em geral e profissionais das áreas médica e industrial, destacando os perigos do contato inadequado com materiais radioativos.

Imagens: Gov.br
Aprendizados
Para o professor Thiago, a tragédia em Goiânia poderia ter sido evitada com maior rigor no cumprimento das normas da CNEN.
“O aparelho de radioterapia foi abandonado sem destinação adequada. Se tivesse havido o descomissionamento correto, ou seja, a retirada e o encaminhamento seguro da fonte radioativa para uma instalação autorizada, o acidente não teria ocorrido”, afirmou.
Ele também destaca a importância da educação como ferramenta de prevenção.
“Se a população tivesse informações básicas sobre radioatividade, como reconhecer símbolos de perigo e entender sua gravidade, provavelmente a curiosidade em manusear o pó brilhante teria sido menor. Informação e comunicação são pilares essenciais para evitar novas tragédias”, completou.
Mais do que um episódio histórico, o acidente com o Césio-137 deixa um alerta que continua atual: siga sempre as recomendações da CNEN e nunca entre em contato com materiais radioativos sem a proteção e o conhecimento necessários.
Por Artur Monteiro e Letícia Gonçalves
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira