A África é o maior continente de origem dos universitários participantes do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação no Brasil
Da África Central para o cerrado brasileiro, o jovem Jean Makita Kibala, 26 anos, deixou para trás o sonho de se tornar comandante do exército da República Democrática do Congo para estudar no Brasil. O estudante de Engenharia de Redes da Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), por meio do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G), está em Brasília há quatro anos e só sai do Brasil quando se formar, previsto para 2017.
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Programa
Segundo o Ministério das Relações Exteriores o PEC-G, oferece bolsa de estudo, a estudantes de países em desenvolvimento desde a década de 60. São alunos de nacionalidade africana, latino-americana, caribenha e asiática, em que o Brasil tem acordo educacional, cultural ou científico-tecnológico a oportunidade de realizar seus estudos de graduação em Instituições de Ensino Superior brasileiras, privadas ou particulares.
Ao longo da última década, o continente africano foi o que mais enviou estudantes para seguir a vida acadêmica em solo brasileiro.
Em 2015 a Universidade de Brasília recebeu 53 estudantes africanos sendo eles, oito da República Democrática do Congo. Além do Congo, a UnB têm alunos de Angola, Benim, Cabo Verde, Camarões, Gana, Guiné Bissau e Nigéria.
Dois dias de voo, três países, quatro cidades. Foi assim o trajeto percorrido por Jean quando saiu de Kinshasa, capital do RDC (antigo Zaire), em 28 de fevereiro de 2011, junto com outros 86 congoleses, para iniciar uma nova etapa da vida em um país totalmente desconhecido. Jean trouxe com ele duas malas com um pouco de tudo. Como os idiomas maternos, o francês e um dos dialetos do país, o Lingala, só não trouxe o mais necessário para viver a vida educacional do Brasil: o domínio da língua portuguesa. O que se tornou uma das maiores dificuldades durante o período de adaptação. “Não sabia nem falar bom dia quando cheguei, tive que me virar para comer e achar casa”, conta Jean.
Segundo membro da Assessoria de Assuntos Internacionais/ INT da UnB, Rogério Almeida, a universidade oferece cursos de português para estrangeiros pelo Programa de Ensino e Pesquisa em Português para Falantes de Outras Línguas (Peppfol). “Para nós de país francófono, fazemos um curso de oito meses de aula de português, mas no final precisamos passar no teste de proficiência de língua portuguesa. Só assim podemos iniciar os estudos, quando apresentamos o diploma de aprovação da prova Celpe-Bras,” explica o estudante.
Cultura
Não foi só o sonho profissional que ficou para trás. Jean, segundo filho do casal de Josué Kisenge Kibala, vendedor de material para construção e Elysee Miandabu Buloba, vendedora de roupa, família em um total de seis filhos (duas meninas e quatro rapazes) deixou sua família, amigos e cultura na sua antiga vida. Cursava o quarto semestre de engenharia elétrica quando soube que existiria a oportunidade de ir para outro país e continuar seus estudos.
“Aqui em Brasília tem uma comunidade africana, ajuda a matar um pouco da saudade quando estamos juntos, a dança a conversa e a comida típica. Mas nada como estar em casa”. Conta ele com um tom de saudades. “Desde que vim ao Brasil, há quatro anos, não voltei para casa”, concluiu.
Ao deixar tudo para trás o jovem imaginava que as coisas iram ser diferentes da realidade de casa. A expectativa de ter uma condição melhor de vida, morar sozinho, conseguir um emprego e um carro ainda não foi alcançada. “Chegando aqui percebi que a luta como estudante é a mesma, parece que foi uma continuidade da minha vida de antes, acordar de manhã cedo, pegar ônibus público e ir para a faculdade, mas graças a Deus esta dando certo”.
Para ele não tem como comparar a cultura africana com a cultura brasileira. O jovem explica que já visitou cidades das regiões sul e norte do Brasil e viu com os próprios olhos a vasta diversidade da população brasileira.
“Diferente do Brasil, a República Democrática do Congo tem valores ancestrais, os congoleses têm que obedecer ao costume da origem do país. Tem uma lei tradicional a ser obedecida”, conta Jean.
Jean explica que um grande diferencial na cultura acadêmica entre o Congo e o Brasil, embora a educação de lá sendo pública, não significa que é de graça. “A educação é bem diferente, a escola pública é paga, do ensino médio a universidade, toda educação tem dinheiro envolvido, não é porque é do governo que não pagamos”, enfatiza Jean. Quando o aluno ficou sabendo da bolsa de estudo logo ficou feliz por saber que não iria mais pagar para estudar.
Ele acrescenta que, mesmo adquirindo a bolsa universitária, a necessidade do apoio de seus pais é essencial, pois um dos quesitos para ser aceito no programa é a certeza de que o estudante terá uma condição financeira suficiente durante o primeiro ano de graduação.
Para mais informações sobre o Programa de Estudantes-Convênio de Graduação, acesse o site do Ministério da Educação
Cotas
Em relação às cotas brasileiras, Jean Makita conta que tem duas percepções sobre o sistema. Para ele, há dois lados. O primeiro que considera é que os negros são sempre vistos pela sociedade por não terem capacidades suficientes para ingressar nas universidades brasileiras por meio do vestibular tradicional, e teme que caso os sistemas de cotas continuem, as pessoas sempre verão os negros desta maneira, de incompetência educacional, ao invés de oportunidades sempre lhes negadas. “Acho isso uma covardia”, conta Jean.
Jean explica que talvez fosse melhor procurar soluções governamentais para melhorar o sistema educacional público brasileiro. Outro ponto mencionado por Jean foi à possibilidade de implementação de programas sociais para estudantes de escolas públicas ou para crianças e jovens de famílias com falta de recursos financeiros para a educação de qualidade para os filhos. Com isso em mente, o jovem explicou que seria justo colocar todo mundo na mesma plataforma e julgá-los por suas capacidades, independentes da cor ou etnia.
Jean procura dar um exemplo de experiência de vida dentro do próprio curso na UnB. “Desde que comecei a ajudar com a monitoria de cálculo I, percebi um alto nível dificuldades em um grande número de alunos. Ao investigar o porquê da falta de compreensão, percebi que a maioria dos alunos são aqueles que saíram do ensino médio de escolas públicas, chegam à universidade e não sabem nem derivar.” Ele se pergunta como estes alunos conseguiriam entrar na universidade.
Para Jean a resposta estava clara, foi pela oportunidade dada que o sistema de cotas oferece. “Por outro lado o sistema de cotas também ajuda, pois notamos que pessoas melhoraram a vida por esta iniciativa do governo. São pessoas que correram atrás e aproveitaram a oportunidade”.
Por Nabil Sami