Alfabetização: pessoas cegas e surdas encantam-se com o saber das letras

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Teodora aprendendo a linguagem dos sinais com a professora Fatima

Ela chega sorrindo e atravessa o ambiente devagar. O lugar dela já está reservado na sala de artes. Ela senta e já começa a falar sobre seus planos. Adora conversar.  Artista, pinta, escreve poesias, faz teatro, canta. Essa é Teodora, a que não queria usar bengala, mas a visão já lhe falta e a vida não pode ser mais como ela queria.  O diabetes avança, a sensibilidade nos dedos diminui, mas a vontade de ler e escrever é mais forte.  “A minha dificuldade está na leitura. Não tenho sensibilidade nos dedos.” Teodora Ramos Urcino, 65, já sabia ler e escrever quando foi perdendo a visão.   Mas, isso não a impede de escrever poesias e vê-las publicadas.

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A atual Política Nacional da Educação Especial, na perspectiva inclusiva, destaca a importância de envolver todos os níveis, etapas e modalidades. A função é oferecer acessibilidade para eliminar barreiras que impeçam a participação dos alunos conforme suas necessidades específicas.

A professora Fatima Kader Nascimento destaca que o “procedimento da alfabetização ou do letramento é o mesmo para qualquer ser humano”. Deve-se avaliar o que o aluno precisa, qual é o momento e a área em que ele se encontra no seu desenvolvimento  e, como junto com o professor, ele pode dar o salto qualitativo.  Ela afirma que ler braile envolve coordenação motora fina e uma alta percepção tátil dos pontos. Muitos conseguem escrever e não conseguem ler. A alfabetização não se dá sem letramento”. Fatima ainda ressalta a necessidade de trazer o mundo do aluno para dentro da sala de aula. O que ele gosta. Porque é a partir de um conhecimento prévio, do respeito a ele,  que se faz o elo de ligação com o novo. “É preciso valorizar o sujeito naquilo que ele tem de mais precioso que é a experiência de vida dele”, completa. Para a professora,  o importante é fazer com que o outro se torne autoconfiante, autônomo, com iniciativa e que vá em busca de novos saberes.

No caso da alfabetização, a atenção em classes especiais é fundamental. Com os surdos, por exemplo, uma das dificuldades está em estabelecer a relação letra e som, uma vez que eles não dominam a língua oral. Já para os alunos ouvintes e videntes, qualquer método tem por base a oralidade. Eles relacionam o que está escrito com o que falam e ouvem. A criança surda relaciona com o que vê e a cega, com o que ouve. A pessoa que não enxerga e também tem a audição comprometida pode ser alfabetizada, mas necessita de ajuda especializada.

É a audição que possibilita o desenvolvimento da linguagem e da comunicação oral entre as pessoas. O pensamento é estruturado pela linguagem. Essa comunicação pode ser de duas maneiras: o verbal e o não verbal como mostra a professora Fatima Kader Nascimento, doutora em educação especial que atua na área de cegueira e surdez. Ela escreveu a primeira tese de doutorado em alfabetização de crianças surdas, cegas e surdas-cegas  no Brasil.

 

O corpo que não se vê, fala

Seja qual for a realidade, alguns fatores devem ser considerados como a organização espaço-temporal que envolve a interiorização do esquema corporal, a independência funcional dos membros superiores, como os braços, pulsos, mãos e dedos, por exemplo. É importante também o desenvolvimento da sensibilidade tátil, da pronúncia correta, da descriminação auditiva e compreensão verbal, além da motivação para aprender e o nível de maturidade.

A professora Clarissa Barros explica a importância do domínio do corpo para a escrita e a comunicação. “A pessoa só coloca a cabeça no lugar porque enxerga a linha do horizonte”. Isso ajuda a  nivelar o olhar e corrigir a postura. Quando a postura não é a correta, pode levar a pequenas atrofias, como  a dificuldade de abrir completamente a mão, por exemplo. Daí a necessidade da realização de diversas dinâmicas que envolvam o corpo. Pelo tato percebe-se diferenças de temperatura, textura, volume dentre outras. O ritmo de uma respiração pausada ajuda no equilíbrio. Mas nada disso é empecilho, e sim possibilidades de desenvolvimento. É preciso uma consciência do próprio corpo que se adquire olhando no espelho e pela imitação. Essa oportunidade o cego não tem. Mas seu corpo fala mostrando as necessidades de orientação. Ouça o que diz a professora Clarissa.

 

 

Um dos métodos de alfabetização mais conhecidos é o que Paulo Freire desenvolveu para adultos. Ele partia do universo conhecido dos alunos que aprendiam as letras, sílabas, palavras com as quais desbravariam o mundo e registrariam sua história deixando de utilizar apenas o polegar como identidade.

Surdo e cego: tudo começou num bolo

No caso de indivíduos com deficiência, a alfabetização, seja  com necessidades especiais ou não, é um passo importante para a autonomia.  O aluno Paulo César Rodrigues, 49, afirma que se tornou mais independente depois de frequentar o Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEEDV). Ele que é surdo bilateral (dos dois ouvidos) e cego conta que a irmã não o deixava fazer nada sozinho. Ela sempre estava presente desde a cozinha, onde ele queria fazer um bolo, até a porta da escola, passando pelas viagens de ônibus, caminhadas em calçadas tortas e irregulares. A felicidade de Paulo foi fazer na cozinha da escola o bolo tão desejado. Ele considera que a pessoa não pode ser tratada como “um coitadinho”. Conquistar autonomia foi o mesmo que ser livre.  Ouça o que ele diz:

 

 

Alfabetizar para incluir

A superação do analfabetismo entre jovens a partir de 15 anos, adultos e idosos é o foco do programa do governo federal Brasil Alfabetizado. Desde sua criação em 2003, mais de quatro mil municípios se engajaram e foram feitas 16 milhões de matrículas. Alfabetizar é uma das formas de inclusão de uma pessoa no grupo social ao qual ela pertence.

 

Por Cláudia Sigilião, Larissa Lustoza e Zilta Marinho

Supervisão: Luiz Cláudio Ferreira

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