O HPV está associado a diversos tipos de câncer, especialmente o de colo de útero, com quase 100% dos casos relacionados à infecção pelo vírus, conforme aponta Fábio Russomano, médico especialista em HPV. O Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que, até 2025, o Brasil registre 17.010 novos casos de câncer de colo de útero. Em meio a uma realidade, a vacinação contra o HPV, considerada fundamental na prevenção, enfrenta desafios no Distrito Federal e em todo o país. A vacinação deve ser garantida na infância e adolescência, conforme explicam especialistas.
O papilomavírus humano, mais conhecido como HPV, é uma infecção sexualmente transmissível ligada ao desenvolvimento de boa parte dos cânceres de colo de útero. De acordo com uma pesquisa do Ministério da Saúde realizada por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS, a taxa de infecção do HPV genital em mulheres que já iniciaram a vida sexual é de 54,4%, enquanto a dos homens é de 41,6%. E para além desse fator, houve uma queda na cobertura de vacinação contra a doença, no ano de 2022, por exemplo, entre as meninas, a primeira dose teve adesão de 75,91%, e a segunda, 57,44%. A taxa de adesão entre os meninos foi ainda menor, a primeira dose teve 52,26% e a segunda teve 36,59%.
A Estratégia Global para Eliminação do Câncer do Colo de Útero, lançada em 2020, pela OMS, estabeleceu como meta aos países signatários, incluindo o Brasil, que 90% das meninas de até 15 anos de idade sejam completamente imunizadas contra o HPV.
Barreiras
A vacinação contra o HPV, tanto em meninas quanto meninos perpassa por várias barreiras, como dificuldades culturais e de acesso à imunização e o movimento antivacina fomentado por razões ideológicas e políticas, como é o caso do Brasil. Russomano aponta essa prevenção “deixa de ser regra na adolescência” e que países que atingiram ampla cobertura vacinal contra o HPV, a campanha foi realizada nas escolas. O que o Brasil fazia inicialmente, até serem divulgadas como efeito colateral do próprio medicamento, reações emocionais de adolescentes, ocasionando a suspensão da vacinação nesses ambientes.
A relação da não imunização contra o HPV com o início da vida sexual tem sido relatada por pesquisadores, tornando o assunto um tabu para famílias, por acharem a idade de vacinação muito precoce, visto que a grande maioria das crianças da idade indicada não iniciaram sua vida sexual, que é justamente o que garante a máxima efetividade para o medicamento, afirma o especialista.
Tabus
Quando se trata dos meninos, a baixa adesão é notória. A imunização nesse público tem como maior argumento a imunidade rebanho, informação corroborada também pelo médico Gustavo Guitmann, chefe de ginecologia do INCA, que acusa a desinformação como causadora dessa menor taxa de prevenção em meninos e que o vírus é muito relacionado com o câncer de colo de útero, mas pouco se fala sobre outros tumores também relacionados e a disseminação do HPV.
Russomano também aponta que as famílias não estão cientes do alto risco da infecção do papiloma vírus humano em meninos e sua possível contribuição no efeito rebanho da imunização, além das lesões causadas pela doença serem muito mais comuns em meninas e demais pessoas com útero.
“Conheço uma jovem, na faixa dos 20 anos, que foi diagnosticada com câncer de colo de útero. O médico suspeita que o câncer possa ter sido causado pelo HPV. Ela provavelmente teve o vírus e não cuidou direito, não tomou a vacina. Como resultado, precisou tirar o útero e as trompas,” conta Edilene Gomes, dona de casa e mãe de 3 filhos, quando questionada sobre a importância da vacina contra o HPV.
Russomano, também vice-diretor de Ensino do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente da Fiocruz, afirma que a estimativa é que mais de 80% das mulheres terão contato com o vírus em algum momento da vida, conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
![Fábio Russomano, médico especialista, destaca que mais de 80% das pessoas terão contato com o HPV na vida. Reprodução/André Araújo.](https://agenciadenoticias.uniceub.br/wp-content/uploads/2024/07/russomano-1.jpg)
Como na maioria das ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), a transmissão ocorre por meio da relação sexual, somada à falta do uso de preservativo e não vacinação contra a doença. Vale ressaltar que a vacina contra o HPV tem como objetivo evitar os tipos mais frequentes da infecção associados ao câncer.
No final das contas, além da sua importância, as vacinas devem ser tomadas antes do início da vida sexual, para ter a máxima eficácia, o que explica o motivo da prevenção ser realizada ainda na infância. Segundo dados do DataSUS, até junho de 2024, foram 121.797 doses aplicadas no Distrito Federal, na faixa etária dos 5 aos 11 anos.
A Secretaria de Saúde do DF, ao ser questionada sobre os dados de infecção pelo HPV na capital, informou por meio de um documento que essa infecção não é de notificação compulsória e por isso o Ministério da Saúde não possui dados de sua incidência.
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O público-alvo da prevenção contra o HPV pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) é composto por meninas e meninos de 9 a 14 anos, aos quais são administradas 2 doses da vacina, com intervalo de 6 meses. Além disso, os grupos prioritários incluem pessoas com condições clínicas específicas e vítimas de violência sexual, entre 9 e 45 anos.
Estão nos grupos prioritários os imunossuprimidos, aqueles que fazem tratamento com medicamentos imunossupressores; os portadores do vírus HIV (AIDS); e os pacientes transplantados de medula óssea e órgãos sólidos. Para estes últimos, a aplicação da vacina prevê 3 doses, com intervalo de 2 meses entre a primeira e a segunda dose, e 6 meses entre a segunda e a terceira dose.
A garantia da imunização na infância
É extremamente recomendado por profissionais da saúde que crianças e adolescentes estejam com a vacinação contra o HPV em dia. A imunização precoce garante que o sistema imunológico esteja preparado para combater o vírus antes que a pessoa comece a vida sexual ativa, o que reduz drasticamente o risco de infecção e suas complicações.
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Juliana Quintino, autônoma e mãe de três meninas, duas de 9 anos e uma de 15 anos de idade, conta sobre a importância de cumprir todo o esquema vacinal e enfatiza a necessidade de prevenção contra o câncer: “Acho excelente a prevenção ser feita ainda na infância. Na minha família, há muitos casos de câncer. Minha avó materna faleceu de câncer, tenho tias, primas todas que tiveram câncer, então eu acho muito importante. Aqui na nossa família há uma prevenção muito grande em relação a tudo relacionado com essa doença devido a tantos casos.”
As campanhas infantis são aliadas na proteção completa e promovem uma conscientização primorosa entre os pais e a comunidade sobre a importância de doenças relacionadas. Muitas vezes existe a integração das campanhas nas escolas que facilita o acesso e melhora as taxas de cobertura vacinal, garantindo que mais crianças sejam protegidas.
Rosilda Caldeira, autônoma, mãe de duas meninas, comenta sobre a vacinação nas escolas e como isso é uma medida eficaz em face dos pais que não levam os filhos aos postos de saúde e quando realizada dentro das instituições de ensino tem uma certa obrigatoriedade de tomar por incentivo dos professores.
“Eu acho importante a vacinação porque as crianças e os adolescentes são muito precoces, e aí o que eu acho interessante é porque a vacinação nas escolas vai proteger muito os adolescentes e crianças, que pode acontecer de pegar uma doença mais cedo […]. Ajuda a proteger”, conta Rosilda.
Em 2014, as campanhas de vacinação contra o HPV surgiram no Brasil e alcançaram novos patamares em 2023, conforme relata o médico Gustavo Guitmann. A vacinação atingiu 76% das meninas de 9 a 14 anos, com a segunda dose caindo para 60%. Entre os meninos, a primeira dose alcançou 40%, e a segunda dose apenas 27%.
Guitmann destaca que os meninos costumam não tomar a vacina por diversos motivos, mas, principalmente, pela desinformação. “Falam que o HPV está relacionado com a mulher, associam muito com o câncer de colo de útero, mas não se relaciona com os outros tipos de tumores e com a questão de disseminar o HPV, de servir como vetor”, afirma.
Além disso, o ginecologista enfatiza a importância de conscientizar a população sobre a relação entre o HPV e o câncer: “Muitas pessoas não sabem nem o que é o HPV, mas todo mundo sabe o que é câncer. Então se você tem disponível uma vacina que vai evitar o aparecimento de câncer, talvez seja de maior entendimento do que uma vacina contra o HPV.” Essa abordagem pode melhorar a aceitação e a disseminação da vacina, uma vez que relaciona de forma direta a imunização com a prevenção de um problema de saúde amplamente temido e compreendido pela população.
Por outro lado, Vivian Santos, profissional de relações governamentais, relata sua experiência pessoal sobre o incentivo à vacinação contra o HPV no Distrito Federal estar longe de ser suficiente. “Para crianças, há o preconceito de que assumir a prevenção levando as filhas para tomar essa vacina é uma concordância de que as mesmas estão aptas para iniciar a vida sexual, como se isso não fosse de fato acontecer um dia.”
Desafios da vacinação contra o HPV na vida adulta
Quando falamos na cobertura vacinal contra o HPV para adultos, surgem alguns questionamentos, e um deles aparece com frequência: tendo uma vida sexual ativa há vários anos, faria sentido tomar a vacina?
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Vivian Santos ressalta a importância da vacinação contra o HPV antes do início das atividades sexuais, mas ressalta que a prevenção pode e deve ser feita ao longo da vida. “Eu pesquisei e vi que essa vacina é priorizada para antes do início das atividades sexuais e acho isso muito válido, mas a prevenção também pode ser feita ao longo da vida, como foi o meu caso. Eu já estava casada quando me vacinei e a prevenção não é menos importante nesse contexto. Minha mãe teve HPV na vida adulta e, portanto, teve muito tempo antes disso para ser orientada quanto à prevenção e não foi. Nem mesmo na rede particular.”
A informação que se tem é que a vacinação contra o HPV na vida adulta não é tão acessível. Segundo informações do Instituto Butantan, atualmente, as vacinas para adultos estão disponíveis apenas na rede privada. A exceção é para mulheres e homens imunossuprimidos, transplantados ou pacientes oncológicos de até 45 anos, que têm direito de tomar o imunizante no SUS.
Vivian tem 29 anos e tomou a vacina em 2022 após muita pesquisa, devido à impossibilidade de acesso à vacina na rede pública: “Eu acredito que essa vacina em específico merecia maior incentivo por parte do poder público e ampliação na faixa etária contemplada.”
Dentro desse contexto, os estigmas associados muitas vezes resultam em hesitações em buscar o diagnóstico e o tratamento, o que pode perpetuar a falta de informações e a baixa cobertura vacinal entre adultos. Outro ponto que contribui para a baixa cobertura vacinal, é a falta de campanhas focadas em adultos, o que torna sinaliza que a promoção de uma abordagem mais incisiva seria interessante.
A designer Maria Eduarda Coutinho, de 24 anos, entende que muitos adultos não estão se vacinando, que na correria, esquecem. E relata que a sociedade de forma geral e até mesmo sua família costuma tomar vacinas quando ocorrem as grandes campanhas, como a da COVID e a da gripe.
Um dos principais obstáculos também é o elevado custo da vacina na rede privada. Vivian Santos realizou 3 doses na rede pública, garantindo a cobertura vacinal, mas afirma que fez o orçamento em todos os laboratórios particulares antes “na rede particular, as doses são caríssimas”, desabafa. O custo das 3 doses pode chegar ao valor de R$2.994, o que pode dificultar o acesso de muitas famílias à imunização.
Além disso, Vivian reforça que, para adultos, não há que se falar em incentivo à vacinação para adultos: falta cobertura na rede pública e, na rede particular, o valor é praticamente inacessível. Além disso, nem entramos na questão da falta de informações sobre gêneros. Os homens também devem se vacinar para evitar a transmissão, e não se fala nisso, acredito que pela dificuldade em reconhecermos que as pessoas geralmente têm relações sexuais com mais de uma pessoa ao longo da vida.”
Quando falamos da vacinação em homens, é importante destacar que existem campanhas no Brasil que incentivam a vacinação para homens até 26 anos. Angelo Prata de Carvalho, advogado em Brasília, foi um dos que se beneficiaram dessas campanhas. Questionado sobre os motivos que o levaram a tomar a vacina na vida adulta, ele explica: “Existem estudos que mostram que tomar a vacina depois de adulto previne alguns tipos de câncer em homens, como o de cabeça e o de pescoço.”
Além disso, relata que tomou a vacina por incentivo de uma campanha vacinal do governo: “Tomei por saber disso e porque, na época, a Secretaria de Saúde do DF liberou a vacina para homens até 26 anos”. No Distrito Federal, até junho de 2024, foram vacinados 439.451 homens, de acordo com o DataSUS.A campanha vacinal no Distrito Federal, mencionada por Angelo, foi incomum em maio de 2022, quando foram disponibilizadas 7,5 mil doses. Segundo a Secretaria de Saúde do DF, a procura diminuiu devido à pandemia vigente na época, reduzindo o consumo mensal das vacinas de 5,5 mil para 3,5 mil doses. Desde então, não ocorreram novas campanhas no Distrito Federal.
“O estigma pode levar a um medo significativo de rejeição”
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A escassez de campanhas de vacinação direcionadas para adultos e os estigmas associados ao HPV são impedimentos relevantes. Vivian comenta sobre a percepção errônea na sociedade que associa o HPV à infidelidade, o que pode desincentivar a imunização. “Vale considerarmos que a sociedade associa o HPV à infidelidade entre parceiros e as pessoas preferem não acreditar nessa possibilidade, comprometendo a imunização.”
Alessandra Araujo, psicóloga, ressalta que “o estigma pode levar a um medo significativo de rejeição por parte de parceiros sexuais. A pessoa pode hesitar em se abrir sobre sua condição, temendo que isso leve ao término da relação ou a uma diminuição do desejo sexual por parte do parceiro. Discutir sobre HPV com um parceiro pode ser uma tarefa difícil e estressante, potencialmente levando a mal-entendidos ou conflitos.”
Receber um diagnóstico impacta diretamente na saúde mental e emocional de um indivíduo. A ansiedade e a preocupação são reações comuns, uma vez que saber que se tem uma infecção sexualmente transmissível pode gerar muita ansiedade sobre a saúde atual e futura. A especialista aponta que a preocupação com as complicações potenciais variam desde a chance de desenvolvimento de câncer cervical até a possibilidade de transmitir o vírus a parceiros sexuais.
O estigma social associado às ISTs pode agravar ainda mais o impacto emocional do diagnóstico. “As pessoas diagnosticadas com HPV muitas vezes enfrentam vergonha e embaraço, temendo julgamentos negativos de parceiros, amigos ou familiares,” explica Alessandra.
Segundo a psicóloga, essa percepção pode levar a uma diminuição da autoestima, com sentimentos de culpa ou vergonha em relação às escolhas e comportamentos sexuais. Em muitos casos, o diagnóstico pode desencadear tristeza ou até depressão, levando ao isolamento social e à perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas. No entanto, observa que, com comunicação aberta, empatia e apoio mútuo, os parceiros podem superar esses desafios e fortalecer seu vínculo.
Por Natália Santos, Nathália Queiroz e Fernanda Diniz
Supervisão de Vivaldo de Sousa e Luiz Claudio Ferreira