Para reconhecer se a pessoa tem a ansiedade comum ou se sofre de “transtorno de ansiedade”, é necessário avaliar, segundo especialistas, se o quadro interfere no cotidiano da pessoa, prejudica suas relações e afeta diretamente sua qualidade de vida.
Estudiosos ouvidos pela reportagem da Agência Ceub defendem a psicoterapia como um procedimento fundamental para o tratamento de pacientes com esse transtorno. Para isso, seria necessário ampliar vagas e atenção no sistema público brasileiro, o SUS.
A psiquiatra Lia Sanders, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que é necessário identificar que ansiedade e medo são emoções comuns a todos os humanos.
“Todos sentimos medo e ansiedade. O medo é uma reação a uma ameaça iminente. A ansiedade é uma antecipação de uma ameaça futura. Pode ter origem externa ou interna. Fala-se em transtorno de ansiedade quando esses sentimentos atingem um nível que paralisa, causa sofrimento psíquico e impede a vida normal”, diferencia.
Ela, que é doutora em psicologia pela Humboldt Universität de Berlin, na Alemanha, reforçou que, embora a ansiedade seja um mecanismo natural do corpo, os sinais físicos merecem atenção.
Esses sinais de ansiedade podem indicar a necessidade de mudanças na forma como a pessoa vive a vida.
“A ansiedade faz parte da vida. Seus sinais físicos, como coração acelerado e mãos frias, são alertas do corpo de que algo está nos atingindo. Isso pode indicar a necessidade de mudar algo na forma de viver ou encarar a vida.”, afirmou.
Além da medicação
A professora também alertou para o risco de uso excessivo de medicamentos para tratar a ansiedade. Ela explica que podem ser úteis, mas não são a única solução.
Ela defende que o acesso à psicoterapia no sistema público de saúde deveria ser ampliado.
De acordo com ela, a terapia ajuda a entender as raízes do sofrimento e traz benefícios duradouros.
“Muitas pessoas buscam uma pílula para aliviar o sintoma ou recorrem ao álcool e outras substâncias. Mas outras formas de tratamento também são importantes. A psicoterapia, por exemplo, deveria ser mais acessível no SUS, pois ajuda a entender a origem da angústia e traz benefícios a longo prazo”.
Para a pesquisadora, as pessoas devem encarar a ansiedade como um fenômeno complexo, que não se trata apenas com medicamentos, e reconhecer que fatores sociais e ambientais influenciam seu aumento na atualidade.
“Devemos questionar por que há tantos casos de ansiedade e depressão, se nossa biologia não mudou. Fatores como trabalho, questões sociais e ambientais influenciam esse aumento e não se pode resolver tudo apenas com medicação”, concluiu.
Caps em Águas Lindas de Goiás é uma unidade de atendimento no Entorno do DF. Foto: Arquivo
Ansiedade natural e ansiedade excessiva
Psicólogo brasiliense de análise comportamental há 15 anos, Jayme Rabello aponta que a ansiedade é uma emoção saudável e natural, que faz parte do funcionamento do cérebro humano.
“A ansiedade pode ser positiva, como a expectativa por uma surpresa, que pode gerar entusiasmo. Já em outras situações, como a espera por um exame ou uma prova, a mesma ansiedade é vivida de forma negativa. Se for intensa demais, é um problema; caso contrário, é apenas uma emoção humana difícil, mas natural.”, salientou.
Ansiedade em diferentes facetas
O psicólogo clínico comentou que algumas dificuldades, como o medo de falar em público, podem ser trabalhadas sem intervenção clínica. Isso vale desde que essas dificuldades não prejudiquem a rotina do indivíduo.
“Existem diferentes tipos de ansiedade. Se a ansiedade provoca danos como insônia, automutilação ou impede atividades, pode ser preciso buscar tratamento.”, afirmou.
A autocrítica, segundo ele, é um instrumento útil para que a própria pessoa perceba quando a ansiedade passou a interferir negativamente em sua vida.
“A autocrítica ajuda a identificar se a dificuldade gera perdas significativas, indicando transtorno, ou se é apenas uma característica pessoal”, disse.
Cuidar do corpo e da mente contra a ansiedade
Além do acompanhamento psicológico, Jayme destacou a importância dos cuidados com o corpo no manejo da ansiedade.
Para ele, a saúde física e mental caminham juntas, e hábitos saudáveis podem reduzir significativamente os sintomas.
“No tratamento da ansiedade, atividade física, pelo menos três horas semanais, pode reduzir de 23% a 40% dos sintomas. Exposição solar e tempo de descanso também são importantes, especialmente para evitar o desgaste de uma rotina acelerada que dificulta manter hábitos saudáveis”, esclareceu.
Ele frisou ainda que a persistência dos sintomas por mais de três a seis meses é um indicativo para procurar avaliação profissional.
Para o especialista, a ansiedade está profundamente ligada à forma como nos relacionamos com o mundo e as pressões sociais que enfrentamos diariamente.
“É mais um subproduto do que a causa principal dos problemas”, pondera.
Combate ao estigma
O psicólogo acrescenta que, diferentemente de doenças físicas, a saúde mental enfrenta barreiras culturais que dificultam sua aceitação e o reconhecimento da necessidade de tratamento.
“Na saúde mental não há um agente claro como vírus ou fratura, o que dificulta a aceitação e legitimação do tratamento. Ainda há o estigma de associar transtornos à perda da realidade ou normalidade, o que é errado”, reforçou.
Apesar dos avanços em educação sobre saúde mental, ele avalia que a sociedade ainda não dá a mesma atenção a esses cuidados.
“Apesar do avanço na educação sobre psicoterapia, na prática, as pessoas não avaliam a saúde mental como a física. A sociedade precisa dar mais atenção ao corpo psíquico para identificar quando algo não vai bem”, avalia.
Foto: Banco de imagens/Agência CEUB
Luta antimanicomial
Outro ponto importante trazido pelo psicólogo é a necessidade de reflexão sobre os acessos de tratamentos. O fato de haver mais diagnósticos de ansiedade e depressão ampliou a pesquisa e também a evolução no conhecimento das doenças.
No passado, o tratamento em unidades de internação como manicômios ou hospícios ocorreu de forma degradante.
O especialista defende o cenário da luta antimanicomial no Brasil, que busca ampliar o entendimento sobre o que é normal e patológico na saúde mental, valorizando a diversidade das experiências humanas.
“A luta antimanicomial traz diversidade no entendimento do que é normal, sintoma, característica, configuração e patologia. Nem toda ansiedade é problema, e nem toda dificuldade mental exige afastamento social. Essa luta visa reconhecer e valorizar a diversidade do ser humano”.
Diálogo aberto
Ele ressaltou que a sociedade deve incentivar o diálogo aberto sobre sofrimento e saúde mental para combater o medo e o preconceito.
“Muitas vezes, por proteger quem amamos, evitamos falar sobre sofrimento ou cansaço, por medo de mostrar vulnerabilidade ou assustar o outro. É preciso mudar esse comportamento, criando mais diálogo”, ressaltou.
O psicólogo entende que os problemas têm relação também com o excesso da vida digital. As redes sociais, em excesso, podem proporcionar adoecimento mental.
“Hoje, somos bombardeados por estímulos na internet que não refletem a realidade por trás das câmeras. Enquanto isso, nossa vida real passa, e, quando percebemos, já estamos adoecidos, presos a moldes sociais que enterram nossa individualidade e geram arrependimentos.”, concluiu.
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